De baixo para cima
Temos vindo a assistir, nos últimos tempos, a vários protestos em defesa do clima e do ambiente. Estamos cada vez mais conscientes da necessidade e da urgência de proteger o mundo em que vivemos. E é natural que sejam os jovens quem mais protesta e se preocupa, embora seja difícil perceber como é que atentar contra obras de arte, atirando-lhes tinta ou sopa para cima, ou pintar fachadas com tintas produzidas com recurso a produtos fortemente poluentes, de custosa limpeza, resolverá o problema.
O que muitos ignoram, ou esquecem, é que uma boa parte do impacto ambiental resulta de atividades que consideramos inócuas ou, até, ecológicas, como o crescente recurso a tecnologias da informação e comunicação (TIC). Quantas pessoas saberão que as TIC têm uma elevada pegada ecológica e quantas pessoas – incluindo os mais acérrimos ambientalistas – estarão dispostas a abdicar da chamada sociedade da informação e da utilização intensiva de um sem-número de aplicações residentes nos seus dispositivos móveis?
Vivemos num mundo assente na recolha e no processamento de quantidades incomensuráveis de dados. A informação que facilmente encontramos na Internet acerca de todos os domínios do conhecimento e de atividade reside em servidores que se encontram espalhados pelo Mundo, naquilo que designamos por nuvem (cloud). A todo o momento, são recolhidos dados sobre pessoas, objetos e processos.
A chamada Internet das Coisas interliga todo o tipo de sistemas, recolhendo dados que são processados em diferido ou em tempo-real, recorrendo a software que é executado em múltiplos servidores. O comércio eletrónico funciona à escala global, exigindo o processamento de enormes volumes de transações em linha. Estamos constantemente a aceder a conteúdos de áudio e de vídeo.
Armazenamos os nossos dados na cloud, sem nos darmos conta de que esses dados terão de ser guardados e mantidos em equipamentos computacionais. Utilizamos serviços cada vez mais sofisticados, que recorrem à inteligência artificial e à aprendizagem de máquina, e que exigem o processamento de quantidades massivas de dados. A ciência e a tecnologia avançam graças a aplicações que exigem um imenso poder computacional, só disponível em supercomputadores formados por centenas de milhares de processadores.
As aplicações atrás referidas, a Internet e a popular cloud assentam na existência de centros de dados de dimensão cada vez maior, que exigem quantidades muitíssimo grandes de energia para alimentar os milhares de servidores e unidades de armazenamento de dados que os compõem. Para além de precisarem de energia para funcionar, todos estes equipamentos têm de ser arrefecidos, o que, praticamente, duplica as necessidades de energia. Para além disso, os centros de dados requerem a existência de equipamentos de comunicações e de equipamentos de salvaguarda, o que aumenta os gastos de energia. Um centro de dados de média dimensão necessitará de uma potência que pode ultrapassar os cinco megawatts (MW) e, naturalmente, trabalha 24 horas por dia e sete dias por semana.
Naturalmente, têm sido feitos muitos esforços no sentido de utilizar fontes de energia renovável e de tornar os centros de dados mais eficientes do ponto de vista energético. No entanto, apesar dos constantes esforços, as necessidades energéticas continuam a crescer, já que também a utilização de aplicações fortemente consumidoras de dados e de capacidade de processamento tem crescido. São essas galopantes necessidades de energia que levam a uma tendência de deslocalização dos centros de dados para países mais suscetíveis ao seu acolhimento, bem como a uma maior pressão sobre as autoridades desses países.
Percebemos, agora, o impacto da inocente utilização de todo o tipo de aplicações que usamos persistentemente nos nossos telemóveis e computadores. É claro que a solução para o problema não está em deixar de utilizar esses meios, nem em começar a atirar tinta para cima das pessoas que usam telemóveis, pois, em pouco tempo, todos ficaríamos pintados da cabeça aos pés e o problema continuaria tal como até aí. A solução está em trabalhar para tornar todos os sistemas que estão por detrás das tecnologias da informação e comunicação mais eficientes e menos agressivos para o nosso mundo. Ou seja, em mudar as coisas de forma consistente e sustentada, de baixo para cima. E essa é, também, uma lição que deveremos aplicar em todas as outras áreas.
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12/02/2024