Clima, pandemia e desporto
Quando, em 1973, Barry Commoner, aterrado com a destruição do meio ambiente a que assistia, escreveu o seu Closing Circle, estaria longe de imaginar que, quase meio século passado, a sua proposta de Economia Circular se tornaria a solução da moda para reparar os estragos infligidos à biosfera. O retorno voluntarista às boas ideias, agora transformadas em intenções piedosas, não nos larga. Já pela mesma altura em que Commoner publicava o seu livro, Henry Lefebvre afirmava que a modernidade se transformara numa entediante repetição, em que os mesmo temas, com a etiqueta “neo-qualquer-coisa”, voltavam sempre como falsas novidades.
Dizem-nos agora que cerca de um quinto da população mundial está em risco de ser empurrada para fora do seu nicho climático, onde foram capazes de sobreviver e mesmo prosperar durante milhares de anos. Ora, ainda há bem poucas semanas, em tempos de confinamento, se assinalava o regresso de melhor qualidade do ar (e das aves) às cidades, então desertas de automóveis. Quase naturalmente voltou tudo ao mesmo, como se de uma fatalidade se tratasse. Aproveito para confessar a minha desconfiança em relação ao conceito de sustentabilidade, que parece por vezes ser apenas uma via para voltarmos a fazer tudo o que fazíamos antes, mas sem causar mais estragos.
Como responder então a estas várias emergências que nos colocam questões essenciais e que são irredutíveis a análises separadas? Dou um exemplo. Um dos efeitos colaterais das medidas de contingência foi a redução drástica das oportunidades de praticar exercício físico, em especial para os participantes em desporto organizado, que viram os treinos e as competições suspensas. O fenómeno interessou a comunidade académica, que entreviu uma ocasião de estudar as consequências da inatividade.
Mas, também aqui, a ação do vírus como grande Acelerador das Desigualdades ofuscou as melhores, mesmo que mal preparadas, intenções. Como é possível comparar alguém que dispõe em casa de ginásio, piscina e personal trainer com quem reside num T2 e está por sua conta? O desporto profissional, aos tropeções e com inúmeros acidentes de percurso, vai conseguindo manter a atividade e assegurar os contratos televisivos. Mas, tanto quanto sei, a única corporação desportiva que terminou a sua competição com zero casos positivos de Covid-19 foi a National Basketball Association/NBA, que barricou 22 equipas em local fechado durante 70 dias, gastando para isso 175 milhões de dólares.
Como é evidente, a pandemia discrimina ferozmente os mais fracos e inseguros, com menos recursos, sejam organizações ou indivíduos. Esperar por um qualquer regresso à “normalidade” pode fazer esquecer que a “normalidade” perdida não era nada sustentável. Como reagir, portanto? Descarregar a app que vai permitir uma melhor gestão da vida pessoal, praticar a Economia Circular, assumir a responsabilidade moral e a respetiva culpa por cumprir ou quebrar regras de conduta que garantam o funcionamento harmonioso da sociedade?
Deixo uma alegoria sobre corpo, mente e natureza. Em 1936, o governo da Frente Popular em França decretou, pela primeira vez, as férias pagas para toda a gente. A medida teve como consequência uma explosão do número de associações de caminheiros e alpinistas, de clubes de campismo e de cicloturistas. Os verões seguintes viram centenas de milhares de pessoas saírem das cidades para, de comboio, a pé ou de bicicleta, percorrerem os campos, florestas e montanhas do país.
Neste caso, uma decisão política que visava a economia e a justiça social teve o efeito inesperado de levar as pessoas a olhar para o recém-conquistado tempo livre como algo precioso, a ser usado com alegria e com sentido de abertura a novas experiências.
Tudo isto parece dar razão a Tom Nairn que, há mais de 30 anos, dizia que as políticas não refletem as maiorias, mas trabalham para as construir.