Diário de guerra (XX)

 Diário de guerra (XX)

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (à esquerda) e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. (Créditos fotográficos: Debbie Hill/Pool/AFP – timesofisrael.com)

1 – Para a sua imagem internacional, quando se avizinham violentos confrontos políticos para a presidência da República, nem as idas e vindas do senhor Antony Blinken têm conseguido parar a ferocidade com que Benjamin Netanyahu se atirou aos Palestinianos, estejam na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia, trate-se do Hamas ou do Hezbollah. De nada serviu os breves instantes de uma trégua que os sionistas desejavam breve, não fosse a comunidade internacional não ter de fechar novamente os olhos ao que ali se está a passar. A operação foi um fracasso, e Joe Biden parte para as eleições com mais uma derrota diplomática no bolso. O que falta ainda para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para declarar Israel um estado terrorista, que comete crimes de guerra diariamente?

O Conselho de Segurança da ONU. (Créditos fotográficos:  Carlo Allegri – Reuters – rtp.pt)

2 – Tudo leva a crer que durante quatro dias a guerra na Faixa de Gaza vai sofrer uma trégua por razões humanitárias, além de troca de prisioneiros. Foi nisto que a Casa Branca andou a investir nas últimas semanas. Mostrar ao Mundo que ainda tem autoridade, que a ouvem, e que sem ela, nada feito. Perdida a batalha da Ucrânia, havia que dar mostras, ao fim de mais de 10 mil mortes, metade dos quais crianças, que ali quem ainda manda é o avatar de Biden. Se souber como, ainda hei-de enviar uma mensagem a Byung-Chul Han para dedicar algumas horas a desmontar de que é feita a hipocrisia diplomática, ele que escreveu um notável ensaio sobre a Psicopolítica.

O filósofo Byung-Chul Han em Barcelona. (Créditos fotográficos: Massimiliano Minocri (“El País”) – brasil.elpais.com)

Porque o cinismo não está tanto nas tréguas, está na retoma do propósito de continuar o extermínio até ao último combatente, simpatizante ou familiar do Hamas. Feitos todos os juízos morais sobre o 7 de Outubro1, a cumplicidade das chancelarias ocidentais é a manifestação mais sórdida da sua cobardia.

Há uns meses, o destino era Kiev, os voos agora mudaram de rota, são para Telavive. A roda-viva não pára, mas, no final de contas, mau grado as palavras do secretário-geral da ONU, que não deixa de mostrar a sua indignação com o que se está a passar, a rotina dos dias naquela região tornou-se monótona: bombardeamentos atrás de bombardeamentos, imagens sobre imagens das barbaridades cometidas por aqueles cujos antepassados foram vítimas dos pelotões nazis.

Bombardeamentos na Faixa de Gaza. (Créditos fotográficos: Christophe Petit Tesson/EPA – rr.sapo.pt)

A questão que se coloca é a seguinte: a retoma do extermínio é porque os Israelitas estão a ser ameaçados na sua integridade territorial e o direito a defenderem-se só terminará quando a Palestina se tiver transformado num imenso cemitério? Estes últimos quatro dias de tréguas não deviam ser prolongados por mais tempo, até que a horda fascista que governa Israel fosse derrotada pelos seus? 

3 – Depois de alguns dias em que o assunto era o conflito em Gaza, os sionistas conseguiram que a comunicação social desmobilizasse e a começasse a tratar como uma desavença entre rivais. Basta ler os jornais de hoje2 e ouvir as primeiras notícias da manhã para nos darmos conta do espaço e do tempo que foi dedicado à invasão que ontem3 teve início com centenas de palestinianos mortos pela aviação e a artilharia israelita.

Veio-me à memória o que foram meses seguidos de massacre noticioso sobre a guerra na Ucrânia, em que as notícias que nos chegavam eram as que importavam para virar a opinião pública contra a Rússia, e assim justificar os milhões de dólares que eram constantemente despejados sobre o governo de Kiev.

Imagem de porta-aviões norte-americano. (Créditos fotográficos: Direitos reservados – rr.sapo.pt)

Desta vez já nem o sul da Faixa de Gaza escapa, os palestinianos que lá vivem estão encurralados por todos os lados, o cerco completou-se com os porta-aviões americanos deslocados para a costa da Faixa de Gaza. Também as imagens que nos chegam da destruição de Gaza não impedem que o massacre continue. E não há quem, com poder e autoridade, se oponha a ele. Estou para ver o que vai acontecer aos apontados crimes de guerra cometidos pelo exército russo, agora que está em marcha o genocídio de uma população. É que ainda não se ouviu falar no Ocidente em TPI (Tribunal Penal Internacional) e na deslocação de juízes daquela instituição aos locais dos crimes, que é só um lugar, toda a Faixa de Gaza. Quando adquirido algum tempo e todos os mortos da guerra estiverem enterrados, cairá sobre o Ocidente um enorme manto de vergonha por se ter trocado o direito à liberdade e à independência pela hipocrisia política, sem dar conta de que está a contribuir para que os valores da democracia estejam a ser lançados diariamente para o esgoto da História. 

Tribunal Penal Internacional em Haia, na Holanda. (Créditos fotográficos: ONU/ICJ-CIJ – news.un.org)

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Notas da Redacção:

1 – Apesar de recente, a Wikipédia regista que o conflito israelo-palestiniano de 2023, também chamado de Guerra Israel-Hamas, começou a 7 de Outubro, “durante uma ofensiva surpresa coordenada por vários grupos militantes palestinianos” contra cidades israelitas próximas, passagens de fronteira da Faixa de Gaza, instalações militares adjacentes e colonatos civis.

(pt.wikipedia.org)

2 – Cipriano Justo escreveu o presente artigo de opinião na sexta-feira (8 de Dezembro de 2023).

3No dia 7 de Dezembro, verificando-se Intensos combates na Faixa de Gaza, a ONU apelou ao cessar-fogo imediato, “uma vez que não há lugar seguro para os civis”. António Guterres, utilizou, pela primeira vez, o artigo 99: “O Secretário-Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.”

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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11/12/2023 

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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