Como evitar o fim do mundo
No mês passado, vi um senhor, do topo dos seus 50 anos, com um boné do Euro 2004 desbotado pelo sol, dizer a quem quisesse ouvir que “as pessoas falam do fim do mundo, do Apocalipse”. Isso enquanto bebia uma Super Bock de garrafa, no Metro do Porto, por volta do meio-dia. Como bom millennial e português que sou (ou seja, geracional e culturalmente predisposto para o dramatismo e para o fatalismo), a minha primeira reação foi a de concordar com ele.
Numa semana em que os céus de Portugal tinham decidido ficar amarelados devido à poeira vinda do Saara, depois de quase um mês em que a guerra voltou à Europa e, também, de dois anos de uma epidemia global, é complicado não estar de acordo. O fim está próximo, obviamente. Olho para a lista dos quatro cavaleiros do Apocalipse: Morte, Guerra, Pestilência e Fome. Os primeiros três presentes e a fome cada vez mais uma realidade, com a subida dos preços dos combustíveis e os problemas de fornecimento.
É fácil cair no dramatismo, até porque os millennials estão fadados para as tragédias. Demasiado jovens, ignoramos a guerra nos Balcãs; e, já a caminho da adolescência, vimos dois aviões a bater contra as Torres Gémeas e um mundo a mudar de direção. Momento-chave na história que criou uma triste ironia: a geração que mais viaja é também a que tem mais restrições na hora de entrar num avião. Na última viagem que fiz, uma rapariga teve de abandonar os seus cosméticos e uma garrafa de azeite, ao passar pelo controlo de segurança. “Olhe, já que quer ficar com tudo, fique com o azeite também”, queixou-se. “Eu não fico com nada, isso é o Putin!”, retorquiu a segurança, enquanto deitava as coisas no lixo.
Depois do 11 de setembro, veio a guerra contra o terrorismo (via Iraque e Afeganistão) que serviu de pano de fundo aos nossos anos formativos. De imberbes a barbudos (ao menos, acabou a tirania de ter de fazer a barba cada dia), a caminho do mercado laboral, sofremos com crises económicas, com problemas climáticos cada vez mais óbvios e, qual cereja no topo do bolo, com uma epidemia inimaginável que fechou o mundo em casa. Começou a levantar a epidemia? Sai uma guerra para a mesa do canto.
Acabamos, pois, uma geração dominada pelo stress coletivo, entre a precariedade e o burnout, num mundo controlado pela ansiedade e pela incerteza. O que se perde nesta narrativa é a capacidade de olhar para estes eventos de uma perspetiva histórica. Estamos, na verdade, mais perto do fim do mundo do que nunca?
As dificuldades da vida não se inventaram nos últimos 30 anos. Olhamos para os livros de História e vemos guerras, epidemias, pobreza e fome inimagináveis nos dias de hoje. Existem autores que se dedicam a explicar que, do ponto de vista estatístico, nunca se viveu melhor. Claro que a estatística não ajuda muito a quem passa pelas dificuldades. A vida não é fácil, mas quer-me parecer que nunca foi, só nos parece pior agora porque é a que vivemos. O que precisamos – millennials e não só – é de trabalhar a nossa resiliência.
“Resiliência” significa enfrentar os problemas de peito aberto, entendendo as dificuldades, mas entendendo-as como desafios, o que ajuda a evitar fatalismos. É transformar os traumas de ontem (e de hoje) na força do amanhã. Com tantos acontecimentos negativos, há muito para utilizar como energia. O fim do mundo só chega quando nos tornamos passivos perante narrativas negras e deixarmos de enfrentar a vida com criatividade.
É impossível não ficar inspirado pela maneira como a Europa respondeu à guerra na Ucrânia, acolhendo refugiados com uma solidariedade única. É impossível não ter orgulho no civismo com que se enfrentou uma epidemia global que ainda vai dar que falar. Enquanto os acontecimentos e alguns interesses geopolíticos se esforçam por destruir mais que construir, é a compaixão e empatia que continuam a levar a Humanidade para a frente.
Por isso, embora seja fácil cair no dramatismo e no fatalismo, o mundo só acaba quando nós deixarmos.
03/04/2022