Asneirento

Créditos fotográficos: Expresso de Penafiel
O bispo do Porto é homem pouco dado a declarações públicas. Mas quando o faz tem tendência para asneirar. Foi o que aconteceu há dias quando afirmou: “O crime de abuso não é um crime público.” Logo, concluiu, “não há obrigatoriedade de denúncia”.
A “coisa” foi imediatamente criticada e sofreu reparos de reconhecidos penalistas. Tal apenas surpreende quem desconhece aquilo que tem dito sobre os abusos sexuais, no seio da sua Igreja. Basta relembrar o que disse ao jornal Público, em Dezembro de 2018: “Foram um fenómeno fundamentalmente anglo-saxónico, nos anos 60 e 70, por via de um determinado género de psicologia que falava de uma aproximação talvez demasiado íntima, afectiva, entre os mais velhos e os mais novos, até como forma de integração dos mais novos. É provável que alguns sacerdotes tenham sido vítimas dessa corrente de psicologia.”
Ou quando, em 2019, se pronunciou contra a criação de qualquer comissão para lidar com eventuais casos de abuso sexual de menores, em sentido oposto às orientações do Papa Francisco. Disse então: “Ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto da queda de um meteorito na cidade do Porto.” E acrescentou: “É possível que caia aqui um meteorito? É. Justifica-se uma comissão dessas? Porventura não.”
Como atesta a realidade, a narrativa do bispo do Porto estava completamente errada. O fenónemo não era apenas anglo-saxónico. Nem um meteorito. Os crimes foram cometidos em casas paroquiais, nas sacristias e nos seminários das mais diversas geografias. Também em Portugal. Por muito que lhe custe a admitir. E à Igreja, da qual é um dos mais importantes dignitários. Recorde-se que, até Maio, tinham sido reportados 326 casos junto da Comissão Independente, mas a investigadora Ana Nunes de Almeida admitiu que o número de potenciais vítimas pode ainda atingir “muitas centenas”.

Acresce que alguns dos casos reportados à Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal já eram do conhecimento de alguns dos membros da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). E isso é grave. Tanto como os abusos cometidos. Tal encobrimento é um crime, mesmo que o bispo do Porto venha agora dizer que “não podiam actuar porque não havia fundamento real”. E que, hoje, “algumas coisas já sabemos que foram verdade”.
Agora, com a verdade a vir ao de cima, quando há fundamento real e se sabe que o crime de abuso é um crime público, espera-se que o bispo do Porto e todos aqueles que integram a CEP se sintam obrigados a denunciar os casos que conhecem. Só assim cumprirão as recomendações do Papa Francisco. E garantirão, porventura, o perdão do seu Deus…
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Nota do Director:
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10/10/2022