Do “Diário de Anne Frank” (1947)
Premonitória esta afirmação de Annelies Marie Frank (Frankfurt, 12 de Junho de 1929 – Bergen-Belsen, Fevereiro ou Março de 1945), a jovem adolescente alemã (até 1941 e apátrida a partir de então) de origem judaica, vítima do Holocausto, que se tornou uma das figuras mais discutidas da História, após a divulgação póstuma do seu Diário.
Esta recordação permanece actual quando, em Amsterdão, nos Países Baixos (Holanda), abriu ao público o novo Museu do Holocausto, a 11 de Março de 2024 (segunda-feira), após sua inauguração no dia 10 (domingo).
O museu recolhe mais de 2500 objectos, entre os quais se destacam as vestes listradas que usavam os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, bem como os botões de roupas (ou de peças de vestuário) arrancados na chegada ao campo de extermínio de Sobibor1, além de cartas e de fotografias.
O museu está localizado no histórico bairro judeu do centro de Amsterdão e lembra o lugar que, antes da guerra e da ocupação nazi, era o lar de cerca de 140 mil judeus, principalmente nesta cidade holandesa. 102 mil dessas pessoas foram mortas no Holocausto. Isto é, cerca de 75% da população judaica. Só 25% dos judeus da Holanda sobreviveram ao genocídio ou assassinato em massa que, no total, matou mais de seis milhões de pessoas.
A inauguração deste museu, 80 anos depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), surge num contexto de aumento do anti-semitismo no país.
A inauguração viu-se abalada por várias manifestações pró-Palestina que denunciavam a presença do presidente israelita, Isaac Herzog, que assistiu ao evento. Cerca de 200 mesquitas no país pediram ao rei dos Países Baixos, Guilherme Alexandre, para que não recebesse o chefe de Estado israelita, actualizando o estado de guerra que acontece na faixa de Gaza, desde que Israel iniciou a ofensiva militar no território, com bombardeios aéreos após o ataque do Hamas, em 7 de Outubro de 2023.
Das muitas adaptações da obra de Anne Frank, que se fizeram para a rádio, para a televisão, para banda desenhada (BD) e para teatro, lembro, com particular emoção, aquela que vi no cinema, designadamente, a versão cinematográfica de 1959, realizada por George Stevens, com guião de Frances Goodrich e Albert Hackett2, baseado em sua peça teatral “The Diary of Anne Frank”, por sua vez, inspirada no livro homónimo.
Uma versão desta peça teatral foi apresentada na minha remota cidade natal (Concepción), nos anos 60, mas não tive a oportunidade de a ver. No entanto, os meus pais sempre recordavam esse momento teatral inspirador, pois, na nossa cidade, havia muitos cidadãos de origem judaica, que se haviam refugiado no Chile e eram nossos vizinhos e amigos.
Das personagens refugiadas, juntamente com Anne Frank, recordo, no filme, a Sra. van Daan, esposa do Sr. van Daan – o seu nome verdadeiro era Auguste van Pels, mas Anne Frank chama-a de Petronella van Daan, no seu Diário. Os van Daan também eram alemães, sendo a Sra. van Daan de origem humilde, mas que nos é apresentada como vaidosa e altiva. Morreu no campo de concentração de Belsen. O Sr. van Daan era sócio do Sr. Frank, o qual trabalhou formalmente na indústria de carnes e de enchidos. Morreu numa câmara de gás em Auschwitz.
Considerando “O Diário dos Personagens de Anne Frank”, editado pela GradeSaver: “Pedro van Daan era o único filho do Sr. e da Sra. van Daan, tem quase dezasseis anos quando vai morar no esconderijo. Tímido, desajeitado e introspectivo, ele nunca chama a atenção de Ana até que eles vivam no esconderijo, por quase dois anos. Eles começam uma amizade profunda que leva a alguma intimidade física. No início, Ana está loucamente apaixonada por ele, mas, depois, percebe que, embora ele seja um bom menino, ele é muito fraco e carece de carácter. Desapareceu durante uma marcha forçada com tropas alemãs.”
A Sra. van Daan foi magnificamente interpretada, no filme, pela actriz Shelly Winters e a sua representação valeu-lhe um Óscar da Academia. Aquecida no interior do refúgio com o seu casaco de peles, ela e o seu marido sofrem a fome que se apazigua, magramente, apenas com batatas cozidas.
Vincent van Gogh pintou, entre as suas muitas obras, retratos cujo cenário foi o dos rústicos e pobres interiores de comedores de batatas. Nunca imaginaria aquele pintor luminoso que o seu país, um dia, mergulharia na escuridão!
Notas:
1 – Sobibor foi um campo de extermínio alemão, localizado na Polónia ocupada pela Alemanha Nazi, que foi parte da Operação Reinhard, no Holocausto. Judeus, prisioneiros de guerra soviéticos e, possivelmente, ciganos foram transportados para Sobibor de comboio e sufocados em câmaras de gás.
2 – Frances Goodrich (1890-1984) foi uma actriz, dramaturga e guionista norte-americana, conhecida pelas suas colaborações com seu marido, actor e dramaturgo, Albert Hackett (1900-1995). Ambos receberam o Prémio Pulitzer de Drama, em 1956, pela adaptação para o teatro de “O Diário de Anne Frank”, estreada no ano anterior.
18/04/2024