Barro vermelho

 Barro vermelho

(caminhosdeportugal.com)

Barro vermelho é, entre nós, o nome de uma cerâmica cozida em forno oxigenado, a temperaturas na ordem de 900 ºC, de cor avermelhada, variando entre tons mais acastanhados e mais alaranjados. Por efeito do aquecimento, a que a pasta cerâmica é submetida, tem lugar a oxidação do ferro existente em determinadas “impurezas” (impregnações de minerais contendo ferro), dando ao produto final os referidos tons. Vidrado (superficialmente) ou não, consoante os usos pretendidos, tem baixa resistência mecânica ou, como se costuma dizer, é quebradiço.

Via de regra, tem por pasta uma mistura de argilas (magra e gorda) e areia de quartzo. Tem por principal destino a cerâmica de construção civil (em especial, telhas, tijolos e ladrilhos), sendo igualmente importante como loiça e outros produtos ditos de barro vermelho ou, simplesmente, de barro. Alguns autores preferem o termo “terracota”, retirado do italiano terra cotta que, literalmente, quer dizer argila cozida.

Olaria de Viana do Alentejo. (cm-vianadoalentejo.pt)

O barro vermelho caracteriza-se por ter grande porosidade, o que representa uma qualidade tida por interessante em cântaros, bilhas, jarros, barris, cantis e outros recipientes destinados a manter a água fresca. Isto porque, sendo porosas, as paredes do recipiente permitem que a água esteja sempre a aflorar à superfície e, portanto, sempre a evaporar-se. Sabido que a evaporação é um fenómeno endotérmico, isto é, que absorve calor, percebe-se que esse calor é retirado da água a daí a sua frescura sempre que mantida nestes recipientes. Porém, para alguidares, potes, panelas, cafeteiras, sertãs, pratos e outras baixelas de cozinha ou de mesa, onde o carácter poroso desta cerâmica representa um factor negativo, recorre-se a um acabamento superficial, o atrás referido por vidrado. Entende-se por vidrado o revestimento de uma peça cerâmica (como as atrás citadas), por um produto vitrificável (sílica e um fundente, pulverizados) que, espalhado à sua superfície (a seco ou numa suspensão aquosa) e aquecido com ela, a torna impermeável, lhe dá brilho e salienta os eventuais desenhos, pinturas ou texturas.

Museu do Bordado e do Barro, em Nisa. (© VJS – sinalAberto)

Remonta a milhares de anos o uso do barro, tal como a Natureza o criou, para o fabrico de artefactos rudimentares e frustes, conforme o demonstram as mais diversas descobertas arqueológicas pelos quatro cantos da Terra. Os primeiros objectos neste tipo de cerâmica datam, como se disse atrás, do Paleolítico superior, mas foi só a partir do Neolítico que, tanto quanto se sabe, surgiu a manufactura de vasos e de outros utensílios.

O uso da loiça de barro vermelho ou, simplesmente, loiça de barro, vidrada (total ou parcialmente) e não vidrada, ainda persiste, entre nós, por terras esquecidas do interior e em muitas tabernas, casas de pasto e restaurantes urbanos, com propósitos tradicionais de chamamento ao turismo.

Em contraste com o carácter essencialmente artesanal desta loiça, a indústria dita de barro vermelho, mais precisamente, a das telhas e dos tijolos está espalhada por todo o país, de norte a sul, onde quer que abunde a respectiva matéria-prima, produzindo a quantidade e variedade de tipos, em resposta às necessidades da construção civil.

(pixabay.com)

Na indústria deste tipo de barro, há maquinaria própria para preparar a pasta cerâmica, mas, na laboração tradicional, o oleiro começa por expor, ao sol, a matéria-prima que traz ou que recebe, vinda do barreiro, a fim de, bem seco, o poder triturar em pequenos fragmentos, ou “esmigalhar”, como se diz ainda. A seguir “derrega-o”, de preferência com um regador, para que a água seja uniformemente espalhada e totalmente absorvida, amolecendo-o, a fim de o “amassar”. Depois de amassado, segundo técnicas que variam de região para região, e removidos eventuais fragmentos de pedra (cascalho), obtém a “pasta trabalhável” na “roda”. Herança da presença muçulmana no Sul da Península Ibérica, a “roda” continua a ser o principal utensílio do oleiro nesta arte.

(Créditos fotográficas: Taya Kucherova – Unsplash)

Montada na “arquina”, ou seja, a mesa de trabalho, sobre a qual é colocado um recipiente com água (onde o oleiro vai molhando as mãos), é nesta “roda” (accionada com os pés sobre uma outra, maior e coaxial, existente por baixo da “arquina”) que o oleiro coloca uma porção de barro, em forma de bola que, na gíria, tem o nome de “péla”(do latim vulgar, pilla, que significa “bola”).

As mãos experientes do oleiro, sobre esta porção de pasta, bem colada à “roda” e a rolar à velocidade pretendida, fazem nascer as mais variadas peças que, por fim, corta pela base com um arame ou um fio, e põe a secar.

As asas das bilhas, cântaros e de outras peças, que delas necessitem, são as únicas partes feitas fora da roda. O oleiro molda-as à mão e cola-as às respectivas peças com um pouco de “lamugem” alisando os remates com a “cana”. Diga-se que a “lamugem” é a junção da palavra “lama” com o sufixo “-ugem”, que exprime a ideia de semelhante, sendo uma pasta de barro mais fina e fluida, semelhante a uma lama que, durante o trabalho, o oleiro vai retirando das mãos e dos instrumentos e que vai colocando de parte.

Museu do Bordado e do Barro, em Nisa. (© VJS – sinalAberto)

Desejando que uma ou outra peça apresente a superfície lisa, algo brilhante, há que “bruni-la”, operação de alisamento tradicionalmente feita com um seixo rolado. Depois de quase secas (com cerca de 7% a 10% de humidade), as peças são sabiamente empilhadas no forno (“enfornadas”) onde “cozem”, seguindo procedimentos que a tradição e a experiência ditaram.

Poderia encher-se um ou mais livros sobre o artesanato nacional, tal a quantidade e a variedade de artesãos que têm no barro a matéria-prima por excelência. Proximamente, considerarei, apenas, os que julgo terem maior expressão em termos de arte popular.

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Nota da Redacção:

Este artigo dá continuidade ao texto “Moldar o barro: da Pré-História aos dias de hoje”, também da autoria de António Galopim de Carvalho, publicado na edição de 20/06/2024.

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24/06/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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