As coisas da Internet

 As coisas da Internet

Já todos nós nos habituámos a estar rodeados de uma grande variedade de dispositivos que, normalmente, designamos ‘inteligentes’, isto é, dispositivos com capacidade para recolher dados sobre o nosso ambiente físico, pessoal ou social e, com base na informação recolhida, produzir recomendações ou orientações. Um desses dispositivos é o nosso inseparável telemóvel, que se encontra apetrechado com um elevado número de sensores, que podem recolher dados sobre a nossa posição, a nossa atividade física, a nossa situação clínica, os nossos períodos de trabalho, de descanso ou de sono, os ruídos a que estamos sujeitos ou que produzimos, e muito mais.

Cada vez mais, as cidades em que vivemos e/ou trabalhamos instalam e utilizam todo o tipo de sensores, que medem a poluição atmosférica, os níveis de ruído e a intensidade do tráfego em muitas das suas artérias. Como resultado, também as cidades se tornam mais ‘inteligentes’, com o objetivo de melhorar o tráfego, otimizar a qualidade do ar ou fornecer melhores serviços aos cidadãos. Dentro das cidades, muitos edifícios adotam tecnologias semelhantes para melhor gerir todo o tipo de recursos – como sejam a eletricidade ou a água –  e proporcionar melhores ambientes com menores custos.

Nada do que foi referido atrás seria possível sem a chamada “Internet das Coisas” (Internet of Things, IoT), ou seja, sem a combinação de dois elementos fundamentais: por um lado, a capacidade de recolher e medir grandezas físicas através de sensores e, complementarmente, controlar sistemas físicos através de atuadores; por outro lado, a capacidade de comunicar com sensores e atuadores através da Internet.

Como se passa com quase todo o tipo de desenvolvimentos tecnológicos, a intenção da Internet das Coisas é extremamente meritória: melhorar a nossa qualidade de vida. A recolha e o consequente processamento de todo o tipo de dados relativos a pessoas, edifícios e cidades, permite-nos conhecer melhor tudo o que nos rodeia e tomar decisões mais acertadas. Mas porque será, então, que a realidade mostra que os tão apregoados benefícios da IoT não se estão a concretizar como previsto? Porque será que, apesar da utilização intensa das tecnologias da informação e comunicação, as pessoas se sentem cada vez mais isoladas, cada vez mais tristes, e cada vez mais se fecham no seu ‘mundo virtual’? (E não, não é da pandemia, pois esta é uma tendência que já se faz sentir há bastante tempo).

Para mim, a resposta é simples. Caminhamos para uma sociedade que não queremos, demasiado artificial, na qual tudo é inteiramente previsível e controlado. No fundo, não queremos que as casas em que vivemos nos controlem ou digam o que fazer, não queremos estar constantemente localizados – na escola, no trabalho, ou em lazer – não queremos que nos digam qual o caminho a seguir para ir de A para B porque, às vezes, é quando nos perdemos que nos encontramos, não queremos que um qualquer sistema inteligente nos meça constantemente os sinais vitais porque não é isso que nos dá a alegria de viver. Talvez a Internet das Coisas potencie muitos benefícios, mas o que é certo é que nós, seres humanos, não queremos ser as coisas da Internet.

31/03/2021

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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