Diário de guerra (XII)

 Diário de guerra (XII)

O presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, aliado de Moscovo, disse que o seu país está disponível para receber “armas nucleares”, caso haja uma ameaça do Ocidente, no âmbito da crise na Ucrânia. (Créditos fotográficos: Maxim Guchek / BELTA / AFP – jn.pt)

1 – Na Ucrânia, a situação é esta. Os governantes europeus e o senhor Stoltenberg1, se não se pronunciarem todos os dias sobre o assunto, agora sobre a instalação de armas nucleares na Bielorrússia, devem ficar com um sentimento de culpa, por não terem afirmado que Vladimir Putin é isto e aquilo. Que ninguém pense que baixaram a guarda ou que estão distraídos; e que o que se passa em França e em Israel não estaria a preocupá-los. Está, mas fazem de conta que não está. Quem sabe se o seu país não será o próximo com uns largos milhares na rua, o que interessa é mostrar ferocidade para com o Kremlin. Sempre serve para distrair as pessoas. O que seria se, por um dia, se deixasse de falar no assunto? Seria uma traição aos azovs2. E os azovs têm de ser acarinhados, apoiados, bem pagos, não vão eles virar a espingarda para quem lhes paga. Portanto, se os Estados Unidos da América (EUA) têm, há muitas dezenas de anos, instalações nucleares na Europa, têm direito a isso. Se não fossem eles, a Europa já tinha sido engolida pelo exército russo.

Membros do regimento Azov da Ucrânia rezam na segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, em 11 de Março de 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia. (Créditos fotográficos: Sergey Bobok / AFP / Getty –cbsnews.com)

Assim, podemos continuar a fazer a nossa vidinha, acordar a horas, levar os filhos à escola, passear no campo no fim-de-semana… Enfim, tem de se estar sempre com um olho no Putin e outro em Ursula von der Leyen3 – se ela desfalecesse, seria o cabo dos trabalhos, não há quem a substitua. É esta a situação quanto aos altos magistrados das nações europeias.

2 – Em plena situação de guerra, um dos beligerantes, neste caso a Rússia, resolve prevenir a morte ou os ferimentos de uns milhares de crianças que habitavam as zonas de guerra, ou que corriam o risco de poderem ficar abandonadas, levando-as para o seu território, ficando, assim, a coberto de qualquer eventualidade. É este o argumento do Tribunal Penal Internacional (TPI) para lançar um mandato de captura contra de Putin.

Vladimir Putin sob mandato de captura do Tribunal Penal Internacional.
(Créditos fotográficos: AP – sicnoticias.pt)

Se estavam a obedecer a ordens da Casa Branca, ao menos que apresentassem um argumento de jeito, alguma coisa verosímil, em que as pessoas ficassem a pensar, em que acreditassem. Ao presentarem este caso – o salvamento ou a protecção de crianças de poderem morrer –, pensarão, por acaso, que convence alguém, a não ser os fanáticos da guerra? Seria preferível deixá-las ao abandono, à sorte dos bombardeamentos? Acaso foram retiradas dos braços dos pais? O que sabe o TPI das condições em que essas crianças estão a viver, como estão a ser tratadas e sobre os cuidados de que estão rodeadas? Nada. Não existe qualquer informação a dar conta de que foram lançadas em orfanatos miseráveis, sem condições sequer para abrigar gado, quanto mais seres humanos.

Tribunal Penal Internacional identificou “centenas de crianças” deportadas para a Rússia. (cnnportugal.iol.pt)

O que é feito dos tais crimes de guerra, do genocídio, do massacre de Bucha4, e todos os outros de que a comunicação social do Ocidente diariamente noticia? Em desespero de causa, o Ocidente resolve lançar mão de um caso que supostamente iria partir os corações dos 500 milhões de ocidentais, imaginando que era tal a sua alienação que engoliam esta acusação. Ao ponto de o governo francês declarar que isso iria ajudar a Ucrânia. De facto, estamos perante a mais desacreditada composição de governos europeus. Foi preciso que a Rússia invadisse a Ucrânia para que a democracia liberal europeia mostrasse de que é feita: ganância e incompetência.

3 – Até agora, tanto a Casa Branca como o Kremlin têm conseguido intervir na guerra da Ucrânia, evitando que ela fique fora de controlo e que evolua para uma guerra generalizada, vulgarmente designada Guerra Mundial.

Poucos dias antes da invasão da Ucrânia (em 24 de Fevereiro de 2022), a Casa Branca acreditava que a ocupação russa “esmagaria” o povo ucraniano. (Créditos fotográficos: EPA / Jim Lo Scalzo – dn.pt)

As várias tentativas feitas por vários países de parar a guerra têm chocado com a intransigência do presidente da Ucrânia, cuja condição é a derrota da Rússia para haver paz. Esta condição decorre do envio permanente de material de guerra e de dinheiro para manter as forças armadas daquele país aptas a responderem ao outro lado. Podemos afirmar que é a lei da guerra: procurar atacar e resistir até que uma das partes, ou terceiros, considere chegada a altura de calar as armas e de se porem a negociar. Era nesta situação que nos encontrávamos, até que o Tribunal Penal Internacional (de que nem a Rússia nem os EUA fazem parte) tomou a decisão de emitir um mandado de captura a Putin para ser julgado por aquele tribunal. Não fosse aquele mandato de captura mais uma peça de propaganda do Ocidente e estaríamos perante um caso sério, porventura o caso mais sério desta guerra. Pelo acto em si – a captura, em pleno exercício das suas funções, do chefe de Estado da Rússia –, mas principalmente pelas suas consequências, na hipótese de que a ficção norte-americana é pródiga, de um comando da CIA conseguir capturar aquela personalidade. Terá, mesmo assim, o TPI (e todos os que agora se regozijam) reflectido nos efeitos que isso teria, nas horas imediatas ao acontecimento?

A antiga juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner diz que o
mandado de captura contra Vladimir Putin vai limitar a liberdade do
presidente russo. (© RTP)

Basta pensar-se na vontade dos que, no Kremlin, estão a aguardar uma oportunidade para endurecer a situação, dos que consideram que Putin não está a fazer tudo o que deve ser feito, tendo em conta os milhares de mortos de soldados russos, o cerco de que a Rússia está a ser alvo e as sanções que lhe estão a ser aplicadas. Agora, junte-se a este pacote a captura do seu chefe de Estado e não será precisa muita imaginação para chegar à conclusão do que iria acontecer a seguir. Então, que o TPI pegue no mandato e lhe dê o destino das brincadeiras de mau gosto – o lixo – e não fale mais no assunto.

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Notas da Redacção:

1 – Jens Stoltenberg é o actual secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN / NATO).

2 – Seguindo a Wikipédia, lemos que o Destacamento de Operações Especiais “Azov”, conhecido como o Regimento Azov ou, mais comummente, pelo seu nome antigo de, até Setembro de 2014, Batalhão Azov, é uma unidade da Guarda Nacional da Ucrânia, sediada em Mariupol, na região costeira do Mar de Azov, de onde deriva seu nome.

3 – Ursula Gertrud von der Leyen é uma política alemã, actual presidente da Comissão Europeia, desde 2019.

4 – Recorrendo novamente à Wikipédia, é referido que o massacre de Bucha foi “o assassinato em massa” ocorrido, em Março de 2022, durante a batalha de Bucha, na invasão russa da Ucrânia.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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06/04/2023

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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