Astroblemas

 Astroblemas

A Cratera Barringer, também conhecida como Cratera do Meteoro, é uma conhecida cratera de impacto localizada no norte do Arizona, nos EUA. É um dos locais de impacto mais bem preservados da Terra e recebeu o nome de Daniel Barringer, um engenheiro de minas que foi o primeiro a sugerir que foi criado pelo impacto de um meteorito. (pt.geologyscience.com)

Comecemos por dizer que o vocábulo “astroblema” foi criado e proposto, em 1961, pelo geofísico e geólogo marinho norte-americano, pioneiro da Teoria da Tectónica de Placas, Robert Sinclair Dietz (1914-1995), com base nos termos gregos astron, que significa astro, e blema, que quer dizer cicatriz.

Robert Sinclair Dietz (1914-1995). (emaze.com)

Definidos como grandes crateras existentes à superfície dos planetas rochosos (de Mercúrio, de Vénus, da Terra e de Marte, bem como da Lua, de Ganimedes e de outros), geradas por impactos meteóricos de elevada magnitude, os astroblemas têm dimensões quilométricas, na ordem das dezenas, das centenas e, até, de milhares de quilómetros (km), como, por exemplo, na Lua. Na Terra, são geologicamente antigos, muito ou pouco apagados pela erosão ou ocultos e, em termos de dimensões, variam entre 1,2 km, na cratera de Barringer ou do Meteoro, no Arizona (nos Estados Unidos da América – EUA), e cerca de 180 km, na cratera de Chicxulub, no México.

A cratera de Vredefort, na África do Sul, foi causada por um
gigantesco impacto meteorítico e é considerada a maior e mais
antiga da Terra. (mpsnet.net)

Estas são, apenas, duas das 188 crateras de impacto meteorítico catalogadas pela base de dados internacional, Earth Impact Database, assegurada pelo Planetary and Space Science Centre (PASSC), da Universidade de Nova Brunswick, no Canadá.

Na Terra, a erosão própria do geodinamismo externo, que sempre se fez sentir, levou ao desaparecimento da maior parte dos astroblemas que aqui existiram no passado geológico mais antigo, sendo muito poucos os vestígios ainda reconhecíveis. No Arcaico, há mais de 3800 milhões de anos (Ma), os planetas interiores do Sistema Solar sofreram um violento e prolongado bombardeamento por parte dos mais variados corpos, por vezes, de dimensões quase planetárias e a velocidades, volta-se a dizer, de dezenas de quilómetros por segundo.

Esta é a vista do topo de Assvoelkop, no coração da Cratera Vredefort, com o rio Vaal à distância. (pt.wikipedia.org)

Os efeitos deste impactismo na Terra foram, como já se disse, completamente apagados. Mas ficaram conservados, por exemplo, em Mercúrio e na Lua, que pode ser vista como um “museu dos primórdios do Sistema Solar”. Olhando para o nosso satélite, onde praticamente não há erosão, apercebemo-nos do que seria a imagem fisiográfica do nosso planeta, se não fosse a erosão. De facto, vemos aí uma superfície pejada de crateras de impacto, algumas com milhares de quilómetros de diâmetro, a grande maioria abertas nesses recuados tempos, num processo inerente à evolução do Sistema Solar, a que o meu professor Charles-Henri Pomerol (1920-2008) chamou “nettoyage du ciel” (limpeza do céu).

Langrenus é uma proeminente cratera de impacto relativamente jovem, com a típica morfologia complexa, localizada na margem leste do Mare Fecunditatis, próxima do limbo leste lunar. (vaztolentino.com)

Na colisão do corpo meteórico (um asteróide, o núcleo de um cometa ou um meteoróide) com a superfície do planeta, a imensa quantidade da sua energia vai fundir e/ou vaporizar total ou parcialmente o corpo impactor, fundir e/ou vaporizar parte das rochas do local atingido, brechificando (transformando em brecha) e pulverizando outras partes, num conjunto de transformações a que foi dado o nome de “metamorfismo de impacto” ou de choque.

Mineralogista e geólogo alemão, Adolf Sauer (1852-1932).
(mineralienatlas.de)

Entre os produtos descritos neste tipo de eventos, destaca-se o “suevito”, nome dado à brecha de impacto, geralmente constituída por fragmentos da rocha do substrato local, englobados numa matriz mais fina e parcialmente fundida. Diga-se que o termo “suevito, proposto em 1901, pelo mineralogista e geólogo alemão, Adolf Sauer (1852-1932), radica em Suevia, nome latino da Suábia, região alemã da Baviera. Descrito inicialmente na cratera de Ries, em Nördlingen, na Alemanha, verificou-se, mais tarde, que este tipo de impactito ocorre em várias outros astroblemas.

Além destas brechas há, ainda, os vidros de impacto, cuja composição é, maioritariamente, sílica amorfa, que se podem encontrar in situ, no interior da cratera, ou fora dela, dado terem sido ejectados à distância, constituindo os “tectitos”(do grego têktós, fundível ou fusível).

Com efeito, pequenas porções de rocha fundida são ejectadas, sob a forma de “gotas”, quais “salpicos”, a distâncias por vezes quilométricas, num trajecto no ar, durante o qual arrefecem e solidificam. Os tectitos têm formas arredondadas, fusiformes, discoidais ou, na maioria, irregulares; e são, geralmente, translúcidos ou mesmo transparentes. Uns são negros e opacos. Outros entre os verdes e os amarelados.

Vidro da Líbia. (terrabrasilisdidaticos.com.br)

Um parêntese para dizer que as quedas de meteoritos também produzem vidros ditos de impacto, como é o caso do “vidro da Líbia” produzido pela colisão de um meteorito com areias siliciosas (quartzo) do deserto do mesmo nome. Ao contrário dos tectitos, estes vidros não são projetados para longe da cratera, permanecendo no local do impacto.

Pesando entre alguns gramas e poucos quilogramas, os tectitos são vidros ricos em sílica (SiO2), dispersos à superfície da Terra, com destaque para três campos de dispersão.

No campo de dispersão europeu, na Chéquia (ex-República Checa), os tectitos associados à cratera alemã de Ries, do Miocénico, com 15 Ma, têm o nome “moldavitos”. São geralmente verdes, de composição sílico-aluminosa e têm, no seu interior, inclusões de lechatelierite, uma variedade de sílica amorfa.

Moldavite (vidro meteórico). (litosphera.com)

No campo de dispersão norte-americano, os tectitos associados à cratera de impacto da Baía de Chesapeake, nos EUA, do final do Eocénico, com 34 Ma, destacam-se osbeediasitos” (de Bedias, no Texas), pretos; e os “georgiaítos” (da Geórgia), de cor verde.

No campo de dispersão da Costa do Marfim, dos tectitos associados à cratera do Lago Bosumtwi, no Gana, do Pleistocénico, com um milhão de anos, destacam-se os “ivoritos” (de Ivoire, associado ao nome, em Francês, do país: Côte d ‘Ivoire ou Costa do Marfim), de cor preta.

Lago Bosumtwi, no Gana, vista do sudoeste. Bosumtwi é uma cratera de impacto cheia de água, com cerca de 10,5 km de diâmetro e 1,3 milhão de anos de idade. (pt.wikipedia.org)

Sem cratera ou sem crateras associadas identificadas, merecem destaque os “australitos”, recolhidos na Austrália; os “indochinitos”, dispersos no Sudeste Asiático; os “chineitos”, recolhidos na China; e os “filipitos”, caídos nas Filipinas, todos eles de cor preta.

Tal como a obsidiana, também os tectitos têm sido utilizados, desde há milhares de anos, no fabrico de utensílios e de objectos decorativos e de rituais.

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27/05/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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