António-Pedro Vasconcelos e Estrela Novais
Em poucos dias, desaparecem figuras de vulto da nossa cultura.
Primeiro foi o cineasta António-Pedro Vasconcelos, de 84 anos, que morreu oito meses depois de o filho mais novo, Diogo Schmidt de Barros Vasconcelos, engenheiro agrónomo, ter falecido, aos 48 anos, atropelado num violento acidente com um tractor. O acidente terá deixado os pais de rastos, em especial o pai, que terá perdido toda a alegria e vontade de viver! A notícia foi publicada por João Bénard Garcia, em “The Mag”, no dia 7 de Março de 2024.
Lembro-me de uma das suas idas à nossa escola de cinema no Porto (ESAP – Escola Superior Artística do Porto). Nessa altura, o cineasta apresentou-se, ironicamente, como comentador desportivo, o que não passou indiferente aos espectadores. Talvez a ironia estivesse latente pela falta de apoios que, nesse momento, tinha em relação aos seus projectos.
Como sempre, o momento de partida e também os momentos das homenagens – que, muitas vezes, vêm tardios – já pouco adiantam.
Para mim, António-Pedro Vasconcelos será, para sempre, o realizador de “O Lugar do Morto”, filme de 1984, e que foi, na altura, um dos maiores êxitos de bilheteira do cinema português, ultrapassando os 300 mil espectadores. Thriller com sabor ao realizador francês François Truffaut.
Como Truffaut, António-Pedro Vasconcelos percorreu todos os géneros cinematográficos, do policial até às últimas obras marcadas por um sentimento de comédia e de melodrama. Um dos seus últimos trabalhos foi “Os Gatos Não Têm Vertigens”, em 2014, filme que nos possibilitou o reencontro, no cinema, com uma das maiores actrizes portuguesas Maria do Céu Guerra. E o seu derradeiro “Parque Mayer”, lugar mítico do teatro e da revista à portuguesa, “onde era possível sentir Portugal inteiro”.
Bruno Horta destaca o facto, de a acção acontecer em 1933, “ano da aprovação da Constituição do Estado Novo, limitando assim a liberdade de expressão apreciada por todos os que passavam pelo parque na altura”. No mesmo artigo publicado no Observador – António-Pedro Vasconcelos: “O cinema português hoje é irrelevante” – Bruno Horta escreve que, neste sítio, “onde a revista e as sátiras permitiam atingir liberdades que outrora não seriam possíveis, as histórias passam a ser construídas entre a censura e a luta de contornar a mesma”.
Afortunadamente, grande parte da cinematografia de António-Pedro Vasconcelos tem sido divulgada pela RTP2, essencialmente.
No Dia Internacional da Mulher, a 8 de Março, tento, todos os anos, enviar uma mensagem às minhas amigas e antigas companheiras e colaboradoras. Neste ano, pelo facto de me encontrar no Funchal, realizando uma encenação para a companhia de Teatro Experimental do Funchal (da ATEF) – que, no próximo ano, cumpre 50 anos de vida, estrutura artística à qual estive ligado, entre 1978 e 1982 – resgatei um fragmento da poeta Maria Aurora1, que foi a minha companheira nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e no Teatro Municipal Baltazar Dias:
Gostava de o ter enviado à actriz Estrela Novais, com quem mantive amizade nos meus primeiros anos no Porto (de 1975 a 1978). Ela era ainda a heroína do grupo Seiva Trupe, na peça sobre Catarina Eufémia: “A Seiva Conta Catarina na Luta do Povo”, de Luís Humberto, com encenação de Júlio Cardoso.
Para Luís Humberto, era a sua estreia como dramaturgo. Mas o seu ofício de jornalista também fez deste espectáculo uma experiência inesquecível. Podemos ver algumas imagens deste espectáculo na bela reportagem, no âmbito de “TV Palco”, do saudoso Igrejas Caeiro, programa televisivo que acompanhava semanalmente as realizações teatrais do País.
Estrela Novais (1953-2024) deixa-nos mais pobres no Dia Internacional da Mulher. Partiu cedo demais. Assim como partiu cedo demais da cidade do Porto, para se aventurar noutros lugares, como Itália e Lisboa, onde consolidou a sua carreira de actriz, principalmente na TV e no cinema.
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Notas:
1 – Maria Aurora: De origens beirãs, Aurora Augusta Figueiredo Carvalho Homem, cedo se instalou na ilha da Madeira, onde muito contribuiu para a divulgação cultural da e na região, através das suas multifacetadas realizações pessoais e profissionais, sem, contudo, renegar o passado nas “terras do Demo”. Jornalista, professora, assessora cultural, incansável promotora do livro e da leitura, foi uma das mais marcantes e populares figuras da cultura madeirense do seu tempo. Na escrita, dedicou-se à crónica, à poesia, ao conto e também à literatura infanto-juvenil.
2 – Estrela Novais (Porto, 1953 – Lisboa, 2024). Actriz portuguesa, co-fundadora da companhia de teatro Seiva Trupe, em 1973, juntamente com António Reis e Júlio Cardoso. Na Seiva Trupe, interpretou mais de 25 espectáculos, sendo os mais relevantes: “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes; “A Confissão” e “Restos”, de Bernardo Santareno; “Um Cálice do Porto”, de Benjamim Veludo, Manuel Dias e Norberto Barroca; “O Tio Vânia”, de Anton Tchékhov; e “Antígona”, de Sófocles. Entre as suas muitas actividades, foi docente de Expressão Dramática na Escola Secundária D. Pedro V, local onde ainda continuava a dar aulas, e incentivou muita gente a seguir carreira nas artes.
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21/03/2024