Anunciar ou informar?
João Figueira, professor da Universidade de Coimbra, jornalista e homem de Cultura, apresentou recentemente o seu livro “Da Incerteza Como Princípio: Jornalismo, Democracia, Decadência da Verdade”. Estive na sessão de lançamento do livro e verifiquei, com agrado, a presença de homens e de mulheres da Comunicação, incluindo alguns da que se produz atualmente na minha/nossa cidade. Recomendo a leitura aos insatisfeitos com o estado atual da informação em geral, mas também aos que só se julgam satisfeitos porque não se interrogaram, ainda, sobre o que ela poderia ser, se analisasse mais e embandeirasse menos.
Vem isto a propósito da informação que, nesta época de final do chamado ano civil (anos militares são, agora, muito difíceis de datar), versa sobre os orçamentos e os planos dos municípios. A palavra mais-que-chave das manchetes informativas é “milhões”. Que os titulares dos cargos políticos autárquicos queiram, quase todos, apresentar números-recordes é compreensível. Os ciclos eleitorais são curtos, a necessidade de alimentar as expectativas dos eleitores obriga a uma espécie de euforização do leitor/ouvinte/espetador.
O problema começa quando os órgãos de comunicação reproduzem acriticamente os anúncios, numa espécie de “redbull” noticioso, transcrevendo os parágrafos que os gabinetes de informação lhes enviam, enchendo páginas sobre páginas e sobrelotando a nossa paciência já de si fatigada.
Pergunto e desafio. Quem já se ocupou, por pouco tempo que seja, em analisar os relatórios de atividades que, em abril, são publicados? Onde será possível verificar quantos dos tais tantos milhões foram, efetivamente, aplicados? Minudências, dirão uns. Não há tempo, dirão outros. As redações dos jornais não têm tempo para analisar criticamente. E, em abril, já estarão a anunciar muitas outras coisas maravilhosas que os poderes lhes enviam. E assim vamos empobrecendo, desacreditando dos instrumentos democráticos que foram criados para melhorar a transparência, encolhendo os ombros…
Dou o exemplo do meu município. A Câmara Municipal de Coimbra inscreveu, no seu orçamento e nas grandes opções do plano, dezenas de milhões de euros que sabe, antecipadamente, que não vai transformar em obra feita. O caso mais gritante é o do capítulo da habitação, área que conheço bem: 14 milhões de construção de habitações na Quinta das Bicas, em Taveiro. Uma obra que ainda não foi sequer posta a concurso, é uma clara mistificação para empolar o orçamento e para alcançar as tais notícias sobre os “recordes”.
Abril de 2025 será o momento de avaliar. Será o momento em que jornais e as rádios poderão gastar algum tempo a analisar e, depois, a informar os cidadãos sobre o que foi ou não foi feito. Qualquer taxa de execução abaixo dos 75% é absolutamente inaceitável. A transparência dá mais trabalho do que a publicidade. Mas a informação é que garante o futuro. O anúncio não faz mais do que desacreditar a política. Sabemos a quem aproveita esta prática. Podemos alterá-la.
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Nota do Director:
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18/12/2023