CPLP, força e fraquezas…
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A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como “foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação”, é uma Comunidade de Estados (9), fundada em 17 de Julho de 1996 (está à beira dos 25 anos), tendo como fundadores Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé Príncipe, e tendo integrado depois Timor-Leste pós independência e em 2014 a Guiné Equatorial, com polémica adesão.
Tem como Observadores Associados (19), a República da Ilha Maurícia (2006), o Senegal (2008) a Geórgia, a República da Namíbia, a República da Turquia e o Japão (2014), a Hungria, a República Checa, a República Eslovaca e a República Oriental do Uruguai (2016), e o Grão-Ducado do Luxemburgo, o Principado de Andorra, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a República da Argentina, a República do Chile, a República Francesa, a República Italiana, a República da Sérvia e a Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (2018), o que engloba potentados mundiais e faz pressupor uma capacidade de penetração, influência e realização de dimensões consideráveis.
Tem ainda como Observadores Consultivos, 99 organizações, envolvendo Fundações, ONGD, IPSS, plataformas de organizações, instituições de ensino, confederações e organizações de âmbito empresarial e sindical ou relativas a profissões liberais, específicas de saúde, ciência, arte e cultura e também prestadores de serviços, o que promove a articulação dos Estados com a sociedade civil, fazendo crer nas potencialidades da democracia representativa e a da democracia participativa como promotores do Desenvolvimento em paralelo.
Os múltiplos (86) acordos, protocolos e convénios entre os seus membros, a sociedade civil e outras organizações internacionais reforçam os laços, alargam as ferramentas e criam as condições objetivas para uma dimensão incomensurável de atos, realizações e intervenções no mundo global, transformando-o nas suas condicionantes deletérias e na aquisição de bem-estar comum.
Podia assim, pelo elevado número de países e organizações interessados e envolvidos, esperar-se um enorme sucesso desta conjugação de forças, ao mais alto nível (os Estados) e no terreno (a sociedade civil), traduzido por objetivos comuns, por realizações conjuntas, por financiamentos adequados aos projetos a desenvolver, por solução de problemas que deixassem de o ser, por temáticas de inovação que favorecessem o desenvolvimento sustentável e a paz.
Faz todo o sentido a existência de uma Comunidade deste tipo, em que a lusofonia é padrão, considerando que a língua portuguesa não é propriedade de Portugal, mas dos povos que falam português, e que seja forte nos objetivos e na intervenção-ação, unindo os seus membros, defendendo a ação climática e a era digital, combatendo a desigualdade, promovendo a qualidade de vida, melhorando a sustentabilidade do Universo.
Os mais recentes documentos da CPLP (2019), pré-pandemia, como o Documento Estratégico de Cooperação da CPLP 2020-2026, o Manual de Cooperação e o Regimento da Reunião de Pontos Focais da Cooperação, não nos podem fazer ignorar os problemas de funcionamento, agilização, consenso e intervenção que a CPLP tem pendente e que, caso resolvidos, beneficiariam os povos integrantes, melhorando a comunicação e gerando reconhecimento da CPLP, tal como acontece em The Commonwealth (com 54 Países) e na Organisation Internationale de la Francophonie (com 57 Estados-Membros e 20 Países Observadores).
A própria Espanha (que tem hispanofonia em 135 países e territórios, ainda que fundamentalmente em 55 deles, sendo o idioma mais falado em 27), na Cimeira Luso-Ibérica em Outubro de 2020, admitia a candidatura a Observador Associado da CPLP, através do primeiro-ministro Pedro Sánchez, declarando que tanto o espanhol como o português, podem desempenhar, no conjunto da comunidade internacional, o desenvolvimento social e a promoção da ciência e da informação.
Na mesma ocasião, o primeiro ministro português António Costa, afirmou que os dois países vão estar conectados por cabo, com a América Latina e com África, sendo um grande ‘hub’ da conectividade digital entre a Europa e o resto do mundo, e sendo fundamental a valorização das Línguas, traduzindo conhecimento, cultura, ciência.
Para além de cardápio de intenções e de ações meritórias concretas, restam os problemas, que também são relevantes, e dos quais vamos abordar alguns e seu enquadramento.
Para gerir uma estrutura é necessário financiamento obviamente, que vem do orçamento dos próprios Estados, mas em que o atraso constante e o incumprimento do pagamento das contribuições de alguns Países, leva a dificuldades de rentabilização e gestão de quadros, além de demora na concretização dos acordos que estão no papel.
Em Março de 2020, os Estados-membros deviam à CPLP 3,8 milhões de euros de quotização em atraso, sendo o Brasil o maior devedor e S. Tomé e Príncipe o País com maior número de contribuições por pagar. Então, só Portugal, Cabo Verde, Timor-Leste e Angola tinham pago as verbas relativas a 2019. Até a Guiné Equatorial, com riqueza natural e autocracia, País muito contestado pela aceitação da sua entrada na CPLP, tinha em dívida quase meio milhão de euros.
De facto, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP em 2014 sofreu forte contestação política e das organizações da sociedade civil, dada a existência de pena de morte, violação de direitos humanos, limitações de liberdades civis e políticas, julgamentos forçados e perseguições por delito de opinião no seu território.
Admite-se que essa admissão tenha sido um erro, pois a falta de respeito pelos direitos humanos ainda não foi ultrapassada, o uso do português não foi incrementado e continuou a corrupção endémica, o nepotismo liderado por Teodoro Obiang (Presidente) e a repressão e violência do regime, sendo hoje apontada a saída da Guiné Equatorial da CPLP pelos humanistas como adequada, o que conduziria à revitalização e credibilização da própria CPLP.
No entanto, o Conselho de Ministros da CPLP elogiou, com satisfação, o empenho da Guiné Equatorial no seu processo de integração na CPLP. Curiosamente, no passado mês de Março de 2021, a Guiné Equatorial reivindicava a presença ativa da CPLP no terreno, perante a escalada de explosões no País, por ter experiência na gestão de crises e poder colaborar em assessoria, recursos humanos e logística. E, no entanto, a promessa de abolição da pena de morte há 7 anos, continua por cumprir…
A ajuda humanitária da CPLP, necessária e útil como compete a uma Comunidade desigual, é verbalizada mediante sucessivas catástrofes e calamidades naturais, tal como em situações de conflito armado, mas socorre-se do quadro das Nações Unidas e da União Europeia, não demonstrando capacidade de intervenção poderosa, autónoma e seu devido reconhecimento pelos Países no apoio às vítimas e na conciliação entre as partes envolvidas, e discriminando apoios (ou a sua ausência) entre organizações não governamentais credíveis e simultaneamente Membros Observadores Consultivos da própria CPLP.
Dirigi uma ONG na CPLP que prestou ajuda humanitária e ajuda ao desenvolvimento a 600.000 beneficiários, nomeadamente, no caso da ajuda humanitária, às vítimas do tsunami no Sri Lanka, do terramoto no Haiti e das cheias nas Filipinas com apoio da sociedade civil portuguesa e das Nações Unidas. Apenas na ajuda humanitária pós-massacres em Timor-Leste e nas cheias de Moçambique, tivemos apoio do Estado Português (e não da CPLP), além do apoio da União Europeia no caso de Timor-Leste e na situação de guerra na Guiné-Bissau entre Ansumane Mané e Nino Vieira.
Em 2017, foi criado o Protocolo de Ações de Respostas a Situações de Catástrofes da CPLP, como instrumento de manutenção de paz e segurança, centrado na componente militar e subvalorizando a componente civil, tendo como principal objetivo a cooperação entre os Estados-Membros para ações coordenadas de resposta em situações de catástrofes.
Decorridos 4 anos, em que situações foi aplicado o Protocolo? Está constituída uma Força de Assistência Humanitária Lusófona que prosseguiria os objetivos traçados? Existe o Good Humanitarium Donorship desde 2003 (a que Portugal aderiu em 2006) acordado por doadores e atores humanitários, um Consenso Europeu em matéria de Ajuda Humanitária desde 2008 e uma Estratégia Operacional de Ajuda Humanitária e de Emergência do Governo Português desde 2015, mas… e a CPLP?
No que diz respeito aos conflitos armados, estivemos em Timor-Leste, em 2000 / 2001, a prestar ajuda humanitária em saúde na zona montanhosa central em Maubisse, Turiscai, Hatu-Builico, Manufahi e Maulau, apoiando e sendo apoiados pela União Europeia, pelo Alto Comissariado de Portugal para a Transição de Timor Leste e por uma força militar portuguesa estacionada em Maubisse, distrito de Ainaro, não havendo nenhuma força conjunta da CPLP.
Nos sucessivos conflitos armados na Guiné-Bissau desde 1998, houve participação da CPLP na sensibilização internacional, fundamentalmente através dos Países nas Nações Unidas, em que o Brasil teve a presidência da Configuração da Comissão de Consolidação da Paz e a Guiné Equatorial a presidência do Comité de Sanções para a Guiné-Bissau do Conselho de Segurança, mas foram as forças de interposição (ECOMIG) da Missão da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) que estiveram no terreno, apoiadas pela União Europeia por influência de Portugal, e não a CPLP.
O primeiro Acordo Geral de Paz em Moçambique em 1992 (ainda não havia CPLP) teve como mediador a Comunidade de Santo Egídio (Itália), o segundo acordo foi em 2014 (sem envolvimento da CPLP), e o terceiro acordo de paz foi em 2019 (novamente sem envolvimento da CPLP), limitando-se depois a uma Missão de Observação Eleitoral (como em S. Tomé e Príncipe em 2018 e na Guiné-Bissau em 2019), não estando também envolvida militarmente agora em Cabo Delgado, por vontade própria e assunção de autonomia e soberania de Moçambique.
A CPLP, a pedido do Governo de Moçambique, está apenas a sensibilizar a comunidade internacional para o problema de Cabo Delgado e para a necessidade de reforço da cooperação prevendo-se, no entanto, um reforço da ajuda humanitária e da ajuda ao desenvolvimento e, possivelmente, ajuda na formação de forças especiais de Moçambique, via Portugal e União Europeia.
Quanto à ajuda ao desenvolvimento, e através de sucessivos projetos que dirigi em Portugal desde 1993 até 2016, como líder de ONGD que era uma associação de profissionais de saúde dos Países de Língua Portuguesa, foi um desconsolo absoluto a ausência de apoio da CPLP.
Tivemos o apoio da União Europeia para a Guiné-Bissau, das Nações Unidas para a criação da primeira Unidade de Saúde Familiar internacional modelo português, da Fundação Calouste Gulbenkian para Cabo Verde, da Câmara Municipal de Coimbra para Moçambique, Cabo Verde e Macau, da Associação Latino Americana para a Cooperação para o Brasil, do Governo Português para S. Tomé Príncipe, do Governo da Região Administrativa Especial de Macau para formação em saúde, entre outros apoios, além da comunidade e da própria organização (como por exemplo a formação em saúde em Cabo Verde, Índia / Goa e China (Cantão / Guangzhou).
Outras dezenas de projetos de ajuda ao desenvolvimento elaborados pelas nossas equipas não foram aplicados, por falta de apoio de qualquer organização da CPLP e outras, em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Brasil, Portugal, Timor-Leste e S. Tomé e Príncipe, o que desiludiu uma organização de voluntariado que, na sua definição, tinha a promoção da lusofonia como mote e servia os interesses dos Estados-Membros.
Apesar dos louvores do Ministro da Saúde de Timor-Leste, da Ministra da Saúde Pública da Guiné-Bissau, do Governo do Sri Lanka e do Governo da República das Filipinas, do agradecimento e convites institucionais pelo trabalho profissional e organizativo feito por Presidentes da República, Primeiros-Ministros, Embaixadores e líderes oficiais e comunitários por todo o mundo, da CPLP obtivemos… cortesia.
Em 2019 (12 de Setembro), a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução sobre a cooperação entre a ONU e a CPLP, no âmbito dos direitos humanos, erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável e manutenção de paz, reconhecendo o impacto de eventos climáticos extremos e a importância da assistência humanitária. Acreditamos.
Requer-se um lema e uma ação convergente com parangonas e eficácia, que permita aos cidadãos da CPLP a valorização da lusofonia, o interesse da multiculturalidade, a promoção da economia social solidária e o reconhecimento da fraternidade, e tal pode ser incentivado pela livre circulação dos cidadãos da CPLP entre os seus Países.
O Acordo sobre a Mobilidade na CPLP em apreciação pode ser um pequeno passo para cada um de nós, mas será um grande passo para a promoção da igualdade, para a aplicação dos direitos humanos e para o desenvolvimento sustentável 2030 na CPLP.
Rudolph Virchow (1821-1902), médico, precursor do direito à saúde, paladino da justiça social, cientista e cidadão revolucionário, membro do Partido Progressista, disse: “Aceitar uma hipótese não demonstrada é como navegar num barco furado. Factos!”.
Acreditamos. No Ser Humano e na Humanidade.