COP26, sucesso ou fracasso?
No rescaldo da Cimeira do Clima (COP26), realizada em Glasgow, importa fazer um balanço, que traduz uma opinião pessoal, decorrente do conhecimento e das informações obtidas através das fontes bibliográficas, porque as alterações climáticas interessam a todos os cidadãos, às estruturas oficiais e à sociedade civil, tal como a saúde de um povo interessa a todos os demais.
Coloca-se a questão, em função de várias ilações e comentários reproduzidos, quase sempre divergentes embora nem sempre antagónicos, sobre o resultado da COP26 ter sido um sucesso ou um fracasso, dito assim liminarmente, quando sabemos que este mundo não é um mundo perfeito, nem todos os protagonistas se encontram de boa-fé.
Constituindo uma desilusão a alteração do articulado final do Acordo de Glasgow, obtido por 198 países que eram signatários do Acordo de Paris, de há cinco anos, referente à substituição da eliminação gradual dos combustíveis fósseis pela sua redução gradual, não pode deixar de ser registado que foi obtido um acordo, o que significa uma mais-valia, quanto ao reconhecimento da principal causa das alterações climáticas prejudiciais ao ser humano, que não estava assim expressa no Acordo de Paris.
Além disso, foram obtidos acordos sectoriais mais específicos sobre as florestas, o carvão, o transporte automóvel e o metano, os quais contêm acções suplementares que alterariam a lacuna de emissões em 9% para atingir o tecto de aumento de 1,5º C (o que implica reduzir as emissões em 45% até 2030), mas que exigem ratificação pelos governos dos países nos seus orçamentos e planos, a apresentar na próxima COP27 (no Egipto, em 2022) e cujo cumprimento não está garantido, em função das políticas de desigualdade e do capitalismo selvagem de alguns desses países.
No acordo definido, foi controlado o mercado de carbono (não há mais motivos para investir em novas estruturas intensivas em carbono), mas não se pode impedir mais incumprimento de empresas e de países cuja transparência e idoneidade são duvidosas (foi garantido que, até 2024, todos possam avaliar o que os outros estão fazendo, mas foram vetadas propostas que defendiam que alguns países não utilizariam as mesmas tabelas e formatos aplicados a todos, nos seus relatórios para o Egipto), além de ter sido vetada a taxa sobre transacções que financiariam o mecanismo de adaptação dos países pobres às alterações climáticas.
Quanto à questão financeira, os países desenvolvidos duplicaram o financiamento para adaptação à mudança climática (de 2019 a 2025), enquanto em África (países em desenvolvimento) gastam 10% do produto interno bruto (PIB) por ano em adaptação às mudanças climáticas e os impactos poderiam atingir 20% do PIB dos países pobres até 2050, mas não está garantido o apoio dos países desenvolvidos, no valor de 100 mil milhões de dólares, definido em 2020 (influenciado pela pandemia da COVID-19), nem qualquer aumento posterior a 2022, nem sequer que o apoio seja dirigido para os países menos poluidores.
A Rede Santiago (criada em 2019, insta os países desenvolvidos a proporcionar recursos financeiros para ajudar os países em desenvolvimento, relativamente à assistência técnica de organizações, bem como de especialistas para esses países vulneráveis) continuará a ser operacionalizada e dotada de fundos financeiros, mas não será ainda suficiente para o financiamento da adaptação nos países pobres (no estado actual, apenas um quarto do financiamento é para a adaptação climática, enquanto três quartos são utlizados na mitigação dos efeitos da crise climática).
Foi consensual a necessidade de incremento da transição dos combustíveis fósseis para energias renováveis e foi criado um novo programa de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) para aumentar os cortes de gases de efeitos estufa, ainda insuficientes para cumprir as metas do Acordo de Paris (a comprovar na COP27). Mas, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, a vontade política não foi suficiente para ultrapassar as contradições profundas; e os compromissos de redução de emissões e de prazos para a neutralidade carbónica não impedirão que as emissões continuem a aumentar na década 20-30, pelo que a COP26 não atrasará a catástrofe global.
Da minha parte, também sempre defendi a solidariedade em detrimento da caridade, considerando hoje, por razões climáticas e de sobrevivência de gerações, a necessidade de apoio emergente dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, em compensação do passado, que não se pode ignorar (veja-se as migrações de refugiados da Europa para África, e a espoliação de bens da Europa a África – onde, por exemplo, no Reino do Gana, o maior reino de África, no século IV, até os cães usavam coleiras de ouro).
Portugal foi um dos poucos países do Mundo que se comprometeu a ser carbonicamente neutro até 2050, assumindo o desafio de desenvolver políticas públicas em resposta à mitigação e adaptação às alterações climáticas, com um território mais coeso e resiliente, com a transição para as fontes de energia renováveis, com a economia circular e com a modificação dos padrões de mobilidade urbana; mas não pode deixar de se reconhecer que a descentralização não pode passar apenas pela delegação de competências, nomeadamente nas autarquias locais, deixando Lisboa de ser “a capital do império”, o Porto ser a área metropolitana de privilégio, e a região Centro ficar como apêndice mal-amado, sem estruturas autónomas associadas à rede de infraestruturas e à funcionalidade administrativa.
Coimbra, através do ex-executivo autárquico, no mandato de 2017 a 2021, legitimado pelo respectivo órgão deliberativo, elaborou o Programa Municipal para as Alterações Climáticas (que esperamos, agora, venha a ser aplicado pelo novo executivo, nos próximos quatro anos), tendo como objectivos a implementação de medidas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas, o aumento da capacidade adaptativa e de resposta aos eventos climáticos extremos, a melhoria da informação à comunidade na resposta aos eventos e o reforço da governança com o envolvimento da sociedade na política municipal de combate às referidas alterações climáticas.
Para tal, criou medidas para sectores-chave como a agricultura, a biodiversidade, a economia, a energia, as florestas, a saúde, a segurança de pessoas e de bens, os transportes e as comunicações, os recursos hídricos e a educação para a cidadania (tão premente), apostando no desenvolvimento de alternativas energéticas de domínio público, no reforço do investimento do transporte público e na aposta na investigação, de forma a diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e a defesa da produção local.
E porque os cidadãos são responsáveis pela manutenção da sua própria saúde e do bem comum (a Organização Mundial da Saúde assim o define), o seu contributo individual é imprescindível na redução do impacto ambiental ou da pegada de carbono, com janelas e electrodomésticos mais eficientes e também com o automóvel eléctrico.
E, por não despiciendo, embora possam parecer minudências, as pessoas devem caminhar ou andar de bicicleta, sempre que possível, bem como fazer uma condução automóvel eficiente, utilizar a opção de poupança nos equipamentos electrónicos, usar iluminação LED (light-emitting diode), evitar produtos descartáveis (de um só uso), utilizar sacos de pano ou o seu próprio carrinho de compras, separar, reciclar e reutilizar, planear as suas compras e… fechar a torneira ao lavar os dentes e tomar duche, em vez do banho de imersão.
COP26, sucesso ou fracasso? Acredito que nem sucesso nem fracasso. O (des)equilíbrio e a rivalidade entre as grandes potências económicas mundiais, os interesses instalados que sobrelevam o sentido lucrativo transitório, a pobreza como flagelo para usufruto e gáudio de privilegiados, o choque demográfico e os custos geopolíticos envolvendo fluxos migratórios, natalidade e envelhecimento, a exclusão social e o bloqueio cultural, as desigualdades geracionais e as discriminações, impedem os grandes passos para a Humanidade, assim como a sua preservação e desenvolvimento (onde se inclui ainda a inteligência artificial e a automatização), tornando-a dependente de pequenos passos que venham a tornar-se um grande passo.
Molière, dramaturgo e mestre da comédia satírica, dizia: “É comprida a estrada que vai desde a intenção até à execução.” É preciso percorrer essa estrada, a uma velocidade adequada, para cumprir a sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida, com vontade política e consciência cívica, transformando as ameaças de extinção em promoção da igualdade de oportunidades.
19/11/2021