Dilemas mundiais climáticos quanto aos resultados da COP28

 Dilemas mundiais climáticos quanto aos resultados da COP28

COP dos Emirados Árabes Unidos: na 28.ª edição da COP foram apresentadas as conclusões e resultados do primeiro balanço global – o Global Stocktake. (Créditos fotográficos Getty Images/Getty Images – exame.com)

Há consenso quanto ao desafio transversal e global de travar as alterações climáticas, mas as importantes divergências que sobressaem, relativamente à calendarização desses desafios, podem alterar o rumo do que se entende como “o estado da arte do clima”, com consequências diretas nas políticas internas adotadas pelos diversos países.

Um dos grandes resultados expectáveis da cimeira de 2023 era a consolidação do primeiro relatório do Global Stocktake (GST), estabelecido no Acordo de Paris (artigo 14.º), e que será uma síntese sobre o progresso coletivo mundial, em relação aos targets climáticos estabelecidos em 2015. À luz do conhecimento científico atualizado sobre o tema, levantam-se questões de mitigação, de adaptação e de meios de implementação para o cenário das alterações climáticas.

Porém, no meio de várias sessões e de reuniões técnicas da primeira semana de COP28, nos palcos principais e paralelos do Dubai, surgiu o primeiro rascunho do documento apelidado GST, datado de 5 de dezembro, escrito por um High Level Committee. E, apesar de as negociações ainda estarem em andamento e o documento não ser a versão final, a sua leitura pode ser importante para sabermos o que está em jogo, em termos de consenso e de dissenso entre os países.

Conferência das Partes sobre o Clima, COP 28. (Créditos fotográficos: Reuters – Amr Alfiky – rfi.fr)

Entre os muitos assuntos que primam pela indefinição e pela importância estratégica, destacam-se: o conceito de financiamento climático, considerando os pledges financeiros (compromissos anunciados) e a operacionalização do fundo loss and damages; a objetiva limitação do aquecimento global – que aparece com menções de 1,5 e 2 graus celsius (1,5ºC e 2ºC); e a estratégia de phase down x phase out e como será a abordagem em relação aos combustíveis fósseis, tanto os existentes como os resultantes de novos projetos.

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O termo “finance” aparece mais de 50 vezes na minuta do GST (que tem 24 páginas) e as suas diversas menções refletem a importância do assunto. Com efeito, para atingir os objetivos do Acordo de Paris e calendarizar as mudanças de mitigação e adaptação discutidas, é urgente a mobilização, em escala, de recursos financeiros.

Na minuta, há o expresso reconhecimento da não existência de uma definição multilateralmente acordada de financiamento climático, o que dificulta a implementação e a monitorização do fluxo de investimento para ações efetivas de desenvolvimento sustentável. Assim, logo na primeira semana desta cimeira climática, aflorou a agitação em torno de vários compromissos anunciados pelos países.

Mais de 700 milhões de dólares foram anunciados para o loss and damages (fundo específico para os países em desenvolvimento), mas vários milhares de milhões foram anunciados para outros green funds, em geral, tratamento de doenças tropicais, etc. São valores importantes e para causas relevantes, mas, por não haver definição ou governança global de financiamento climático, é difícil compreender como serão aplicados os critérios dos investimentos anunciados, como se fará a monitorização destes “pledges” e em que medida eles endereçam os targets de adaptação e mitigação. Isto sem falar da preocupação com a operacionalização específica do fundo de loss and damages, que precisa de valores na ordem dos biliões para a ajuda aos países em desenvolvimento.

(netzero.projetodraft.com)

No entanto, é positiva a expressa menção da necessidade de mudança na governança do sistema financeiro internacional – público e privado, em conjunto e cooperação – que deve ser direcionado para atividades de baixa emissão de gases de efeito estufa, destinadas ao desenvolvimento da resiliência climática. Porém, a arquitetura desta governança financeira não será linear nem igual para todos os países, visto que os pontos de partida e status dos recursos são diferentes. Neste aspeto, a minuta propõe que o sistema financeiro seja fit-for-purpose, que se evitem empréstimos ou medidas que sobrecarreguem os países em desenvolvimento e que, em cada país, se evitem medidas unilaterais que impactem negativamente ou contrariem os esforços nacionais de desenvolvimento sustentável.

(Direitos reservados)

Ainda no âmbito do financiamento, é difícil a questão do que priorizar: os custos e necessidades de adaptação estão entre 10 a 18 vezes mais do que o fluxo atual, porém a mitigação requererá bastante dinheiro. O relatório “Adaptation Gap Report 2023”, publicado pelas Nações Unidas, estima que os custos de adaptação até 2030 podem ser de 215 mil milhões de dólares por ano.

Algumas expressões ainda sob definição (opção na minuta do relatório) podem ser parte da solução para tornar tangíveis os critérios do que se deve evitar no financiamento climático: atividades de intensa emissão de gases com efeito de estufa (GEE), mal adaptadas ou não correspondentes à adaptação climática, e atividades não resilientes do ângulo climático. Neste ponto, está em cima da mesa a inclusão de medidas de limitação, como o desinvestimento e phase out (expressão ainda não definitivamente admitida) de combustíveis fósseis.

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O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) alertou que não são suficientes os esforços atuais para travar o aquecimento global e que o cenário net zero depende de um mix de esforços que incluem a redução substancial no uso de combustíveis fósseis, o uso mínimo de combustíveis fósseis aliado a tecnologias CCS (de captura de carbono), além de sistemas de eletricidade que não emitem CO2 (dióxido de carbono) líquidos; eletrificação generalizada; maior conservação e eficiência de energia; e maior integração em todo o sistema energético. Resta saber como será feita a redução substancial dos combustíveis fósseis.

(Créditos fotográficos: Reuters / Eduardo Munoz – agenciabrasil.ebc.com.br)

A minuta do relatório GST tem o tema em aberto e com várias opções de expressões mencionadas, mas há uma menção ao hasing down e quatro menções a um suposto phase out. Sobre a expressão phase down, o relatório inclui uma opção que orienta a aceleração dos esforços para redução gradual da geração de energia que utilize o carvão sem tecnologias de CCS, ação a aliar ao fim (phase out) dos subsídios para “combustíveis fósseis ineficientes”, em paralelo com suporte financeiro para os países mais vulneráveis conseguirem fazer este caminho.

Com o título de “Phase out”, há ainda quatro opções a considerar: eliminação gradual, ordenada e justa dos combustíveis fósseis; aceleração de esforços para o fim dos combustíveis fósseis que não tenham opção de CCS, reduzindo rapidamente a sua utilização para alcançar o net zero nos sistemas energéticos até 2050; rápida ação, até 2030, para fim dos combustíveis fósseis a carvão que não tenham CCS acoplado (phase out), incluindo o fim imediato do licenciamento e da autorização de novas unidades de geração a partir destas fontes de energia; e fim dos incentivos aos combustíveis fósseis ineficientes (Phasing out) no médio prazo.

Os países devem reduzir 30% da taxa global de metano até 2030. (Créditos fotográficos: Reprodução / Pexels / Galileu – revistagalileu.globo.com)

As opções do phase out remontam à redução gradual e contam com a inclusão de termos que podem gerar margem de interpretação entre os países quanto à urgência e timings, dificultando a implementação de uma estratégia clara. Ora, seja qual for a estratégia acordada entre os países, os novos empreendimentos terão em conta objetivos ambiciosos já anunciados, como: reduzir emissões de metano em 30%, até 2030, e 40%, até 2035, o compromisso de mais de 120 países em triplicar as renováveis e duplicar a eficiência energética, além da proteção e conservação dos ecossistemas e da biodiversidade, o que depende de reverter a desflorestação até 2030.

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Não menos importante, vem a definição dos limites para o aumento da temperatura global, que guiam a urgência das diversas ações de adaptação e mitigação aqui mencionadas.

O texto reconhece os níveis alarmantes indicados pelo IPCC do status atual do aquecimento global (de 1,2°C, sendo este 2023 o ano mais quente da História), mas alterna a menção, em momentos diferentes, ao considerar como limite o cenário de aumento da temperatura global em 1,5 ou 2°C, em comparação com os níveis pré-industriais.

O IPCC já alertou para os dois níveis de temperatura, quando estabeleceu a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentáveis das emissões de GEE e que, para travar em até 1,5°C, temos hipóteses de menos de 50%, ou para garantir um aquecimento de menos de 2°C, temos hipóteses de cerca de 67%, ambos considerando como horizonte temporal até ao fim do século.

(maxima.pt)

Há a ênfase ao facto de a contenção dos danos depender do aumento da temperatura global abaixo de 1,5 °C, como indicado no Acordo de Paris. Porém, a minuta do relatório menciona: um novo objetivo coletivo para acelerar os esforços em conter o aumento da temperatura global “bem abaixo” de 2°C, devendo ser perseguidos os esforços de limitar este aumento em até 1,5°C; o reconhecimento de que serão muito mais baixos os impactos no ambiente, se travarmos o aumento da temperatura global em 1,5°C, e não em 2°C, pelo que se insiste nos esforços que considerem a marca de 1,5°C; e um pedido para que o IPCC prepare um relatório extra e especial, no seu próximo ciclo de análises, que considere os custos económicos e sociais, bem como as necessidades e implicações de limitar o aquecimento global nos dois cenários: de até 1,5°C e de “bem abaixo” de 2°C, com relação aos níveis pré-industriais.

A par de todas as importantes e inafastáveis questões técnicas, é de se notar a crucialidade de estarem as atenções mundiais voltadas para o mesmo assunto: a sobrevivência do planeta como o conhecemos. Podemos não precisar de consensos, precisamos de ação, coordenada e efetiva. As jornadas irão variar, e é expectável que sejam adaptadas às realidades dos países para que sejam justas, mas o objetivo é um só: travar o aquecimento global. Ciência, métodos, objetivos e cooperação deviam ser os nossos desejos de final de ano, além de entregas no final da COP28.

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Entretanto, os países favoráveis à redução ou à eliminação dos combustíveis fósseis reagiram contra a oposição do líder da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) a qualquer acordo na COP28 que vise o petróleo, o gás e o carvão. “Acho que é uma coisa muito repugnante os países da OPEP oporem-se a colocar a fasquia onde deve estar” em relação ao combate às alterações climáticas, disse a ministra da Transição Ecológica espanhola, Teresa Ribera, cujo país detém a presidência semestral do Conselho da União Europeia (UE). E a ministra da Transição Energética francesa, Agnès Pannier-Runacher, disse estar “atordoada” e “zangada”.

Ministra da Transição Ecológica espanhola, Teresa Ribera.
(Direitos reservados – rtp.pt)

De facto, o secretário-geral da OPEP, o kwaitiano Haitham al-Ghais, pediu urgentemente aos 23 países-membros ou associados para “rejeitarem proativamente” qualquer acordo que vise os combustíveis fósseis nas negociações climáticas. A intervenção provocou uma série de reações no Dubai, onde o futuro dos combustíveis fósseis está no centro das negociações e a nação líder da OPEP e do bloco de países árabes, a Arábia Saudita, foi acusada de obstrução nas negociações de um acordo na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2023 (COP28), que decorreu no Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro.

“Nada põe mais em perigo a prosperidade e o futuro dos habitantes da Terra, incluindo os cidadãos dos países da OPEP, do que os combustíveis fósseis”, disse Tina Stege, enviada para o clima das Ilhas Marshall, no Pacífico, ameaçadas pela subida das águas do mar. Entretanto, segundo um membro da presidência da COP28, nenhum país quer ser considerado causador de problemas, sendo as manobras sauditas uma técnica típica para efeitos de negociação.

O secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP), Haitham al-Ghais: lobby dos combustíveis fósseis
na Conferência do Clima, no Dubai. (Créditos fotográficos: DW /
Deutsche Welle – terra.com.br)

A OPEP, que tem pavilhão na COP28, mostra medo relativamente aos crescentes apelos à saída dos combustíveis fósseis e à transição energética, pois há a possibilidade real de a COP28 enviar um sinal sobre o início do fim dos combustíveis fósseis. As posições endureceram à medida que a COP28 entrava na reta final, com o regresso dos ministros dos países participantes para levar as negociações a conclusão bem-sucedida até ao dia 12 (a recente terça-feira). Os países emergentes e em desenvolvimento exigem compensações dos países ricos para assinarem o abandono dos fósseis.

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O cenário da COP28 já era complicado e esperavam-se contradições. Com efeito, a ação climática urge, mas o presidente da cimeira é presidente executivo de uma das grandes empresas produtoras de petróleo e, segundo consta, não terá perdido o ensejo de estabelecer contactos paralelos favoráveis ao seu negócio. É certo que as tomadas de decisão cabem aos países participantes, mas os grandes projetos podem ser bloqueados ao dobrar a próxima esquina. Esperemos, entretanto, pela viabilidade das conclusões da cimeira.

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14/12/2023

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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