César Príncipe (1942): o aristocrata rebelde

 César Príncipe (1942): o aristocrata rebelde

César Príncipe, em 2004, num debate moderado por Ribeiro Cardoso (do Clube de Jornalistas), subordinado ao tema “A Censura”, que teve também como convidados Graça Franco, da Rádio Renascença, e o jornalista Acácio Barradas. (arquivos.rtp.pt)

Jornalista, escritor, poeta, crítico de Arte, César Príncipe sempre tomou partido. Em tudo aquilo que diz e escreve. Antes e depois de Abril. Em 2020, recebeu a Medalha da Cidade do Porto/Grau Ouro. Mas, logo, avisou num email enviado a amigos: “Estes reconhecimentos têm um aroma de actos póstumos. Para atenuar a carga condolente, ouso repartir a medalha com os amigos dos jornais e das jornadas. Peço desculpa, mas continuarei rebelde depois das honras.”

César Príncipe (Direitos reservados)

César Príncipe nasceu em Vilar da Veiga (no Gerês), a 6 de Abril de 1942, no seio de uma família de proprietários abastados. Cedo, tomou partido pelos mais frágeis de nós. Ligou-se ao Partido Comunista a partir de 1964, foi candidato pelo Porto à Assembleia Nacional, em 1973, e, por diversas vezes, candidato da Coligação Democrática Unitária (CDU) em eleições legislativas e autárquicas no Porto e em Viana do Castelo. Em 1974, um mês antes do “25 de Abril”, interveio, em Estocolmo (na Suécia), na Conferência Mundial dos Acordos de Paz sobre o Vietname. Como jornalista, foi repórter, editor e redactor principal do Jornal de Notícias (JN). Entrevistou personalidades nacionais e internacionais. E evidenciou, sobretudo, rostos e factos do Porto e do Grande Porto. A ele se devem “inúmeras notas e reportagens focadas nas gentes com pronúncia do Norte”, que assinalou em prosa grandiloquente e, muitas vezes, com “dramatismo e ironia”. Tal qual assinalou o “mestre” Óscar Lopes.

César Príncipe colaborou em órgãos de Informação nacionais e
regionais, bem como em programas radiofónicos e televisivos.
(arquivos.rtp.pt)

Com o seu “Bom Dia”, crónica publicada semanalmente na última página do JN, César Príncipe granjeou alargada audiência e fiéis leitores. Baptista-Bastos e Manuel António Pina consideraram-no uma figura singular neste ramo literário-jornalístico. Colaborou em órgãos de Informação nacionais e regionais, bem como em programas radiofónicos e televisivos. Foi galardoado com o Prémio de Reportagem António Brochado e divulgou as Artes Plásticas portuenses e portuguesas na imprensa/JN e em revistas especializadas, familiarizando os leitores com matérias habitualmente confinadas a elites.

Abundantemente citado e objecto de alusões em matéria escolar, a sua estilística motivou um estudo na Faculdade de Letras do Porto, bem como a sua audição/transcrição em teses de mestrado e de doutoramento no espaço lusófono. Especializou-se em Jornalismo Político e fez uma pós-graduação na Universidade do Porto. Também espalha a sua a sua genialidade e talento na poesia, na ficção teatral e de feição romanesca, bem como na ensaística multitemática. Profere palestras e participa em debates por todo o país. Elabora manifestos e presta depoimentos. Integra antologias e júris de letras e artes. Foi co-autor de textos para espectáculos da companhia teatral Seiva Trupe.

Baptista-Bastos e Manuel António Pina consideraram o cronista César Príncipe uma figura singular neste ramo literário-jornalístico. (arquivos.rtp.pt)

César Príncipe exerceu funções no Sindicato dos Jornalistas e na Comissão da Carteira de Jornalista, assim como em associações cívicas e culturais. Na cena política, esteve na primeira linha dos combates a favor dos direitos sociais, das liberdades fundamentais e da paz. Combateu o salazarismo-marcelismo, desde 1964. Somos amigos há muito. Trabalhámos juntos na Redacção do JN e, juntos, continuamos vida fora. Juntos, calcorreámos o país em manifestações. Contra o desemprego, contra os salários de merda, contra a “troika” e os seus serviçais internos. E, sempre, a favor dos mais frágeis de nós.

Juntos, viajámos pela Galiza para falar sobre o Zeca (Afonso). E, na mátria de Rosalía de Castro, testemunhámos o respeito e a admiração dos intelectuais galegos pelo intérprete de “Grândola, Vila Morena”. Em Vigo, numa pequena livraria “fora dos eixos”, e em Santiago de Compostela, na Universidade. Apresentámos livros em pequenos e em grandes auditórios, em bibliotecas, em livrarias de bairro e em mega-lojas com livros. Também em cafés, de cidade e de província.

Prestámos tributo a José Carlos Ary dos Santos, a Vasco Gonçalves, a Virgínia Moura, a Beatriz e a Mário Cal Brandão, além de Papiniano Carlos – figuras notáveis da resistência ao fascismo. Conversámos com Luís Sepúlveda e dele ouvimos, na “primeira pessoa”, o filme do golpe de Pinochet contra o presidente eleito Salvador Allende. Sobre as mortes que provocou, o sangue que espalhou sobre as “calles” de Santiago do Chile. E sobre os milhares de cidadãos que perseguiu e aprisionou em estádios de futebol.

César Príncipe, na cena política, esteve na primeira linha dos
combates a favor dos direitos sociais.
(arepublicano.blogspot.com)

O César é um grande jornalista. Tão grande que hoje não cabe nos jornais que agora se fazem. E é um notável escritor. Óscar Lopes inscreveu a sua oratória na estirpe de José Estevão e de António José de Almeida, com “a singularidade de adicionar dramatismo e ironia à grandiloquência”. E é um homem implicado em causas públicas. Foi sempre.

César Príncipe é um aristocrata rebelde que nunca se rendeu nem fez jogos de cintura. Quem com ele privou no JN sabe disso. A profissão e o coração treinaram-no para as estafetas da dignidade e da liberdade.

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Bibliografia

(Direitos reservados
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04/04/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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