Brasileiros e o sonho de fazer a América na cidade de Nova York
Roberta Avillez
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Brooklyn Bridge (Foto de Roberta de Avillez)
Estimulados pelo desejo de aventurar-se no exterior e desencorajados com os rumos da economia no país, muitos brasileiros embarcam em busca de fazer a América na Big Apple. Gradativamente, o imaginário do brasileiro sobre a cidade global foi se construindo por meio de fotos, relatos e filmes. Em Nova York percebiam um sonho romantizado de fazer a América, de juntar dinheiro de maneira fácil e rápida; e retornar ao Brasil com o sentimento de ter conquistado e vencido.
Foi durante os anos de ditadura militar e nos anos consecutivos que o Brasil se percebeu, pela primeira vez, com um fluxo de emigração. Inicialmente motivados por questões económicas, apresentavam o desejo por um aumento do poder aquisitivo, para que pudessem sustentar uma vida digna. Maxine L. Margolis, emérita da Universidade da Florida e pesquisadora adjunta do Instituto de Estudos Latino-Americanos em Columbia University, explica que, apesar de ter um movimento de emigração brasileira desde a década de 1960, foi verdadeiramente no final dos anos de 1980 que esse fluxo tomou relevância.

“Em termos de imigração, realmente começou no final de 1980, quando a economia brasileira estava passando por um momento complicado de hiper-inflação e alto índice de desemprego, baixos salários, etc. Incluindo para aqueles que possuíam instrução. Algumas pessoas tinham diplomas universitários, eles conseguiam trabalhos, mas os trabalhos não pagavam nada próximo do que eles esperavam, pelo nível de educação que possuíam. Então, as pessoas começaram a vir”, observa Maxine L. Margolis.
De acordo com Maxine Margolis, os brasileiros vindos de Governador Valadares, em Minas Gerais, foram os pioneiros na emigração. Abrindo espaço para um perfil específico de brasileiro que buscava fazer a vida nas Américas.
“Os famosos valadarences, de Governador Valadares, chegaram até mesmo antes. Eu descobri alguns que chegaram na década de 1960, mas eram poucos. Eles foram realmente os pioneiros da imigração. Alguns vieram para Nova York, mas depois mudaram para Boston, Massachusetts, Connecticut, Florida, sul da Florida… Começou no final de 1980, acredito que mais ou menos em 1986 e depois retornou na década de 1990. As primeiras ondas de imigrantes foram da classe média e média baixa. Poucos eram realmente pobres, eles não tinham como sustentar vir para os EUA e nem conseguiam informação”, esclarece a académica Maxine L. Margolis.
Em 2021, o Ministério das Relações Exteriores liberou um relatório com estimativas da comunidade brasileira no exterior baseadas nos postos consulares. Com isso, estima-se em 4.215.800 brasileiros a viver fora do país. Uma estimativa que não incorpora aqueles que vivem como não documentados.
O eixo de migração sul-norte permanece como um dos principais destinos dos brasileiros com 46,06% direcionados à América do Norte e 30,85% aos países da Europa. Em seguida, encontra-se o eixo sul-sul de migração com 13,99% direcionados à America do Sul, 1,50% com destino à Oceania e 0,63% à África.

Apesar de o Brasil não possuir uma proporção de emigração alta e contínua em comparação com os países que têm um fluxo de emigrantes alto, os movimentos de saída desde 2016 foram significativos para considerar uma nova cena da emigração brasileira. Sabe-se que as maiores comunidades de brasileiros no exterior encontram-se nos Estados Unidos e em Portugal. A ser o Consulado Geral do Brasil em Nova York a maior comunidade por jurisdição, ao atender os estados de Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e as Ilhas Bermudas. Estima-se o atendimento de aproximadamente 500 mil brasileiros documentados e não-documentados, na jurisdição do Consulado Geral de Nova York. De acordo com o serviço consular, aproximadamente um milhão de brasileiros visitam diversas cidades dentro da jurisdição, com o propósito de turismo e de trabalho.

Entretanto, a cidade de Nova York permanece como o principal destino. Desde o início da pandemia, o número de visitas caiu para 200 mil, em 2020. Porém, em 2021, houve um aumento em visitas à cidade estimado em 400 mil.
Ao passo que a comunidade brasileira nos Estados Unidos encontra-se em aproximadamente um milhão e 800 mil brasileiros. No entanto, pesquisas recentes realizadas por académicos, mostram uma alteração do perfil da comunidade brasileira na cidade de Nova York, especificamente com relação aos imigrantes de baixo poder aquisitivo que chegaram à cidade entre as décadas de 1960 e 1980. No livro “A imigração e a jornada do ser divergente – a imigração brasileira em Nova York”, enquanto pesquisadora, identifico os primeiros grupos de imigrantes como organizados financeiramente, religiosamente e atendendo uma vida transnacional entre os EUA e o Brasil.
A organização dos imigrantes brasileiros envolve desde comunidades religiosas, ONG (organizações não-governamentais) e plataformas de suporte que, gradativamente, deram auxílio aos imigrantes para organizarem-se financeiramente, a par do apoio psicológico e na área de direito. Assim, instruíram os brasileiros, tanto culturalmente quanto legalmente, sobre os Estados Unidos. Com o desejo de passar a cultura e a identidade brasileira aos seus filhos nascidos e crescidos nos EUA, recorreram às atividades religiosas. Igrejas evangélicas e pentecostais, focadas no público brasileiro, passaram a oferecer cursos de Português, feiras de cultura brasileira, festas brasileiras, além dos cultos em língua portuguesa e inglesa, de acordo com o público mais velho ou mais jovem.

Segundo o Consulado Geral do Brasil em Nova York, os brasileiros residentes na jurisdição, fora da cidade de Nova York, costumam ter menor poder aquisitivo e menor nível de instrução. Muitos originários do estado de Minas Gerais emigraram por motivos económicos e, hoje, trabalham na construção civil, como comerciantes, como profissionais liberais ou exercem algum trabalho temporário. Atualmente, tanto o estado quanto a cidade de Nova York apresentam um perfil diferenciado de imigrantes brasileiros, com maior poder aquisitivo e alto nível de instrução. Muitos são empresários, estudantes, artistas e profissionais liberais atraídos para a cidade, pela sua globalização e centralização em diversos setores de inovação e tendência.
Ser uma cidade global, um hub em tecnologia, finanças e artes é, justamente, um dos atrativos que faz inúmeros brasileiros saírem do país e procurarem Nova York. De acordo com pesquisas recentes, elaboradas por mim, muitos brasileiros entram inicialmente com o visto de turista. Todavia, rapidamente buscam alterar o status para um visto que lhes permita permanecer no país, com o intuito de fazer a vida nas Américas.
Nova York como santuário
Desde 1790, os Estados Unidos começaram a elaborar leis destinadas à permanência ou não de imigrantes, de acordo com os perfis desejados. Criado em 1917, o Immigration Act, também chamado de Asiatic Barred Zone Act, apresentava um conjunto de leis direcionadas aos imigrantes que desejavam entrar nos Estados Unidos e que não fossem de origem asiática. Com exceção dos filipinos, por fazerem parte da colónia dos EUA e dos japoneses.

Entretanto, foi em 1921 que as leis americanas estabeleceram uma quota de 3% da população imigrante de cada nacionalidade, com base no censo de 1910. Em 1924, estabeleceu-se o novo Immigration Act, em que se estipulou a redução da quota para 2% de imigrantes, seguindo o censo de 1890. Foi apenas em 1952, com o Immigration and Nationality Act, que a exclusão do imigrante por categoria de raça foi retirado. Posteriormente, em 1965, o sistema nacional de quotas por origem foi substituído pelo sistema de sete categorias, o qual enfatizava a reunificação familiar e a imigração de especializados. Hoje, a divisão por quotas e por países ainda permanece, supostamente com a proposta de evitar a prevalência de uma nacionalidade sobre outras, ao entrar como imigrante.

Durante os anos do governo Trump, brasileiros documentados e não documentados encontraram-se com medo de uma possível deportação, da retirada do visto ou da própria cidadania americana adquirida. A ameaça de retirar o financiamento das cidades santuários intensificou os humores. No caso da cidade de Nova York, esse medo encontrava-se presente, ao ponto de não deixar os imigrantes com a sensação de segurança que antes possuíam. Agora, a cidade de Nova York é considerada um porto seguro e lugar de refúgio para diversos imigrantes dentro dos Estados Unidos. Com isso, a cooperação entre a polícia da imigração e a polícia local é reduzida para salvaguardar os imigrantes não documentados. Mas isso não garante a inexistência de deportações, apenas reduz a probabilidade da sua ocorrência.
A mulher brasileira em situação de violência
O sexo feminino encontra-se em maior número entre os emigrantes brasileiros. De acordo com o CENSO de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), as mulheres em idade reprodutiva e com alto índice de escolaridade estão entre os principais perfis de emigrados no país. Insatisfeitas com a realidade de não conseguirem um salário condizente com o seu nível de instrução e conhecimentos, e equiparado aos seus concorrentes do sexo masculino, muitas acabam saindo do país. Aproveitam a oportunidade para qualificarem-se ainda mais ou para mudarem de carreira, acreditando que não conseguiriam realizar o mesmo feito no Brasil.
Entre a adaptação no país anfitrião e a criação de uma nova rede de suporte, algumas tornam-se vítimas de violência. Desde o início da pandemia em 2020, a rede consular do Itamaraty no exterior identificou o registro de 1.500 novos casos de violência contra a mulher, entre 76 consulados localizados em 53 países. Até ao dia 11 de Março, o Consulado Geral de Nova York identificou cinco casos de violência contra a mulher. Diversos casos de violência contra a mulher migrante são apresentados à polícia local. Com o intuito de trazer mais autonomia às mulheres brasileiras no exterior e orientá-las para romper o ciclo de violência, o Consulado Geral de Nova York criou um projeto de apoio e atendimento às meninas e às mulheres brasileiras, em parceria com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Desde Junho de 2021, o Consulado Geral de Nova York criou uma linha direta com atendimento durante 24 horas, além do atendimento pelo What’s App consular. Em 2022, iniciou parcerias com ONG, coordenadas por mulheres, para capacitação de meninas e mulheres, além de apresentar uma clínica de auxílio jurídico gratuito. Até ao momento, as divulgações realizadas pelas redes sociais do Consulado Geral de Nova York conseguiram um alcance de 16 mil perfis.
Brasil e o Pacto Global de Migração
Em Dezembro de 2018, o Pacto Global de Migração Segura, Ordenada e Regular foi assinado por 164 Estados-membros, numa conferência internacional realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Marrocos. Criado com base na Carta das Nações Unidas e na Declaração dos Direitos Humanos, o Pacto tem o objectivo de proporcionar um ambiente para debates sobre a questão da migração como fenómenos, compartilhando experiências e informações sobre políticas de migração. Ao passo que, também, expressa um compromisso coletivo entre os Estados-membros de melhorar a cooperação focalizada na migração internacional e nos refugiados. A académica María Villarreal, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), explica mais sobre a saída do Brasil do Pacto.
“Para eles [Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo], a migração não deve ser vista como uma questão global e sim como uma questão nacional que deve ser tratada de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, expressa María Villarreal.
A referida professora da UNIRIO explica ainda que o Pacto é um espaço para compartilhar as práticas e as experiências com o fenómeno migratório, sem incidência sobre a soberania nacional. Além disso, continua ao apontar que a saída do Pacto pode trazer uma má reputação internacional para o Brasil, indo contra a sua tradição histórica nas áreas de migração e refúgio. O país ficaria fora dos principais debates sobre o fenómeno em torno dos fluxos de migração e das políticas migratórias.

Cada vez mais organizada, a comunidade brasileira no exterior tem se consolidado em diversas áreas, de forma a apresentar uma rede de suporte diversa entre atividades profissionais, académicas e de pesquisa. A plataforma EmpowHer (criada e organizada pela primeira-bailarina do Dance Theatre of Harlem, Columbia Brazil Talk)e a organização não-governamental Matena Global Care são alguns dos exemplos conhecidos de coordenação da comunidade brasileira em Nova York.
As histórias que justificam a saída de brasileiros do país não se limitam à sua identidade e à sua atuação no país anfitrião. Cada brasileiro carrega um pouco de si e transmuta a si mesmo ao viver no exterior. Como imigrante, o brasileiro torna-se o porta-voz da identidade e da cultura brasileira, incentivando o crescimento e a diversidade dentro das comunidades no exterior, no país anfitrião e no próprio Brasil.
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Contacto para a Linha Direta 24h00 do Consulado Geral de Nova York: + 917 943 7155.
19/03/2022