Bem prega frei Tomás

 Bem prega frei Tomás

(Créditos fotográficos: Avel Chuklanov – Unsplash)

Quadro “Un moine en prière”, da autoria de
Édouard Manet (1832-1883).(Artbook – Manet,
Ordrupgaard Museum Exhibition Catalogue)

Diz a história que frei Thomaz de Souza nasceu em Ponte da Barca, actual vila portuguesa localizada na sub-região do Alto Minho, no ano de 1530, sendo filho bastardo do morgado de Fonte Arcada. Cedo, a sua inteligência se evidenciou e, aos dezoito anos, professou como frade dominicano, no convento de São Domingos, em Lisboa, tendo vindo a tornar-se um pregador famoso.

Do púlpito, lançava os seus sermões visando, asperamente, os degradados costumes sociais e a enorme corrupção que existia na corte.

A rainha de Portugal, Dona Catarina de Áustria, esposa de D. João III, ao ter tido conhecimento dos seus sermões, nomeou-o seu confessor.

Catarina da Áustria, rainha de Portugal.
(pt.wikipedia.org)

Com livre acesso à corte, devido ao seu cargo, chegava-lhe aos ouvidos toda uma série de imoralidades praticadas pelos ilustres fidalgos. Frei Tomás não se coibia de, nos seus sermões, as denunciar, o que lhe acarretava grandes inimizades, dado que os visados não apreciavam o facto de serem chamados à razão.

Um deles, certamente um fidalgo que tinha sido visado, colocou na porta dos seus aposentos, no paço, um cartaz com os seguintes dizeres: “Aqui mora Frei Tomás, que bem diz e mal faz.” 

Frei Tomás leu o cartaz e escreveu por baixo: “Fazei o que diz e não façais o que faz.” O cartaz fez furor no paço e consta que a própria família real se deslocou à porta dos aposentos do clérigo para observar o cartaz.

Mário de Sá-Carneiro (Direitos reservados)

Eis, pois, a razão da expressão ou ditado popular “Bem prega Frei Tomás: faz o que ele diz, não faças o que ele faz”, para dar conta da incapacidade de praticar os princípios que se defende, aplicando-se a múltiplas situações da nossa vida diária. A propósito, recorde-se que já Mário de Sá-Carneiro dizia: “Eu não sou eu nem sou o outro, / Sou qualquer coisa de intermédio: / Pilar da ponte de tédio / Que vai de mim para o Outro.”

A académica Ana Cristina Macário Lopes – retomando, com algumas modificações e supressões, um fragmento da sua tese de doutoramento, intitulada “Texto proverbial português. Elementos para uma análise semântica, apresentada à Universidade de Coimbra, em 1992 –, ao aludir a uma pequena notícia, publicada no Expresso de 14 de Outubro de 1989, sobre o julgamento do tele-evangelista norte-americano Jim Bakker, acusado de burla e desvio de fundos, cita o provérbio no seguinte contexto: “Sobre o que há de vão e efémero nos bens terrenos terá muitas vezes falado ao seu público este ‘frei Tomás’ (como o do provérbio que diz ‘Bem prega…’)”. Como escreve Ana Lopes, “explicitamente citado como provérbio”, o texto aparece truncado, cabendo uma vez mais ao leitor a tarefa de reconstituir o que ficou implícito: “fazei o que ele diz, não o que ele faz”. Por isso, como também observa a mesma autora, “o jornalista compara o comportamento do evangelista ao de frei Tomás, figura emblemática que no imaginário colectivo da nossa comunidade representa a incoerência absoluta entre discurso e actos”.

“Cartoon” de Luís Afonso (jornaldenegocios.pt)

01/06/2023

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Vítor Duque Cunha

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