Dia Internacional da Mulher
Desde há alguns anos, no dia 8 de Março, tenho enviado mensagens comemorativas e saudações às minhas amigas, familiares, colegas, colaboradoras, alunas…Tem sido uma pequena homenagem ao aporte que elas, todas elas, me deram e que, mesmo muito, contribuíram na minha vida, também a nível da formação pessoal e do meu trabalho.
Para o efeito, tenho-me socorrido, na maior parte das vezes, de frases, de citações, de excertos de peças de teatro, de pensamentos de poetas e poetisas, bem como de dramaturgos ou de romancistas.
Elogiar o trabalho das mulheres que nos acompanham ou acompanharam na nossa vida é mais do que um tributo. É uma obrigação!
Muitas vezes, pergunto a mim próprio o que teria sido de mim sem o afecto, sem o carinho, sem o acompanhamento e sem a sabedoria que me foram dados pelas mulheres da minha vida: a minha mãe Gabriela, a minha avó Luísa, as minhas tias, as minhas autoras e as professoras que muito me acompanharam na infância e na juventude.
E, mais tarde, as colaboradoras no campo profissional, no teatro: actrizes, figurinistas, costureiras, caracterizadoras e dramaturgas. Não esquecendo, nunca, as centenas – sim, porque foram (e são) centenas – das minhas alunas, que ainda se lembram de mim e me cumprimentam na rua, enquanto eu, envergonhado pelo passar do tempo, tenho de perguntar pelos seus nomes e acerca das escolas nas quais estivemos juntos!
Este dia é, igualmente, de memória e não apenas daquelas mulheres operárias que morreram numa fábrica. É simbólico em relação a todas as lutadoras e trabalhadoras de uma vida desigual e sem direitos, assim como de todas aquelas que, ainda hoje, procuram reforçar o caminho para a igualdade, mantendo o Mundo em movimento, sejam elas cientistas, artistas ou trabalhadoras indiferenciadas e, sobretudo, mães.
Refira-se que, no início do século XX, era controversa e variável a data em que o dia era assinalado, até ao reconhecimento oficial pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Dezembro de 1977. Esta data é importante porque nos alerta para o facto de muitos dos direitos das mulheres continuarem por cumprir em diversos pontos do planeta. Entretanto, essa conquista diária permite-lhes já ocupar muitos lugares que a sociedade, pouco a pouco, lhes abre, mesquinhamente, para a realização dos seus sonhos.
Neste ano, fui buscar uma pequena citação de uma actriz que só conheci através do cinema: María Casares (Coruña, 1922 – Alloue, 1996). Galega, franco-espanhola, “musa” do escritor e dramaturgo Albert Camus, Maria Casares foi intérprete das suas peças e companheira em parte da sua atribulada vida.
María Casares foi uma brilhante actriz de teatro e de cinema. Belíssima, como se pode ver nas fotografias, ela iluminou os palcos e os ecrãs com o seu rosto, nos filmes de Robert Bresson, de Jean Cocteau, de Christian-Jacque, de Marcel Carné, de Goran Paskaljević e de Michel Deville.
Na publicação das suas memórias1, intitulada “Residente Privilegiada”, María Casares recorda a sua relação com o escritor Albert Camus, na frase que cito (de Casares a Camus): “La felicidad que me das existiendo por el mero hecho de existir (cerca o lejos) es grande pero un poco vaga, un poco abstracta, y la abstracción nunca ha colmado a una mujer.”
Entre as muitas memórias que conservo desta actriz, destaco um breve momento, num documento sobre o Festival de Teatro de Avignon, interpretando a Lady Macbeth, com encenação de Jean Vilar, no ano de 1954.
A cena não está na Internet, lamentavelmente, mas a peça/texto, na versão francesa de William Shakespeare, pode ser escutada na íntegra.
O texto de William Shakespeare ressoa assustadoramente trágico na sua voz. Como uma silhueta sonâmbula, ela (Lady Macbeth) deambula pela cena, lutando sem êxito para limpar as suas mãos sujas de sangue, testemunhas do crime:
“Sai, mancha maldita!… Sai, estou fazendo!… Uma! Duas! Está bem, já é tempo de fazer!… O inferno é sombrio!… Que vergonha, meu senhor, que vergonha! Um soldado ter medo? Por que ter medo que acabem sabendo, quando ninguém pode pedir contas a nosso poder?… Mas quem poderia ter imaginado que o velho tivesse ainda tanto sangue no corpo?… […] Como! Estas mãos nunca ficarão limpas?… Basta, meu senhor, basta, […] Há aqui sempre um cheiro de sangue!… Todos os perfumes da Arábia não purificariam esta pequena mão!… Oh! Oh! Oh! […] Lava tuas mãos, veste tua camisola, não fiques tão pálido… Estou repetindo… Banquo está enterrado. Ele não pode sair da sepultura. […] Para a cama! Para a cama! Estão batendo na porta. Vem, vem, dá-me tua mão. O que está feito não pode ser desfeito.” (William Shakespeare. Macbeth, Ato V, Cena I. Trad. F. Carlos de Almeida e Oscar Mendes.)
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Nota:
1 – María Casares: “Me pregunto cuál es la razón vital que me empujó a escribir este libro. Si es que existe alguna. Y si una vez más no es la misma que me proyectó en el teatro, la construcción sin cesar recomenzada de un hogar, de una familia, de raíces reinventadas, de amistades y de amores renovados y sostenidos a pulso”.
Pode-se, igualmente, ler um interessante artigo – Remembranzas de la patria desde el exilio “Residente Privilegiada, de María Casares” – de María Francisca Mourier-Martínez.
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16/03/2023