Dinheiro qualquer um pode ter

 Dinheiro qualquer um pode ter

Christine Roy (Unsplash)

Uma obra de arte é, por natureza e definição, irrepetível. Por isso, o seu valor perante a sociedade sempre foi muito elevado. Em tempo idos, muitas obras eram detidas por famílias extremamente ricas, fossem elas da nobreza ou da realeza, até porque era frequente serem essas famílias quem as encomendava e pagava aos seus criadores. Havia, assim, uma forma fácil de distinguir as pessoas: quem detinha obras de arte – únicas, portanto – estava num patamar de distinção inalcançável pelo comum dos mortais.

É claro que, com o desenvolvimento e a democratização das sociedades, muitas obras de arte passaram a fazer parte de coleções de museus, visitáveis por todos, o que eliminou o principal fator de distinção. A par disso, e no sentido de uma ainda maior difusão e de um maior acesso à arte e à cultura, as tecnologias da informação e comunicação possibilitaram que qualquer pessoa pudesse ter acesso virtual a imagens de um incontável número de obras de arte, podendo vê-las a qualquer hora e em qualquer lugar; e podendo, até, deter cópias digitais de alta resolução nos seus próprios dispositivos.

Esta democratização criou um problema: dado que muitas obras de arte estão e continuarão a estar fora do mercado, como podem os multimilionários do mundo, em número francamente crescente, deter bens únicos e irrepetíveis, que os possam distinguir do comum dos mortais? Para provar um elevado estatuto social é crucial ter algo que os outros não têm!

Neste contexto, surgiram duas soluções, ambas vocacionadas para o mercado da “vaidade”.

A primeira solução foi criar uma nova indústria da arte, chamada contemporânea, atribuindo valores exorbitantes a criações ou objetos ditos “artísticos”, como simples copos em prateleiras, sanitas partidas, rolos de papel higiénico empilhados, bananas coladas à parede, telas em branco ou – pasme-se – esculturas invisíveis! A todas estas “obras de arte” está associado um certificado, emitido pelo autor, que garante a sua autenticidade e, portanto, o caráter único.

© Bitnovo Blog

A segunda solução foi o desenvolvimento dos já famosos NFT (Non-Fungible Token). Os NFT são selos digitais que, por via do recurso à tecnologia “blockchain”, são únicos, não replicáveis e perenes. Ora, estas são as características das obras de arte. Tal como se passa com uma obra de arte no sentido tradicional do termo, também é possível fazer cópias do objeto ou imagem digital ao qual está associado o NFT, mas nenhuma dessas cópias é o objeto digital original, pois só a esse é que está aposto o tal NFT, irrepetível e único. O NFT é, portanto, o certificado de autenticidade.

Percebe-se, agora, porque é que uma banal imagem digital à qual esteja associado um NFT pode atingir valores despropositados e fortemente especulativos, entre aqueles que, desesperadamente, querem sobressair mostrando que têm muito mais do que banal dinheiro. É que dinheiro qualquer um pode ter, mas o NFT comprado por um qualquer multimilionário só ele é que o tem.

12/03/2022

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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