Diário de guerra (XX)
1 – Para a sua imagem internacional, quando se avizinham violentos confrontos políticos para a presidência da República, nem as idas e vindas do senhor Antony Blinken têm conseguido parar a ferocidade com que Benjamin Netanyahu se atirou aos Palestinianos, estejam na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia, trate-se do Hamas ou do Hezbollah. De nada serviu os breves instantes de uma trégua que os sionistas desejavam breve, não fosse a comunidade internacional não ter de fechar novamente os olhos ao que ali se está a passar. A operação foi um fracasso, e Joe Biden parte para as eleições com mais uma derrota diplomática no bolso. O que falta ainda para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para declarar Israel um estado terrorista, que comete crimes de guerra diariamente?
2 – Tudo leva a crer que durante quatro dias a guerra na Faixa de Gaza vai sofrer uma trégua por razões humanitárias, além de troca de prisioneiros. Foi nisto que a Casa Branca andou a investir nas últimas semanas. Mostrar ao Mundo que ainda tem autoridade, que a ouvem, e que sem ela, nada feito. Perdida a batalha da Ucrânia, havia que dar mostras, ao fim de mais de 10 mil mortes, metade dos quais crianças, que ali quem ainda manda é o avatar de Biden. Se souber como, ainda hei-de enviar uma mensagem a Byung-Chul Han para dedicar algumas horas a desmontar de que é feita a hipocrisia diplomática, ele que escreveu um notável ensaio sobre a Psicopolítica.
Porque o cinismo não está tanto nas tréguas, está na retoma do propósito de continuar o extermínio até ao último combatente, simpatizante ou familiar do Hamas. Feitos todos os juízos morais sobre o 7 de Outubro1, a cumplicidade das chancelarias ocidentais é a manifestação mais sórdida da sua cobardia.
Há uns meses, o destino era Kiev, os voos agora mudaram de rota, são para Telavive. A roda-viva não pára, mas, no final de contas, mau grado as palavras do secretário-geral da ONU, que não deixa de mostrar a sua indignação com o que se está a passar, a rotina dos dias naquela região tornou-se monótona: bombardeamentos atrás de bombardeamentos, imagens sobre imagens das barbaridades cometidas por aqueles cujos antepassados foram vítimas dos pelotões nazis.
A questão que se coloca é a seguinte: a retoma do extermínio é porque os Israelitas estão a ser ameaçados na sua integridade territorial e o direito a defenderem-se só terminará quando a Palestina se tiver transformado num imenso cemitério? Estes últimos quatro dias de tréguas não deviam ser prolongados por mais tempo, até que a horda fascista que governa Israel fosse derrotada pelos seus?
3 – Depois de alguns dias em que o assunto era o conflito em Gaza, os sionistas conseguiram que a comunicação social desmobilizasse e a começasse a tratar como uma desavença entre rivais. Basta ler os jornais de hoje2 e ouvir as primeiras notícias da manhã para nos darmos conta do espaço e do tempo que foi dedicado à invasão que ontem3 teve início com centenas de palestinianos mortos pela aviação e a artilharia israelita.
Veio-me à memória o que foram meses seguidos de massacre noticioso sobre a guerra na Ucrânia, em que as notícias que nos chegavam eram as que importavam para virar a opinião pública contra a Rússia, e assim justificar os milhões de dólares que eram constantemente despejados sobre o governo de Kiev.
Desta vez já nem o sul da Faixa de Gaza escapa, os palestinianos que lá vivem estão encurralados por todos os lados, o cerco completou-se com os porta-aviões americanos deslocados para a costa da Faixa de Gaza. Também as imagens que nos chegam da destruição de Gaza não impedem que o massacre continue. E não há quem, com poder e autoridade, se oponha a ele. Estou para ver o que vai acontecer aos apontados crimes de guerra cometidos pelo exército russo, agora que está em marcha o genocídio de uma população. É que ainda não se ouviu falar no Ocidente em TPI (Tribunal Penal Internacional) e na deslocação de juízes daquela instituição aos locais dos crimes, que é só um lugar, toda a Faixa de Gaza. Quando adquirido algum tempo e todos os mortos da guerra estiverem enterrados, cairá sobre o Ocidente um enorme manto de vergonha por se ter trocado o direito à liberdade e à independência pela hipocrisia política, sem dar conta de que está a contribuir para que os valores da democracia estejam a ser lançados diariamente para o esgoto da História.
………………………….
.
Notas da Redacção:
1 – Apesar de recente, a Wikipédia regista que o conflito israelo-palestiniano de 2023, também chamado de Guerra Israel-Hamas, começou a 7 de Outubro, “durante uma ofensiva surpresa coordenada por vários grupos militantes palestinianos” contra cidades israelitas próximas, passagens de fronteira da Faixa de Gaza, instalações militares adjacentes e colonatos civis.
2 – Cipriano Justo escreveu o presente artigo de opinião na sexta-feira (8 de Dezembro de 2023).
3 – No dia 7 de Dezembro, verificando-se Intensos combates na Faixa de Gaza, a ONU apelou ao cessar-fogo imediato, “uma vez que não há lugar seguro para os civis”. António Guterres, utilizou, pela primeira vez, o artigo 99: “O Secretário-Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.”
.
………………………….
.
Nota do Director:
O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.
.
11/12/2023