Bento Gonçalves morreu há 80 anos

 Bento Gonçalves morreu há 80 anos

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Bento Gonçalves morreu há 80 anos. Quando faleceu, a 11 de Setembro de 1942, já tinha cumprido a pena a que fora condenado. O segundo secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) foi um dos 340 antifascistas que Salazar desterrou para o Campo da Morte Lenta, em Cabo Verde.

Símbolo maior da infâmia salazarista, o Campo de Concentração do Tarrafal (1) recebeu os primeiros prisioneiros a 29 de Outubro de 1936. Ali morreram 37 combatentes pela liberdade – encerrado em 1954, o “Tarrafal” foi reaberto em 1961 por ordem de Adriano Moreira (2), então ministro do Ultramar, que alguns consideram agora “Um Grande Português”.

Antigo Campo de Concentração do Tarrafal, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde. (© RTP)

Bento António Gonçalves nasceu em 1902, em Fiães do Rio, no concelho de Montalegre. Aos 13 anos, já se encontrava a trabalhar em Lisboa, no Bairro da Sé, como torneiro de madeira. Com pouco mais de 17 anos, foi admitido no Arsenal da Marinha, onde aprendeu a arte de torneiro mecânico.

Na capital, frequentou a Escola Industrial Afonso Domingues e tirou o 2.º ano do Curso Elementar de Pilotagem na Escola Auxiliar da Marinha. Pouco depois, seguiu para Angola, onde trabalhou como “torneiro mecânico de primeira classe”, nas Oficinas Gerais do Caminho de Ferro de Luanda.

O seu regresso a Portugal, em 1926, fica marcado pelo início da sua intensa actividade sindical. Intervém na reorganização do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha e é eleito seu secretário-geral. Em Outubro de 1927, participa no décimo aniversário da Revolução de Outubro. Aproxima-se do Partido Comunista por entender que “só o bolchevismo poderá conduzir a nossa classe à emancipação integral“.

Com apenas 26 anos, Bento Gonçalves, que se destacara como secretário da Célula do Arsenal da Marinha, foi eleito secretário-geral do PCP. Participou na sua reorganização, tendo em conta as condições resultantes do golpe de 28 de Maio de 1926. Escreveu a esse propósito: “Não se pode aceitar a inactividade de trabalho comunista, tanto legal como ilegal, neste momento que […] toda a nossa organização operária se afunda em pleno marasmo, tanto do ponto de vista de ideologia, como de acção sindical.”

A vida breve de Bento Gonçalves foi marcada pelas privações, detenções e torturas a que foi sujeito. Manuel Reis, o canalha que dirigia o presídio, cumpriu com rigor a função que lhe fora atribuída por Salazar, e que ele anunciava assim: “Quem vem para o Tarrafal vem para morrer!”

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NOTAS:

(1) O Campo de Concentração do Tarrafal também foi designado Campo do Tarrafal ou, oficialmente, Colónia Penal de Cabo Verde, na primeira fase; e Campo de Trabalho de Chão Bom, na segunda fase, quando passou a receber apenas os militantes africanos anticolonialistas. “Aldeia da Morte”, “Pântano da Morte” e “Inferno Amarelo” foram alguns dos nomes que lhe foram atribuídos pelos prisioneiros.

Aspecto geral da instalação provisória do campo de concentração. Autor desconhecido, 1937/38. (museudoaljube.pt)

(2) Enquanto ministro do Ultramar, Adriano Moreira foi acusado de ter participado activamente na perseguição política ao docente universitário Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011), que se solidarizou com os estudantes aquando da crise académica de 1962. Magalhães Godinho foi alvo de um processo disciplinar e demitido compulsivamente do ISCSPU. Recorreu aos tribunais, ganhou o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, foi-lhe dada razão, e foi reintegrado. Contudo foi-lhe movido um novo processo e foi novamente expulso – as duas decisões foram publicadas no mesmo Diário do Governo.  Magalhães Godinho ficou desempregado e conheceu sérias dificuldades financeiras durante grande parte da década de 1960. Só na década de 1970, foi convidado a ocupar um lugar na Universidade de Clermont-Ferrand. Mais tarde dirá: – Tive a honra de ser o único professor catedrático demitido.

Vitorino Magalhães Godinho (toponimialisboa.wordpress.com)

Doutor honoris causa e professor associado da Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Clermont-Ferrand (na França), na sua formação exerceram notável influência os portugueses António Sérgio, Jaime Cortesão, Newton de Macedo, Duarte Leite e a obra de Veiga Simões; entre os estrangeiros, destacam-se Lucien Febvre, Fernand Braudel, Marcel Bataillon, C. E. Labrousse, G. Gurvitch.

Vitorino Magalhães Godinho recebeu o Prix d’Histoire Maritime da Académie de Marine (em 1970) e o Prémio Balzan (em 1991). Dirigiu várias colecções, nomeadamente nas Edições Cosmos, e fundou a Revista de História Económica e Social (em 1979). Após o 25 de Abril de 1974, tendo tomado posse a 18 de Julho, foi ministro da Educação e Cultura do II Governo Provisório, sendo primeiro-ministro o general Vasco Gonçalves; e também do III Governo Provisório, tendo apresentado a sua demissão a 30 de Novembro de 1974. Foi também director da Biblioteca Nacional.

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Fontes consultadas:

Palavras Necessárias – A vida do proletário em Portugal de 1872 a 1927, com introdução de Virgínia Moura e António Lobão Vital; Wikipédia; e os blogues Antifascistas da Resistência e Silêncios e Memórias.

19/09/2022

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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