Atmosfera
As, hoje, divulgadíssimas imagens da Terra enviadas pelas naves espaciais permitem uma visão global do nosso frágil invólucro gasoso, de um belo azul, parcialmente oculto pelos “farrapos brancos das nuvens”. Tal invólucro, o ar que respiramos, de composição única em todo o Sistema Solar, é a nossa atmosfera. Parte ínfima da massa do planeta, tem, ao nível dos processos geodinâmicos externos, um papel de relevo pela sua grande reactividade e imensa mobilidade, induzida pela energia contida na radiação solar, interagindo constante e intensamente com os oceanos, com as terras emersas e com a vida, de que é um dos suportes.
Esta delgada cobertura gasosa é tão importante no clima, na configuração do relevo, na paisagem viva que nos rodeia e na origem das rochas sedimentares (sedimentogénese) quanto o são a litosfera, a hidrosfera e a biosfera.
Tendo como condicionantes a posição da Terra no Sistema Solar e a sua história geológica, deve sublinhar-se que é da interacção da atmosfera com a hidrosfera que resulta a manutenção, à superfície do planeta, de um intervalo de temperaturas cujos valores permitem a existência de água nos seus três estados físicos (gelo, água e vapor de água) e que foram favoráveis ao aparecimento e à sustentação da vida.
Relativamente ao clima, importa dizer que é na baixa atmosfera, ou seja, na troposfera (a que se eleva até cerca de 12 quilómetros de altitude e a utilizada no voo das aeronaves), que têm lugar as perturbações atmosféricas que mais directamente o condicionam e definem. A temperatura média desta camada decresce, mais ou menos regularmente, com a altitude, até atingir, no topo, um valor mínimo na ordem dos -60 Cº (60 graus negativos na escala centígrada ou escala Celsius), sendo de 6,5 Cº/km o gradiente térmico vertical. Segue-se-lhe, em altitude, a estratosfera, praticamente destituída de poeiras e de vapor de água, muito seca e fria. Predomina aqui o ozono, que tem importante acção como “filtro” da radiação ultravioleta, assumindo, assim, uma acção protectora essencial aos seres vivos.
A atmosfera terrestre, na sua camada mais baixa, é composta por 78% de azoto (N2), 21% de oxigénio (O2) e 1% de outros gases, entre os quais figuram o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o hidrogénio (H2), o dióxido de azoto (NO2) e os gases raros hélio (He), árgon (Ar), crípton (Kr), xénon (Xe) e néon (Ne), como componentes estáveis; e, ainda, vapor de água (o teor de água na atmosfera varia em função de múltiplos factores ligados à posição geográfica, à temperatura e à altitude), ozono (O3), monóxido de carbono (CO) e dióxido de enxofre (SO2), como componentes instáveis, além de poeiras várias.
Nos últimos cento e cinquenta anos, a concentração de CO2 atmosférico aumentou cerca de 30%. Actualmente, este aumento é da ordem de 1,2 partes por milhão e por ano (ppm/ano)1, o que equivale a cerca de 2,1 milhões de toneladas por ano (Mt/ano), consequência preocupante de políticas desenvolvimentistas alheias às recomendações da Ciência.
O relativamente elevado teor de oxigénio da nossa atmosfera, caso singular entre os planetas do Sistema Solar, e a sua relação com a biosfera têm a aparência de um paradoxo, mas, na realidade, não o é. A vida primitiva não poderia ter tido condições de génese, nem de manutenção nos primeiros tempos, sob uma atmosfera com oxigénio e, por isso, oxidante. Numa tal atmosfera, os açúcares, os aminoácidos e outras substâncias essenciais à vida teriam sido destruídos (oxidados) à medida que, eventualmente, se fossem formando. Pelo contrário, nós e todos os animais, dependentes que estamos da função metabólica da respiração, não sobreviveríamos se o teor de oxigénio descesse aquém do valor que caracteriza a atmosfera actual.
Não está ainda perfeitamente esclarecido o problema da composição da atmosfera primitiva e qual a sua evolução até os nossos dias. Admite-se, no entanto, que começou por ser uma atmosfera redutora e que o oxigénio, hoje um seu componente essencial, só tardiamente entrou na sua composição. Alguns autores admitem a existência de um invólucro gasoso primordial, talvez com hidrogénio (H2), metano e amónia (NH3), instável e efémero, resultante da acreção. Um pouco mais tarde, no final da fase protoplanetária2, a seguir à formação da Lua e na sequência da desgaseificação dessa atmosfera primordial, ter-se-ia formado uma outra, igualmente redutora, muito provavelmente constituída maioritariamente por vapor de água, dióxido de carbono, azoto e, em menores proporções, por néon, árgon, monóxido de carbono, gás sulfídrico (H2S) e ainda traços de hidrogénio, ácido clorídrico (HCl) e amónia, entre os principais.
A concepção, de certo modo clássica, segundo a qual os gases desta atmosfera estavam contidos no material sólido (os primeiros corpos condensados do Sistema Solar) envolvido na acreção, tendo sido libertados na fase de diferenciação do planeta, assenta na comparação que se tem feito com o vulcanismo que, como é sabido, liberta esses gases.
Estudos recentes vão no sentido de interpretar esse invólucro gasoso (precursor da atmosfera e da hidrosfera que actualmente caracterizam o nosso planeta) como tendo sido, em parte, transportado para a Terra, nos seus primórdios, por uma imensa e prolongada chuva de cometas (ricos em substâncias voláteis), que, nesses tempos, aqui chegavam em número de milhões e milhões de vezes superior ao que se verifica no presente. Esta moderníssima explicação, se bem que plausível, não é incompatível com a inegável participação do vulcanismo na génese da atmosfera terrestre, admitida pelos autores mais antigos.
A existência de grãos detríticos de dois minerais altamente reactivos e que se oxidam facilmente na presença de oxigénio – a pirite (sulfureto de ferro) e a pecheblenda (minério de urânio) – em antigas areias e cascalheiras fluviais (com o tempo, transformadas em quartzitos e em conglomerados) de idade pré-câmbrica, com cerca de 2300 milhões de anos, indica que, na altura, a atmosfera terrestre era ainda, de facto, essencialmente redutora. O carácter redutor ou, pelo menos, não oxidante da atmosfera primitiva (praticamente sem oxigénio) manteve-se durante os primeiros 2000 a 2500 milhões de anos da história da Terra. Foi sob este tipo de atmosfera, e sem a protecção da actualmente existente camada de ozono, que surgiram e se desenvolveram os primeiros organismos heterotróficos que, para a sua nutrição, necessitam de substâncias orgânicas já elaboradas, utilizando processos de fermentação para proverem as suas necessidades em termos de energia.
Diminuída de grande parte do vapor de água, entretanto passado à hidrosfera, a atmosfera residual de então terá evoluído, primeiro, por fotodecomposição ou fotólise (do grego “fos, fotós”, luz, e “lysis”, libertação), ou seja, dissociação do vapor de água e do dióxido de carbono por acção da radiação ultravioleta solar, com libertação de oxigénio. Admite-se que a produção fotolítica de oxigénio teria cessado ou diminuído, drasticamente, logo que foi atingido um certo nível de concentração deste gás. Como resultado da fotólise, o hidrogénio ter-se-á escapado para níveis muito altos da atmosfera e para o espaço, o que impossibilitou a sua recombinação com o oxigénio, que permaneceu a níveis muito mais baixos.
A partir deste patamar, o próprio oxigénio produzido tenderia a absorver a dita radiação, impedindo, assim, o prosseguimento da fotólise. Como admitem alguns autores, esta autorregulação ocorreu quando se atingiu uma pressão de oxigénio de cerca de 0,1% da actual. Posteriormente, mais de mil milhões de anos depois, a evolução da atmosfera terrestre teve por base a fotossíntese. Assim, a uma fase abiótica (na ausência de vida) de produção deste gás, sucedeu-se outra, essencialmente condicionada pela biosfera. Em quaisquer das fases, o Sol foi sempre a fonte energética. Entretanto o azoto, constantemente saído da diferenciação magmática da crosta através do vulcanismo, muito inerte e demasiado denso para que se escapasse, foi-se acumulando ao longo do tempo, sendo hoje o gás maioritário (78%) na composição da atmosfera.
Para o leitor que eventualmente desconhece o significado da fotossíntese, pode dizer-se, em termos muito genéricos, que se trata de um conjunto de reacções bioquímicas promovidas pelos vegetais terrestres e aquáticos (algas) com clorofila (o pigmento que lhes dá a cor verde) através da qual elaboram, isto é, fazem a síntese da matéria orgânica a partir da água e do dióxido de carbono da atmosfera, com libertação de oxigénio. Cerca de 99% do CO2 atmosférico, praticamente todo ele de origem vulcânica, é consumido na fotossíntese e na produção de exosqueletos carbonatados (conchas de moluscos, recifes de coral e outros).
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Notas da Redacção:
1 – Estes valores, segundo António Galopim de Carvalho, necessitam de ser actualizados. De facto, como regista a plataforma de informação EcoDebate, o gráfico abaixo, da responsabilidade da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), mostra a taxa anual de crescimento de CO2 na atmosfera e a média decenal. Nota-se que nos anos 60 (1960-69) a média anual estava em 0,86 ppm, subiu para 1,29 ppm nos anos 70, subiu novamente para 1,61 ppm nos anos 80, caiu para 1,51 ppm nos anos 90, voltou a subir para 1,97 ppm na primeira década do século XXI e atingiu o nível mais alto entre 2010-19, com aumento anual médio de 2,43 ppm. O ano de 2016 bateu o recorde de aumento com 3,03 ppm. A média do triénio 2020-22 (2,15 ppm) teve um valor mais baixo do que na década anterior devido à redução do crescimento económico decorrente da pandemia da covid-19 e também pelo efeito do fenómeno La Niña.
2 – Como sublinha A. M. Galopim Carvalho, é “hipótese muito verosímil” e “admite-se, hoje, que o nosso satélite se formou a partir de uma porção da Terra arrancada na sequência de uma megacolisão com outro planetóide”.
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20/11/2023