Coronavírus agrava contencioso político na Guiné-Bissau

Quando em 31 de Dezembro de 2019 a Comissão Municipal de Saúde da província chinesa de Wuhan, na cidade de Hubei, se preocupava com uma pneumonia desconhecida que atingiu o mercado de alimentos e dos animais vivos (peixes, mariscos e aves), as vendedeiras do mercado de Bandim, de Caracol, os peixeiros do Porto de Bandim ou de Cacheu, na Guiné-Bissau, estavam longe de imaginar que uma pneumonia de um país geográfica e culturalmente tão longínguo se transformasse, num abrir e fechar de olhos, numa pandemia mundial que desconstruiria por completo as suas vidas familiares e as suas estruturas de comercialização de produtos em todos os mercados do país.

Longe de pensarem no desconhecido Coronavirus, os guineenses saíam de um ferveroso processo de eleições presidenciais que ainda hoje “estaciona a sua viatura de contencioso eleitoral” no quintal do Supremo Tribunal da Justiça (STJ). Subitamente, a 31 de Janeiro de 2020, caiu, como uma bomba, na Guiné-Bissau, a estranha palavra Coronavirus, uma doença invisível e sem vacinação ou tratamento específico. O que deixou os feirantes dos mercados de Bissau e os guineenses em geral impávidos e sem saber o que fazer. Aliás, numa primeira fase, a maioria dos guineenses nem acreditava que realmente existia uma doença denominada de Coronavirus.
À medida que o tempo passava sem haver pessoas infectadas a situação também caia cada vez mais no descrédito popular, em particular, entre os feirantes dos mercados de Bissau e dos peixeiros nos mercados portuários de Bandim e de Cacheu, onde as pessoas continuavam a aglomerar-se, sem respeitar as regras de distanciamento que o Coronavirus exige.
Enquanto os outros países africanos da sub-região combatiam a sério o problema da invasão da pandemia, na Guiné-Bissau ainda se discutia se o governo é ou não legal
Acresce, ainda, que nesta fase inicial também não havia uma informação suficiente e credível sobre a forma exata de transmissão da doença. Por outro lado, o contencioso eleitoral que mantém a sua residência no STJ criou um cenário complexo e contraditório que não despertava atenção do governo para o combate real ao Coronavirus. O país tinha dois governos e até houve uns dias em que teve dois Presidentes da República. Assim, o país conheceu um excesso de comunicação política eleitoral sobre Coronavirus, que não produziu nenhum efeito prático positivo. Pelo menos, ao nível da preparação da população, como estava a ser feito nos países vizinhos, com vista à prevenção da maior pandemia do século XXI. Ou seja, enquanto os outros países africanos da sub-região combatiam a sério o problema da invasão da pandemia, na Guiné-Bissau ainda se discutia se o governo é ou não legal, se Presidente da República é ou não legal e legítimo.
O coronavírus na campanha eleitoral
Assim, o governo de Nuno Gomes Nabiam que, na altura, iniciou funções, encontrou no Coronavírus um instrumento para mostrar aos eleitores que estava pronto para prestar um bom serviço público ao país. Transformou, por isso, o problema do Coronavirus num novo tema de campanha eleitoral sob liderança do seu Ministro do Interior, Botche Candé, que percorreu todo o país sem respeitar as regras de não agrupamento das pessoas, para distribuir motorizadas. Aliás, o facto do primeiro óbito de Coronavirus na Guiné-Bissau ter sido um alto oficial do Ministério do Interior, e do seu Secretário de Estado de Ordem Pública estar também infetado, é uma prova inegável que não houve no início uma vontade séria de cumprir as regras de combate ao Coronavirus, por parte dos membros dos dois governos. Ambos se mostraram, de facto, mais preocupados a trabalhar na conquista da sua legitimidade, junto da comunidade internacional, para governar o país, do que empenhados em travar uma dura batalha contra a pandemia que está a ceifar vidas em todo o mundo.