Concha Velasco (1939-2023)

 Concha Velasco (1939-2023)

No dia 2 de Dezembro (sábado), morreu a actriz e apresentadora espanhola Concha Velasco. (Créditos fotográficos: victorjuste – onfm.pt)

Conchita, primeiro. E, mais tarde, Concha Velasco1, até ao final.

Morreu, no dia 2 de Dezembro, aos 84 anos, aquela que foi chamada a “Noiva de Espanha”, actriz de vários registos: teatro, televisão, séries, cinema, teatro musical e de revista, cantante. Ficou em câmara ardente no Teatro Latina, teatro no qual representou muitas vezes, em Madrid, enquanto os familiares, amigos e público, em geral, lhe rendiam homenagem…

Escrevo sobre ela, porque foi, sem dúvida, uma estrela que atravessou o período mais negro da História de Espanha, realizando o seu labor artístico com dignidade, profissionalismo e criatividade.

Na noite em que decorria o velório no Teatro Latina, o canal 1 da RTVE emitia o seu programa “Lazos de Sangre”, no qual interveio um conjunto de comentadores, amigos, escritores companheiros de luta e familiares, com depoimentos, todos eles coincidentes num sentido: a grandeza humana e artística desta mulher/actriz.

Lembro-me dela como intérprete junto de Vicente Parra, na versão fílmica da zarzuela “La Verbena de la Paloma”, uma das minhas preferidas. Zarzuela de 1894, com libreto de Ricardo de la Vega e música de Tomás Bretón, que estreou em 17 de Fevereiro de 1894, no Teatro Apolo de Madrid.

“La Verbena de la Paloma”, de 1963. (Direitos reservados)

Também se destacou no teatro, sendo uma das suas últimas grandes criações na “Hécuba”, tragedia de Eurípides numa nova versão do jovem dramaturgo Juan Mayorga, encenada por José Carlos Plaza, cuja estreia aconteceu no Festival Internacional de Teatro Clássico de Mérida, no ano de 2020. E, posteriormente, no Teatro Calderón de Madrid, com um êxito rotundo de público. No palco, acompanhava-a Juan Gea, no papel de Agamémnon.

(Direitos reservados)

A ministra de Igualdade do governo de Espanha, Ana Redondo, despediu-se (no domingo, 3 de Dezembro) com “profunda emoção e enorme tristeza” de Concha Velasco, a quem elogiou, pela sua capacidade de “consenso” e “transversalidade”: “Ela disse ‘eu me sinto vermelha’, mas isso não a impediu de se aproximar-se de todas as ideologias.”

No referido programa televisivo, um dos participantes recordou como, em Janeiro de 1972, enquanto representava no Teatro Lara de Madrid, a peça “La llegada de los dioses”, do dramaturgo Antonio Buero Vallejo, o actor Juan Diego e ela, Concha Velasco, solicitaram à empresa teatral para libertar um dia de folga na semana, petição que foi respondida pela empresa com o despedimento de ambos os actores!3 Era ainda a Espanha franquista!

Actor José Sacristán. (adorocinema.com)

José Sacristán, também actor, lembra que quando se deu a intentona do golpe de estado2 pelo tenente da Guardia Civil, Antonio Tejero, o chamado tejerazo, ambos fariam parte de uma lista negra a abater!

Concha Velasco deu vida a Santa Teresa de Jesus, numa minissérie da televisão espanhola produzida pela RTVE e transmitida em 1984, com realização de Josefina Molina e guião de Carmen Martín Gaite e da própria Molina.

Da sua biografia, lemos que estudou dança clássica e espanhola, em Madrid e no Conservatório Nacional, dos dez aos vinte anos de idade. Estreou-se como dançarina do corpo de ballet da Ópera da Corunha e na companhia de Manolo Caracol, como dançarina de flamenco. Mais tarde, ao lado de Celia Gámez. É tia da também actriz Manuela Velasco e sobrinha do pintor Carmelo Garcia Varona Mardones. No Verão de 1975, começou um relacionamento com Fernando Arribas, que terminou no início de 1976. Casou-se com Paco Marsó, de quem se divorciou em Julho de 2010, o qual morreu em Novembro do mesmo ano.

A actriz Concha Velasco. (cinemagia.wordpress.com)

Representando até ao fim, em Setembro de 2021, a actriz vallisoletana (de Valladolid) despediu-se do seu público no palco do Teatro Bretón de los Herreros, de Logroño, após seis décadas de profissão. A peça era “La habitación de María”, um texto escrito pelo seu filho, Manuel Martínez.

Numa entrevista recordada no mesmo programa de sábado (2 de Dezembro), o entrevistador comenta e pergunta a Concha Velasco: “Tiveste muitos noivos, amantes e esposos?” Ao qual Concha Velasco respondeu, de forma sábia e gracejando, que transcrevo, em Castelhano: “Sí, con los novios paseas y no te acuestas, con los amantes, te acuestas y no paseas, con los maridos, a veces te acuestas otras veces paseas.” (sic) Genial!

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Notas:

1 – Concepción Velasco Varona, conhecida como Concha ou Conchita Velasco (Valladolid, 29 de Novembro de 1939 – Madrid, 2 de Dezembro de 2023) foi uma actriz, cantora, dançarina e apresentadora de TV espanhola.

(Créditos fotográficos: Bettmann/Getty Images – expresso.pt)
“António Pedro fez jornalismo (foi locutor da BBC),
estudou Direito e Histórico-Filosóficas na Faculdade
de Letras de Lisboa, fez parte do Movimento
Nacional Sindicalista, foi poeta, novelista,
romancista, pintor (sempre influenciado pelo
surrealismo) escultor, dramaturgo e tudo”, como
escreve Manuel Vitorino. (correiodoporto.pt)

2 – O frustrado golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981, em Espanha, também conhecido como “23-F”, foi uma tentativa de golpe de estado perpetrada por certos militares, sendo o acontecimento mais representativo o assalto ao Congresso dos Deputados, por um numeroso grupo de guardas civis, comandado pelo tenente-coronel Antonio Tejero. O assalto ocorreu durante a votação do candidato para Presidente do Governo da Espanha, Leopoldo Calvo-Sotelo, da UCD.

3 – O antecedente imediato da greve dos actores remonta ao início de Janeiro de 1972, quando “A Chegada dos Deuses”, de Antonio Buero Vallejo, foi apresentada no Teatro Lara de Madrid. “Naquela época, os actores trabalhavam sete dias por semana, em duas apresentações por dia”, disse Raúl Cordero, vice-presidente da Fundação Atocha Advogados, ao elplural.com.

Refira-se que, em Portugal, o dia de segunda-feira como descanso de companhia teatral foi iniciado por António Pedro, no Teatro Experimental do Porto (TEP).

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18/12/2023

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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