Dados recolhidos nos Açores utilizáveis por entidades estrangeiras

 Dados recolhidos nos Açores utilizáveis por entidades estrangeiras

GNR pede aeronave da Frontex para patrulhar o mar dos Açores. (Créditos fotográficos: Aris Messines / Getty Images – expresso.pt)

A questão da aeronave da Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira), um Beechcraft que patrulha o mar dos Açores continua a preocupar militares das Forças Armadas (FA), sobretudo da Força Aérea Portuguesa (FAP) e da Marinha, afastadas desta operação.

O aparelho pertence à companhia inglesa DEA, especializada em operações de recolha de informações, vigilância e reconhecimento e, como todos os aparelhos congéneres, está equipado com tecnologia sofisticada, como radares, equipamento eletro-ótico, sensores, comunicações por satélite, com capacidade de georreferenciação para mapear toda a costa e toda a área marítima.

Nos termos constantes do seu site oficial, “pioneira na recolha de dados aéreos”, a DEA “utiliza técnicas inovadoras e as tecnologias mais avançadas e inovadoras do setor” e as suas plataformas, “equipadas com uma vasta gama de sofisticadas e altamente poderosas capacidades de vigilância tecnológica, são capazes de “reunir dados de alta qualidade para apoiar uma série de atividades, impulsionadas pela mais recente tecnologia”. Ou seja, aplicam-se a operações de “Intelligence, Surveillance and Reconnnaissance” (ISR) – informações, reconhecimento e vigilância.

Alguns generais já se tinham manifestado indignados por a missão não ter sido pedida à FAP ou à Marinha. Acresce o receio de os dados recolhidos poderem ser utilizados por forças ou por entidades estrangeiras

Segundo fontes militares que acompanham a missão, a aeronave voa uma média de quatro a seis horas por dia. E fonte da Guarda Nacional Republicana (GNR) disse que a solicitação foi feita para “garantir a vigilância da fronteira externa da União Europeia (UE)” e que duraria cerca de um mês, entre outubro e novembro.

General João Guilherme Cartaxo Alves (www.emfa.pt)

Alguns generais já se tinham manifestado indignados por a missão não ter sido pedida à FAP ou à Marinha. Agora, acresce o receio de os dados recolhidos poderem ser utilizados por forças ou por entidades estrangeiras, pois alguns dos equipamentos do Beechcraft servem a espionagem.

Questionado sobre este ponto, bem como sobre que salvaguardas terão sido tomadas para garantir que os dados recolhidos, imagens e outros, só fossem utilizados pelas autoridades portuguesas e se estes voos são acompanhados em permanência pelas nossas autoridades, o comando-geral da GNR tem mantido silêncio.

Por sua vez, o general Cartaxo Alves, porta-voz oficial do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), que afirmara que a FAP não recebeu “qualquer solicitação da GNR” para esta missão, reiterou que a FAP “não participa na operação” e que, “de acordo com a lei e no âmbito das capacidades de vigilância e patrulhamento marítimo e terrestre, executa missões que visem assegurar, no espaço estratégico de interesse nacional, a vigilância e o controlo das fronteiras marítimas, das atividades de contrabando aduaneiro, de tráfico de estupefacientes e de imigração ilegal, entre outras”. Para tal, tem as modernizadas aeronaves P-3C CUP+ e as C-295M.

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O P-3C CUP+ (que resulta de um programa de modernização de 5 P-3C adquiridos à Holanda, tendo o protótipo sido formalmente entregue em setembro de 2010, e que iniciou a sua operação a 1 de janeiro de 2011, cujo “Batismo de Fogo” foi efetuado na Operação “Ocean Shield”, ao serviço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) no Oceano Índico, em missões de combate à pirataria com excelentes resultados e com uma prontidão de 100%) mantém todas as capacidades de patrulhamento marítimo herdadas do P-3P, nomeadamente Luta Antissubmarina (ASW), Luta Antissuperfície (ASuW) e Busca e Salvamento (SAR). Além disso, está capacitado, por sensores modernos associados a um sistema tático de missão completamente integrado, a operar também em diversas missões em ambiente terrestre. Ficou ainda equipado com um sistema de autoproteção MLWS (Missile and Laser Warning System), que permite a deteção de ameaças e o disparo de contramedidas.

Uma aeronave P-3C Cup+ (© Força Aérea Portuguesa)

A conjugação destas capacidades com as caraterísticas inatas da aeronave, onde se destacam a enorme autonomia, o raio de ação, a velocidade, a disponibilidade para transportar sensores e armamento, operar de dia e de noite e em quaisquer condições meteorológicas, resultaram num sistema de armas extremamente versátil e flexível. Assim, tem a capacidade de lançar o seguinte armamento: AGM-84 HARPOON, AGM-65F/G MAVERICK, Torpedo MK-46 A(s), Bombas MK-82/83/84 e Minas MK 36.

Já o EADS C-295M – certificado para operações em quaisquer condições meteorológicas, em condições de regras de voo visual (VFR) e em regras de voo por instrumentos (IFR) – é um avião de construção metálica, de asa alta, com um grupo propulsor constituído por dois turboprop, fuselagem e cabina de voo pressurizadas e trem de aterragem retrátil. Foi desenhado e construído com a finalidade de transporte militar de médio e curto alcance, com a parte traseira da fuselagem equipada com uma rampa/porta hidráulica que proporciona uma diversa variedade de missões, tal como o transporte de tropas e carga, evacuações médicas, vigilância e lançamento de cargas.

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General Luís Evangelista Esteves de Araújo (www.emfa.pt)

O general Luís Araújo, ex-CEMFA, reagiu: “Isto é um atentado direto à nossa soberania. É óbvio, que, podendo e não sendo tomadas medidas de salvaguarda, qualquer país ou empresa estrangeira, e os ingleses não são exceção, vão aproveitar toda a informação que aqui for recolhida, para usar em benefício próprio ou de algum cliente.” Com efeito, não duvida de que a situação “afeta a nossa soberania, a nossa visão estratégica de ter o mar como um dos pilares da nossa soberania”.

Na opinião do general, isto é grave para a segurança do país. E à UE mostramos “erradamente” que não temos capacidade para vigiar as nossas áreas de soberania e, por consequência, as fronteiras externas da UE. A GNR pediu à Frontex um avião, quando a FAP tem feito tais missões com os referidos P-3C CUP+, que “têm todas as capacidades e equipamentos sofisticados que são precisos para fazer o patrulhamento nesta área que é um pilar da nossa soberania”.

O general Luís Araújo não duvida de que a situação “afeta a nossa soberania, a nossa visão estratégica de ter o mar como um dos pilares da nossa soberania”

O ex-CEMFA sublinha que “temos uma projeção no mar impressionante, quer do ponto de vista da segurança e defesa, como ambiental, recursos e economia” e que “a proteção do mar, em toda a sua profundidade, é tão importante como o espaço aéreo”. E, recordando que estamos a negociar o alargamento da plataforma continental (nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada a 14 de outubro de 1997 – Resolução da AR 60-B/1997 e Decreto do Presidente da República 67-A/97), em que o país se propõe exercer a soberania sobre um dos territórios marítimos mais extensos da Europa (mais 4,5 milhões de quilómetros quadrados), receia que isto seja entendido como “sinal de incapacidade”. Por isso, não percebe como a ministra da Defesa defendeu a iniciativa da GNR, como se fosse normal, e questionou qual foi o papel do almirante Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (António Silva Ribeiro), a quem incumbe fazer a articulação com o Sistema de Segurança Interna (SSI).

Tenente-general piloto aviador Alfredo dos Santos Pereira da
Cruz (ultramar.terraweb.biz)

Alfredo Cruz, tenente-general da FAP, na reforma, ex-comandante operacional nos Açores, acompanha as apreensões de Luís Araújo, questionando o que ali faz um avião civil e qual é o papel das FA, da Marinha e da FAP. Com efeito, a Frontex apoia países que não têm capacidade para vigilância marítima e Portugal é dos países com mais capacidades nessa área, em que se investiram “centenas de milhares de euros nessa capacidade que é das melhores da Europa”.

Diz conhecer “a realidade geoestratégica açoriana” e que “as únicas ameaças viáveis são o tráfico de droga” que não se combate com um avião da Frontex, que só pode agir nas águas territoriais (12 milhas) ou contíguas, pois o tráfico de droga vai muito para além disso.

O problema, segundo o general, é: “Com esta área marítima tão grande, se não formos capazes de vigiar a nossa área, outros o farão por nós. E isso é o cerne da questão. Põe em causa a nossa soberania. Nem a GNR, nem o Ministério da Administração Interna, nem o Ministério da Defesa foram ainda capazes de explicar o que anda o avião a fazer que não pudesse ser feito por nós. A coordenação desta missão devia ser entregue à FAP e sermos nós a fazê-la.”

Para Alfredo Cruz há três áreas críticas de que não se pode abrir mão: a defesa aérea, a vigilância marítima e a busca e salvamento. Com efeito, “o mar é, desde a nossa fundação, um desígnio nacional” e os políticos não perceberam “o problema fundamental que é a soberania nacional”. Ora, um requisito para a extensão na Plataforma Continental é a capacidade de vigilância contra as ameaças aos fundos marinhos. E não se pode lá plantar um avião sem articulação com a Autoridade Marítima Nacional e com a FAP.

“Com esta área marítima tão grande, se não formos capazes de vigiar a nossa área, outros o farão por nós. E isso é o cerne da questão. Põe em causa a nossa soberania”, afirma o general Alfredo Cruz

E o almirante Melo Gomes, ex-Chefe do Estado-Maior da Armada (ex-CEMA, que alertara para a questão de a soberania poder estar em causa, diz que hoje “espionagem” se faz pela agregação sucessiva de informação, sendo os elementos da nossa Zona Exclusiva Económica (ZEE) dos Açores muito úteis no domínio económico e no militar. Por conseguinte, conviria saber se há alguém (português) qualificado a bordo e no centro de análise de dados para efetuar o controlo.

A seu ver, “o princípio da subsidiariedade deve ser a regra e a Frontex não se deve sobrepor à ação prioritária dos Estados”. Portanto, não cabe à Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR formular pedidos de apoio externo em questões que se prendem com a soberania.

Enfim, quando é o nosso país e os Portugueses a fazerem este serviço, sabemos que os dados obtidos são informação para uso nacional, a favor de Portugal. Qualquer fuga de informação é crime e pode ser utilizada contra os nossos interesses coletivos. No caso vertente, estamos a hipotecar o nosso interesse a uma organização internacional (de um país fora da UE), que, usando meios de outro país em prol dos seus próprios interesses, pode obter informações que não sabemos como serão usadas e, sobretudo, se não serão usadas para delapidar recursos nossos, sendo tão apelativa a nossa zona marítima de interesse. Foi o Reino Unido, que não tem, a nível diplomático, inimigos permanentes nem aliados para sempre, que nos impôs condições no caso do “mapa cor-de-rosa”. E agora somos nós que lhe pedimos que “atente” contra a nossa soberania.

Hugo Costeira, presidente do OSI. (twitter.com/costeira_hugo)

Ao invés, Hugo Costeira, presidente do Observatório de Segurança Interna (OSI) lamenta que se arrasem as ações da GNR, “perfeitamente enquadradas na legislação nacional e internacional”. E sustenta que temos de ser intelectualmente honestos para sabermos que o equipamento usado nestas missões pode, em abstrato, ser usado em missões de espionagem, mas que não é o caso. Em sua opinião, agora, a preocupação é arrasar as ações da GNR, sobretudo na relação entre Portugal e a Frontex, e insultar, transversalmente, os parceiros internacionais, a NATO e a UE.

Para o perito em segurança, o preço da soberania é inferior ao ódio destilado contra a GNR. E isto pode ter um preço diplomático: Portugal não confia nos seus “aliados”, quando são tantas as ações militares, policiais e de inteligência desenvolvidas em cooperação com as FA, com forças de segurança e com o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP)! Assim, recomenda que não se denigra a imagem e o bom nome de Portugal, se respeitem as instituições e o trabalho delas. E acha que o Presidente da República, em nome do sentido de Estado, deve pôr ordem na casa e impedir estes ataques sistemáticos à GNR. 

Por mim, lamento estas guerrinhas entre quem deve servir a defesa e a segurança, mas as operações de vulto devem ser concertadas a nível superior e entre as partes em causa.

21/11/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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