Coimbra, o estranho caso do Hospital dos Covões
Em Coimbra, existiam dois Hospitais Centrais (havia os Hospitais da Universidade de Coimbra – HUC, articulados com a Maternidade Daniel de Matos, com o Hospital Sobral Cid e com os extintos Hospital Sobral Cid, Hospital de Lorvão e Hospital Colónia de Arnes – em psiquiatria; e havia o Centro Hospitalar de Coimbra, que englobava o Hospital Geral Central dos Covões, o Hospital Pediátrico de Coimbra e a Maternidade Bissaya-Barreto), todos integrados no Serviço Nacional de Saúde.
Os Hospitais serviam toda a Região Centro (2,3 milhões de habitantes), tal como em Lisboa e Porto havia (e há) vários Hospitais Centrais, que servem a população abrangida pela sua esfera de influência geográfica.
Quer em Lisboa, quer no Porto, quer em Coimbra, processava-se ainda o acolhimento de doentes provenientes da Europa (via reconhecimento internacional) e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, funcionando através de acordos de cooperação específicos entre Estados, por meios próprios de articulação entre Hospitais dos vários Países ou simplesmente via organizações humanitárias da sociedade civil com múltiplas missões no terreno em África, Timor e Brasil, que selecionavam doentes e patologias para evacuação médica e/ou cirúrgica para Portugal, por não haver recursos locais (e muitas vezes nem havia médicos…).
Em 2011, por determinação dos decisores políticos, deu-se a “famosa” fusão dos Hospitais de Coimbra, que deu origem ao CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra), o que, só por si, não parecia ser um mal maior nem adviria a desgraça que afinal veio e está a acontecer.
Então, pressupunha-se que passaria a haver a rentabilização de recursos físicos, técnicos e humanos disponíveis, uma partilha de infraestruturas, conhecimento e experiência de gestão, o incremento da atividade clínica por gestão participada por objetivos, e maior motivação dos profissionais de saúde para melhor exercer o seu mister altamente qualificado e de renome nacional e internacional já citado, em várias especialidades hospitalares.
Na verdade, o que aconteceu, foi o desmantelamento progressivo do Hospital Geral Central dos Covões (com a eliminação faseada e sucessiva de 10 Serviços Especializados, redução progressiva de camas hospitalares, encerramento do Laboratório de Hemodinâmica e da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários e agora a tentativa de desqualificação do Serviço de Urgência Polivalente em Serviço de Urgência Básica), a perda de autonomia do Hospital Pediátrico de Coimbra transformado em departamento, e a degradação e redução da Maternidade Bissaya-Barreto (já sem Ginecologia).
Daqui resultou a acumulação e o elevado prejuízo dos doentes em serviços do HUC, sem capacidade de resposta para consultas e cirurgias (vêem-se contentores, filas longas na rua sem proteção e difícil acessibilidade à marcação de consultas e cirurgias em tempo útil), com consequências potencialmente fatais para a vida das pessoas, e com custos económicos acrescidos para a população que sofre e precisa de cuidados.
Não houve incremento da atividade clínica (pelo contrário), e os profissionais de saúde estão desmotivados e há claro desaproveitamento dos recursos humanos (há médico cirurgiões que operavam 3 vezes por semana no Hospital dos Covões e que passaram a operar no HUC de 15 em 15 dias), impedidos do exercício da sua rotina profissional qualificada em espaço adequado, rigor técnico e bem-estar individual para sucesso da sua intervenção técnica (que é a vida das pessoas…).
A partilha desejável não existe e a gestão participada por objetivos nem vê-la (vade retro, Satanás!), havendo na ação dos administradores do CHUC o sentido de imposição pelo poder autocrático e um privilégio evidente do HUC, em detrimento do Hospital dos Covões, como se este fosse a sua quinta rural de refugo, onde vão retirando qualidade e qualificação de recursos e colocam armazém de serviços indesejados no macrocéfalo edifício do HUC e, ao que propagam, uma enfermaria de Geriatria (poderemos chamar-lhe asilo?), ficando a área de Investigação em Geriatria (nobre…) no polo HUC.
Em nenhum Hospital do mundo civilizado, os idosos ficam longe e separados dos serviços especializados, por sofrerem de múltiplas doenças crónicas (e necessitarem cuidados multidisciplinares e multiprofissionais) e pela utilização de tecnologia de ponta (vide unidade de cuidados intensivos para COVID-19), sob pena de, em assistência adequada, as ambulâncias passaram o dia a atravessar Coimbra entre o Hospital dos Covões e o HUC e vice-versa, gerando incómodos para o doente, despesas para o erário público e fatalidades que seriam evitáveis ( o tempo é escasso…).
Também já não se constrói em nenhuma parte do mundo, um hospital com a dimensão, afunilamento, inacessibilidade e ausência de estacionamento como no HUC, por razões óbvias (já agora, visitem hospitais na Europa, nos EUA ou na China, e ficarão espantados ao verem a aposta em hospitais de proximidade…).
E ainda querem implantar a nova Maternidade no HUC, ficando inviável o heliporto, por a aviação não permitir uma instalação vários andares abaixo do topo do edifício principal do HUC…
Da ARS Centro, vem a voz do silêncio (razão desconhecida, competência não explícita ou temor de destituição…), demitindo-se das suas responsabilidades regionais em saúde e ausência da defesa da saúde dos cidadãos, sem perceção do argumentário técnico e político, nomeadamente expresso pelos órgãos autárquicos.
E a Ministra da Saúde disse que “não há nenhum estudo técnico para justificar transferência de serviços dos Covões para os HUC”. Também disse, que “não há nenhum estudo técnico para desclassificar o Serviço de Urgência”.
E ainda disse que “não deve ser privilegiada qualquer das instituições originárias por qualquer razão” (Hospital da Universidade de Coimbra e Hospital Geral Central dos Covões).
E mais disse, que “não há nenhuma decisão política”.
Muito bem. Então, por quem, porquê e com que direito, tem vindo e continua a ser desmantelado o Hospital Geral Central dos Covões?
Porque não decidiu ainda a localização da nova Maternidade?
Porque mantém (ou não) a criação do CHUC e a fusão com o domínio de 1 Hospital sobre os outros 5 Hospitais?
António Costa, depois Primeiro-Ministro, disse em 16.05.15, que “não haver camas nos hospitais não é poupar dinheiro, é ter falta de respeito pelos utentes”. Concordo.
Haverá razões privadas ou secretas que fundamentem a destruição do Hospital Geral Central dos Covões, indo contra a cidade que o apoia, conforme várias manifestações públicas, a par da Câmara Municipal de Coimbra, da Assembleia Municipal de Coimbra, da Comunidade Inter Municipal da Região de Coimbra, de Juntas e Uniões de Freguesia do concelho de Coimbra e da própria Comissão Política Concelhia de Coimbra do Partido Socialista por unanimidade?
Do que não há dúvida é que se trata de um estranho caso, quiçá para estudo e investigação.
David e Golias, obscuridade na saúde, bloco central de interesses, job for the boys (and girls) a saltitar ou visão turva de correligionários? Eis o cerne da questão.
Coimbra, a pequena aldeia gaulesa, resistirá aos decisores invasores, ou estes infletirão, depondo armas e reconhecendo a razão, a democracia e a cidadania? Veremos…