Coimbra: a Cultura não se perde
Entre as 12 cidades candidatas a Capital Europeia da Cultura 2027, foram pré-seleccionadas quatro (Ponta Delgada, Braga, Aveiro e Évora), tendo Coimbra sido eliminada desta candidatura (ou dispensada, se assim entenderem), pretendendo-se promover a dinamização cultural e a qualidade de vida, que – como sistematicamente insisto – são motores de progresso e de direitos humanos.
Originário do Ribatejo e vivendo e trabalhando, há 50 anos, em Coimbra, nada me move contra as cidades escolhidas (nem em relação às outras excluídas, a par de Coimbra), por conhecer os atributos de cada uma, por valorizar as suas potencialidades e desenvolvimento e por considerar que este é um capítulo da regionalização que tarda; e que deve envolver diversos núcleos fora da capital do “império” e da sucedânea paralela.
Coimbra – antiga capital de Portugal (depois de Guimarães e antes de Lisboa, de Rio de Janeiro e de Angra do Heroísmo) – continua, assim, a não ver reconhecido nem realçado o seu património cultural secular. O mesmo sucedendo com as suas infra-estruturas de recente construção e utilização, com os seus expoentes artísticos (em agentes e actores do Desenvolvimento) e com as suas obras nunca estultícias, mas geniais.
Sob a direcção do anterior executivo autárquico de Coimbra e de um grupo de trabalho polivalente, mobilizador e representativo das forças políticas locais, foi construída a pretensão de Coimbra Capital Europeia da Cultura 2027, no seguimento da sua aprovação como Cidade Património Mundial pela UNESCO, em 2013.
Estes titulares políticos e técnicos não podem ser responsabilizados pelo insucesso, pois assumiram e fizeram um trabalho digno, aliando acções de grandeza (como a construção de uma arena), com uma vertente inclusiva contemplando a diversidade e o espólio. Foi até assumido um “Pacto da Cidade” no domínio da Cultura, elaborado pelo grupo e aprovado em Assembleia Municipal.
Tal sorte não teve um “Pacto por Coimbra”, que (em 29 de Julho de 2020) propus como deputado no mesmo órgão deliberativo, no domínio político, a bem da cidade e das pessoas,envolvendo organizações da sociedade civil e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), forças políticas e cidadãos, e que foi ignorado “olimpicamente”.
Nele referia que não se tratava de uma jogatana política, mas de uma atitude concreta de sensibilização para a união na defesa, na promoção e na aquisição de valor, que transformasse a marca “Coimbra” em algo tangível, materializando os recursos e as potencialidades de Coimbra em desenvolvimento humano e social num futuro próximo, agora presente.
E acrescentava que a força política que representava, então no poder autárquico desta cidade, não era o inimigo nem gostaria de ser adversário. Pelo menos, não era adversário da igualdade de oportunidades nem da organização do trabalho produtivo, partilhado e rentável, nem ainda da sustentabilidade pessoal e familiar. Era, sim, defensor da segurança e do apoio social, da equidade em saúde e um garante da educação.
Rejeição da candidatura de Coimbra
Quais as razões para a rejeição da candidatura de Coimbra (e de outras sete cidades) a Capital Europeia da Cultura?
Em primeiro lugar, o conceito comum – pelo qual nos consideramos (ou queremos ser) – de “os maiores do Mundo”, fica muito bem na propaganda política. Porém, na realidade, o egocentrismo só serve quem dele pretende usufruir de benesses e não é criador de uma dinâmica colectiva que valorize os seus protagonistas; ou seja, todos aqueles que têm valor e são preteridos pela insana concorrência.
Em contraposição, encontramos o “muro das lamentações” e o bota-abaixismo, em que somos representados como os piores do Mundo. Isso, se calhar, “fica muito bem” angariando votos, mas denigre e destrói uma imagem externa de credibilidade e riqueza, de tradição e cultura, de força e potencial, além de desmoralizar internamente os seus habitantes, os quais só verão o que está ou estará mal, depreciando o que existe e é bem feito, o que tem qualidade e dá bem-estar.
Quando os orçamentos e os planos anuais da urbe previam o aumento de verbas para a Cultura, havia sempre manifestações contrárias (não ao facto, mas à forma ou não se sabe a quê…), enquanto hoje há responsáveis culturais com um mandato de uma semana e não são aproveitados espaços municipais devolutos para a Cultura, enquanto os modelos de gestão são adiados e as 12 acções para a Cultura de um programa eleitoral visionário aguardam concretização.
E voltamos ao Pacto por Coimbra. Um pacto com as organizações da sociedade civil e as IPSS, incentivando a criação de plataformas, abrangentes ou sectoriais, que reforcem os contributos individuais diversos do “terceiro sector” (pela via do “empowerment” e da capacitação) e que defendam as grandes causas da Humanidade, tendo impacto local (através da promoção e da aplicação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030); e que protejam os desfavorecidos e os grupos vulneráveis e de risco social, sem esquecer as áreas da saúde e da educação (com o reforço de programas e da acção cooperativa).
Um pacto com as forças políticas (estranho seria se assim não fosse possível, pois foi viável com o grupo de trabalho da candidatura de Coimbra a Capital da Cultura 2027), em que cada uma das forças políticas aderentes, sem deixar de percorrer o seu caminho, se aliasse por grandes desígnios da cidade (por exemplo, o Hospital Central dos Covões, a reabilitação da Mata Nacional do Choupal como pulmão da cidade, a definição estratégica de captação dos jovens qualificados, a promoção do envelhecimento activo e saudável, a cultura para todos).
Um pacto com os cidadãos, em que a democracia participativa é incentivada (como o bom exemplo do Orçamento Participativo), com a melhoria do acesso à fundamentação do poder decisório autárquico, com a promoção da literacia nas competências autárquicas e intermunicipais agora alargadas pela descentralização, com a pedagogia e prémios inerentes ao civismo e a actos modelares modificadores do comportamento incivilizado, a par da criação de microjardins, etc.
Há 167 definições diferentes de “Cultura” nos domínios das Ciências Sociais, da Filosofia e da Antropologia. Não tenho a ousadia de apresentar uma nova definição, mas direi que a Cultura nunca se perde e, mais cedo ou mais tarde, Coimbra demonstrará porque já foi capital de Portugal; porque tem de ser valorizada e não depreciada; porque não ficará parada no tempo e irá evoluir por gerações; porque a emoção e a razão se complementarão; e porque Coimbra ainda é… Coimbra.
16/03/2022