Como se vota fora de Portugal

 Como se vota fora de Portugal

(© Marco Dias Roque)

Um milhão, quinhentos e quarenta e um mil, duzentos e noventa e cinco. Em algarismos: 1541295. Este não é o número vencedor da lotaria, mas, sim, a quantidade de cartas que o Ministério da Administração Interna (MAI) enviou aos portugueses residentes no estrangeiro para votar nas eleições legislativas de 10 de março. Num país que tem cerca de dez milhões de habitantes, mais de 1,5 milhões de pessoas é muita gente. Onde haja sol, haverá um português e por detrás de cada dígito existe uma história, seja no Brasil (onde há mais de 250 mil) ou no Iémen (onde existe apenas um cidadão português registado). Por exemplo, olhando para a lista de cartas enviadas, fiquei com curiosidade em conhecer os dois portugueses que residem em São Martinho (nas Antilhas), uma ilha nas Caraíbas dividida em duas partes. Um vive na parte francesa da ilha, o outro na holandesa. Será que se conhecem?

(cgd.pt)

Contudo, não quero falar destas pessoas, mas, sim, do custo por trás deste ato eleitoral. Enviar mais de 1,5 milhões de cartas – cada uma contendo o boletim, um envelope verde para colocar o voto, um envelope branco para enviar resposta (com franquia paga) e um folheto informativo –, que, depois, têm de ser devolvidas (acrescentando uma fotocópia do Cartão do Cidadão), é um esforço de logística brutal, num mundo onde existe a Internet. É estranho que em Portugal, por definição, o voto no estrangeiro seja feito por carta e não presencial (apenas possível com pedido prévio). Imagino que seja conveniente, mas nem sempre corre bem: em 2022, as eleições para o círculo da Europa tiveram de repetir-se porque 80 por cento dos votos chegaram sem prova de identidade.

Tantas cartas para eleger apenas quatro deputados: dois pela Europa e dois pelo resto do Mundo. Embora o número de eleitores seja grande (o círculo da Europa, com mais de 900 mil é o terceiro maior círculo eleitoral, depois de Lisboa e Porto), a representação não flutua em função do total (como acontece com os distritos do país), mas o esforço logístico continua lá. O orçamento dedicado ao envio de cartas poderia ser mais bem utilizado num sistema de votação online, que ajudaria a diminuir a abstenção e o custo associado a este processo.

Portugueses no estrangeiro já fizeram escolhas para as legislativas. (Créditos fotográficos: Andrea Neves – Antena 1 – rtp.pt)

Apesar disso, o trabalho do MAI é fantástico. E receber a carta é um reconhecimento de que a pátria ainda se lembra da diáspora. Contudo, o mesmo não se pode dizer do esforço dos partidos na hora de fazer campanhas dedicadas aos emigrantes. Como não chegou nenhum material de campanha a minha casa, dei uma vista de olhos aos programas eleitorais. Nenhum partido se destaca no que diz respeito a políticas para as comunidades portuguesas, apresentando temas comuns: melhoria da rede consular, esforço por facilitar o ensino da Língua Portuguesa e, nalguns casos, dar mais destaque ao Conselho das Comunidades Portuguesas (CPP).

De certeza que é falha minha, mas vivo fora de Portugal há dez anos e nunca tinha ouvido falar deste conselho. O CCP é um “órgão consultivo do Governo para as políticas relativas à emigração e às comunidades portuguesas no estrangeiro”. É composto por 80 conselheiros eleitos para mandatos de quatro anos, pelos cidadãos portugueses que vivem no estrangeiro. Gosto da ideia do CCP: enquanto os deputados eleitos por círculos estrangeiros costumam viver em Portugal, os membros do CCP vivem no estrangeiro, o que, em teoria, lhes dará uma melhor ideia de como representar as comunidades. Contudo, não sei bem como fazem o seu trabalho. Representar um povo que escolhe viver em 189 países não é fácil e, pelo menos para mim, o CCP é invisível. Gostava de ver uma presença mais forte — e a consulta dos cidadãos mais frequente — nem que seja em modo online. Senão, ser “conselheiro” acaba por ser apenas uma posição honorífica, com pouca representação real. Por agora, duvido que a maioria dos emigrantes saiba quem os representa.

(conselhodascomunidades.pt)

Portugal precisa de reconhecer a sua diáspora como um recurso que deve ser utilizado a favor do país. Da Alemanha até ao Vanuatu, são 1541295 oportunidades para partilhar conhecimentos e experiências que podem ajudar a desenvolver Portugal, ideias de negócio ou novas maneiras de ver as coisas. Portugal tem muito para dar ao Mundo e tem mais de um milhão de embaixadores já presentes. Já descobriremos quando é que se lembra de os utilizar.

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07/03/2024

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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