Crónica de uma morte anunciada
- Political language is designed to make lies sound truthful and murder respectable, and to give an appearance of solidity to pure wind. (George Orwell)
- Europe is a garden. Most of the rest of the world a jungle. The jungle could invade the garden. The Jungle has a strong growth capacity. (Josep Borrell)
O Ocidente optou pela infantilização da sociedade. Privando-a de dados e de informação, capturou-a, embotou-lhe o instinto de indagação e entregou-a aos ditames aleatórios da propaganda. A própria imprensa deu já sinais – que eu admitiria inconcebíveis no nosso paradigma social – de autoritarismo, censurando articulistas e vozes dissonantes. Tenho, de há uns meses para cá, feito uso de textos de opinião para desinquietar consciências e distanciá-las do fatalismo de pensamento em que se enredaram. Que ganhei com isso? Ter sido banido.
A aliança ocidental militar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), “declarou” uma nova guerra fria à Rússia, estendida a outros países como a China. E, enquanto se agrava o conflito, seja no campo da batalha militar, que é a Ucrânia, seja na frente económica, sob a forma de sanções, seja no campo ideológico e cultural, pelo cancelamento da cultura russa (condenado por Sergio Mattarella, presidente de Itália) e diabolização daquele país, verifica-se um inédito fenómeno de censura e de controlo governamental dos órgãos de comunicação, que transpõe a barreira “oficial” e se alarga a jornalistas independentes e aos media alternativos.
Este fenómeno não poupa sequer alguns dos mais notáveis jornalistas de investigação, como Seymour Hersh, acariciado com o Prémio Pulitzer, alvo também de censura na plataforma Facebook, no tocante à sua investigação sobre a sabotagem dos gasodutos Nord Stream, um projecto europeu e não apenas russo, cuja metade dos encargos coube a empresas alemãs, francesas e neerlandesas.
Têm sido frequentes as intervenções de activistas em think tanks (gabinetes estratégicos de discussão) e em encontros de jornalistas. Recentemente, numa conferência de jornalistas norte-americanos sobre liberdade de imprensa, na presença de jornalistas do The New Yorker, da CBS News, de Vivien Goldman e de Anna Nemzer, editora da TV Rain, a intervenção de dois convidados que aludiram à detenção de Julian Assange, ao banimento da língua russa pelas autoridades ucranianas e à ilegalização de partidos políticos, à invasão do Iraque e à morte de um milhão de pessoas baseada em mentiras, bem como à ausência de Seymour Hersh no painel, causou um confrangedor incómodo.
O mesmo constrangimento foi sentido quando o activista Jose Vega fez perguntas inconvenientes sobre Seymour Hersh, acerca da sabotagem da rede de gasodutos Nord Stream e a propósito da demissão de Tucker Carlson (apresentador de televisão, comentador e analista político norte-americano), a um painel de jornalismo e liberdade de imprensa, na Universidade de Columbia, perante o editor-chefe do New York Times e representantes dos jornais The Washington Post e Los Angeles Times e da agência noticiosa Reuters.
Também os jornalistas George Eliason (autor da peça jornalística “That’s why I’m here”) e Janus Putkomen, ambos a trabalharem na região de Donbass, têm sido silenciados ao máximo na imprensa ocidental. Não é muito diferente do que se passa com o português Bruno Amaral de Carvalho.
Udo Ulfkotte, que trabalhou 17 anos para um dos mais importantes jornais alemães, o Frankfurter Allgemeine Zeitung, sendo jornalista durante 20 anos, descreveu, na sua obra “Journalist for Hire”, os métodos usados pelo regime norte-americano para controlar a influência dos media da Alemanha: “Fui educado para mentir, para trair e para não dizer a verdade ao público. Sei que o que fiz no passado foi errado e isso inclui ter manipulado as pessoas e ter feito propaganda contra a Rússia”. Udo Ulfkotte morreu de forma misteriosa.
O jornalista e cientista político independente Gilbert Doctorow afirmou, não há muito tempo, que o aparelho militar russo destruiu um bunker onde se encontrariam centenas de oficiais da OTAN, dos quais 200 generais de topo que foram abatidos. O silêncio dos media ocidentais sobre esta matéria manchou o jornalismo. Da mesma forma, o silenciamento em torno da repressão religiosa actual sobre crentes da Igreja Ortodoxa russa na Ucrânia (o caso paradigmático é o de Kiev-Pecherska Lavra, também conhecido como Mosteiro das Cavernas de Kiev) não tem precedentes. Há relatos (escritos e filmados) de igrejas queimadas (St. Job de Pochaev, em Chernivtsi, por exemplo) e de crentes humilhados nos “corredores da vergonha”, em várias localidades ucranianas.
A recente demissão de Tucker Carlson da Fox News, pense-se o que se quiser do jornalista e da sua motivação ideológica, admite somente uma leitura: as forças inibidoras do nosso mundo estão a funcionar.
Entretanto, o silêncio dos inocentes continua: a desdolarização está em curso, 19 países pretendem unir-se aos BRICS (agrupamento de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento económico: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e, a 29 de Abril, ocorreu a Conferência Global Multipolar – 2023 (Global Conference on Multipolarity – 2023), com intervenções de jornalistas, de cientistas políticos, de filósofos, de economistas, de escritores e poetas, de professores universitários, de arquitectos, de agentes culturais e de políticos de uma imensidão de países das mais diversas regiões do Mundo, incluindo o mundo ocidental (Suíça, Polónia, Áustria, Finlândia, etc.). Não é já possível ocultar o que está a acontecer. É o princípio do “fim do mundo”, como o conhecemos. Foi, em parte, isso o que explicaram Alexander Dugin, Pepe Escobar, Alexander Wolfheze, Dimitros Konstantakopoulos, Sergey Glazyev, Konstantin Malofeev, Keith Bennett e Eliseo Bertolasi, entre tantos outros.
Num discurso impiedoso, Konstantin Malofeev afirma: “O liberalismo, o liberalismo global, está morto. Aquilo que Francis Fukuyama acreditou ser o fim da História, o que foi apresentado aos povos não apenas como o fim da História mas o seu pináculo, a chegar ao destino final – uma sociedade ideal absoluta saída da democracia liberal Ocidental –, acabou por ser uma mentira. Verificou-se que o mundo da democracia liberal é um mundo de caos, violência, segregação, racismo e de ódios universais. É um mundo governado pelas minorias. Para começar, a minoria ocidental pretendia governar a maioria mundial. […] Mas esse tempo passou. […] A perspectiva civilizacional implica que as diferentes civilizações são iguais.”
Posicionada de um dos lados, a imprensa ocidental mistura factos e opiniões e não consegue esconder a farsa de que a maioria das redacções dos jornais (e dos seus conselhos editoriais) se tornou um gabinete estratégico e uma linha avançada ao serviço do mundo unipolar norte-americano. Eis-nos chegados a um tempo em que jornalistas silenciam jornalistas. Mas, nesse exercício perverso, jogam contra si mesmos.
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Nota do Director:
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04/05/2023