Carlos Cal Brandão (1906-1973): o herói (quase) esquecido

 Carlos Cal Brandão (1906-1973): o herói (quase) esquecido

Carlos Cal Brandão (Créditos fotográficos: Australian War Memorial)

O advogado Carlos Cal Brandão foi um singular combatente antifascista. Acusado de estar implicado na acção revolucionária1 de 26 Agosto de 1931, foi deportado para São Nicolau, em Cabo Verde, e daí para Timor. Na então colónia portuguesa, combateu a invasão dos Japoneses, na Segunda Guerra Mundial2, integrando as forças australianas, organizadas em guerrilha. A sua morte, em Janeiro de 1973, impediu-o de “conhecer a cor da liberdade”, pela qual tanto lutou.

A Guarda Nacional Republicana (GNR) portuguesa montada ataca manifestantes, na cidade de Lisboa, em Agosto de 1931. (pt.wikipedia.org)

Carlos Cal Brandão nasceu na portuense freguesia de Ramalde, em 5 de Novembro de 1906. Filho de Amélia Cal Brandão, que integrou a Associação Feminista Portuguesa para a Paz3, e do emigrante galego Silo José Carlos Muiños, funcionário da Casa Graham.

Jornal Gente Nova (filateliadochiado.pt)

Com o seu irmão Mário Cal Brandão, fundador do Partido Socialista (PS), que, após o “25 de Abril”, foi deputado e governador civil do Porto, tornou-se uma das principais figuras da resistência ao regime fascista. O outro irmão, Silo José Cal Brandão, segundo filho do casal, estudante de Medicina, foi obrigado a refugiar-se na Galiza (em Espanha), depois da Greve Académica, na sequência da qual a polícia política abateu a tiro o seu colega Branco.

Em 1922, Carlos Cal Brandão rumou a Coimbra para frequentar a Faculdade de Direito. Na cidade universitária, foi eleito presidente do Centro Académico Republicano (1926-1927), fundou o jornal Gente Nova, com Paulo Quintela, Sílvio Lima e Vitorino Nemésio, e dirigiu o periódico Humanidades. Foi preso, pela primeira vez, em Março de 1929. Por cinco meses.

Capa da 1.ª edição e da que foi editada pela Perspectivas & Realidades. (Direitos reservados)

Dois anos depois, em 1931, acusado de ter participado no “26 de Agosto” e de entregar “a um indivíduo um caixote com bombas”, foi deportado para Cabo Verde e daí para Timor. O livro “Funo – Guerra em Timor”4, editado em 1946, relata as suas vivência e luta na antiga colónia portuguesa.

Amnistiado após o fim do conflito, Carlos Cal Brandão regressou a Portugal e abriu banca de advogado no Porto. Participou, como causídico, no primeiro julgamento das comissões distritais do Movimento de Unidade Democrática (MUD)5. Com o seu irmão Mário redigiu, em 1949, os estatutos da União Democrática Portuguesa, organização alternativa ao Movimento Nacional Democrático (MND), tendo “os oposicionistas atlantistas” – António Macedo, Agostinho de Sá Vieira, Carlos e Mário Cal Brandão – esboçado a constituição de uma União Democrática Portuguesa (UDP), chegando a emitir um manifesto “Aos Democratas Portugueses”6.

Candidatura de Norton de Matos às eleições presidenciais, comício do Porto (Campo Hípico, à Fonte da Moura). (Créditos fotográficos: Disponível em http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04652.000.006 / museudoaljube.pt)

Até ao fim da sua vida, Carlos Cal Brandão interveio em todas as comissões políticas da Oposição, no distrito do Porto. Nomeadamente, nas candidaturas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado. Foi candidato da Oposição, em 1953; e, em Março de 1957, foi um dos 72 advogados que assinaram uma petição ao ministro da Presidência a pedir um “inquérito à PIDE”. No mês de “Outubro seguinte, foi um dos signatários de uma carta enviada ao Presidente da República, na qual explicavam os motivos pelos quais a oposição não concorreria às eleições legislativas desse ano”.

Em Novembro de 1958, foi preso de novo e acusado de “atentar contra o bom nome de Portugal”. Em 1961, voltou a ser preso, por ter sido um dos signatários do Programa para a Democratização da República. Foi candidato da Oposição, no círculo do Porto, às eleições de 1965. Também participou, activamente, na Ordem dos Advogados, da qual foi vogal do Conselho Geral. Carlos Cal Brandão é um herói (quase) esquecido da Resistência ao fascismo. Resgatá-lo a esse abandono histórico é um imperativo ético e moral.

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Notas:

(lh4.ggpht.com)

1 – A Revolta de 26 de Agosto de 1931 foi uma tentativa de golpe militar e uma das últimas movimentações associadas ao Reviralho, que ocorreu em Lisboa e que teve como principais protagonistas as forças militares do Regimento de Caçadores n.º 7 e um grupo de aviadores estacionados na Base Aérea de Alverca. A revolta estava prevista para coincidir com a Revolta das Ilhas, mas desentendimentos entre os líderes da oposição democrática levaram ao atraso no seu lançamento, uma das principais causas do seu fracasso. A revolta durou nove horas e causou 40 mortos.

2 – Foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do Mundo – incluindo todas as grandes potências –, organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados e o Eixo. A Segunda Guerra Mundial mobilizou mais de 100 milhões de militares. Em estado de “guerra total”, os principais envolvidos dedicaram toda sua capacidade económica, industrial e científica ao serviço dos esforços de guerra, deixando de lado a distinção entre recursos civis e militares. Ficou marcada por ataques contra civis, incluindo o Holocausto. Foi, também, a única vez em que armas nucleares foram utilizadas em combate. Morreram entre 50 e 70 milhões de pessoas.

A Segunda Guerra Mundial durou seis anos e afetou grande parte do Mundo. (humanidades.com)

3 – Associação pacifista feminina criada em 1935 e dissolvida pelo Estado Novo em 1952. Teve delegações em Lisboa, Coimbra e no Porto. Declarava-se apolítica e não religiosa, sendo, no entanto, muitas das suas sócias antifascistas.

4 – A obra foi reeditada em 1987, pela editora Perspectivas & Realidades, de João Soares e Vítor Cunha Rego.

1945 – Cartaz do MUD

5 – Formado após o final da II Guerra Mundial, em 8 de Outubro de 1945, com a autorização do governo, o MUD era herdeiro do anterior MUNAF. O MUD foi criado para reorganizar a Oposição, prepará-la para as eleições e proporcionar um debate público em torno da questão eleitoral. Conseguiu, em pouco tempo, grande adesão popular (principalmente, entre intelectuais e profissionais liberais) e começou a tornar-se uma ameaça para o regime. António Oliveira Salazar ilegalizou-o em 1946, sob o pretexto de que tinha fortes ligações ao Partido Comunista Português. Apesar de tudo, viria ainda a apoiar a candidatura presidencial do general Norton de Matos, em 1949.

Organizadas no âmbito do MUD, entre 1946 e 1956, realizaram-se as Exposições Gerais de Artes Plásticas (SNBA–Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa), perfazendo um total de 10 exposições de grande impacto cívico e cultural.

6 – “Aos Democratas Portugueses”, MALTEZ, José Adelino – Portugal Político: Anuário de 1949.

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Fontes consultadas:

Mário Matos e Lemos – http://www.parlamento.pt/…/Docu…/Candidatos_Oposicao.pdf

Manuel Loff – http://resistencia.centenariorepublica.pt/…/63-brandao…

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28/03/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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