Dar (levar) um puxão de orelhas

 Dar (levar) um puxão de orelhas

(ensinarhistoria.com.br)

Podemo-nos dar por muito contentes pela circunstância de vivermos num tempo em que levar ou dar uma repreensão com um puxão de orelhas é um acto que, mesmo efectivado realmente, é uma coisa passageira.

Página decorada das Ordenações Afonsinas,
uma compilação legal da História do Direito de
Portugal. (pt.wikipedia.org)

E, até o acto, se for consumado objectivamente, sobre uma criança é algo antipedagógico e pode configurar um crime. Como os tempos estão mudados!

Antigamente, não se puxavam orelhas, cortavam-nas. A própria lei prescrevia nas Ordenações Afonsinas que aos ladrões fossem cortadas as orelhas. Esta lei era cumprida assiduamente. Vasco da Gama relatou que mandou cortar 800 orelhas e, séculos depois, o general Gomes Freire de Andrade terá mandado cortar 7800, ao abrigo da famosa Lei da Marca em “F”, conhecida quanto à “autorização de se cortar a orelha de pretos presos nos quilombos”, como regista o “site” MG Quilombo (O Quilombo Minas Gerais), num artigo que narra a versão dos oprimidos e o outro lado do 1.º Conde da Bobadela. Em 4 de Abril de 1733, Gomes Freire de Andrade tinha sido nomeado para governar, por apenas três anos, a Capitania do Rio de Janeiro, mas acabaria por governar também a Capitania de Minas Gerais e todo o Sul do Brasil.

Sosseguem! Agora, já não se cortam orelhas, elas passaram a ser, apenas, puxadas. Todavia, quando damos ou levamos um puxão de orelhas é só uma forma de dizermos que demos ou levámos um raspanete. É um acto apenas verbal, nada de físico.

Ah, se as Ordenações Afonsinas estivessem ainda em vigor, haveria muito boa gente que teria muita dificuldade em colocar as máscaras de protecção para evitar a covid-19! A este respeito, recorde-se que o uso de máscaras em estabelecimentos de saúde ou de apoio a idosos deixou de ser obrigatório, segundo um decreto-lei aprovado pelo Governo, em 6 de Abril deste ano.

A ordem jurídica portuguesa encontrava-se nas Ordenações do Reino, que compreendiam, inicialmente, as Ordenações Afonsinas, em seguida, as Ordenações Manuelinas, e por fim, as Ordenações Filipinas. (jusbrasil.com.br)

O Dicionário Online de Português regista que a expressão “puxão de orelha”, em sentido figurado, significa uma “advertência, normalmente realizada por uma pessoa em posição hierárquica superior, que busca repreender uma a[c]ção cometida por um subordinado”. Num entendimento generalizado, esta expressão corresponde a uma descompostura ou crítica.

Ainda recentemente, em 14 de Novembro de 2022, foi noticiado que o Tribunal da Marinha Grande condenou uma professora que puxou as orelhas a dois alunos à pena única de 90 dias de multa, à taxa diária de seis euros.

(Créditos fotográficos: Nurulanga – sicnoticias.pt)

“Um puxão de orelhas dado por um professor não é admissível nos dias de hoje”, observou a juíza na leitura da sentença, considerando que – como escreve o jornalista José Carlos Duarte, da agência Lusa – é exigível que os professores tenham outra abordagem para com os alunos. Por conseguinte, a juíza reforçou que o “tempo da velha escola já passou”.

Por sua vez, o semanário regional O Mirante, na sua edição de 29 de Abril do corrente ano, adianta que reprimir ou “educar as crianças à palmada ou com puxões de orelhas é um acto abusivo e retrógrado que precisa de ser desmistificado e as mentalidades alteradas”. Essa convicção decorreu da palestra “Nem mais uma palmada” realizada na Escola Secundária de Benavente, que pretendeu alertar para a necessidade de prevenir os maus-tratos na infância.

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04/05/2023

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Vítor Duque Cunha

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