Duplicou a venda de álcool a menores durante a pandemia

 Duplicou a venda de álcool a menores durante a pandemia

Créditos fotográficos: Reprodução/ThinkStock (claudia.abril.com.br)

Entre 2019 e 2021, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) abriu 457 processos contra estabelecimentos comerciais por venda de álcool a menores, tendo sido em 2021 que foi registado o maior número de processos. Do total dos processos resultou a aplicação de mais de 619 mil euros em multas.

A informação foi adiantada pelo Jornal de Notícias do dia 11 de agosto e replicada em vários órgãos de comunicação social.

Enquanto em 2019 a ASAE tinha identificado 41 jovens com menos de 18 anos por consumo de bebidas alcoólicas, neste ano de 2022 (até agosto), foram 29.

Margarida Gaspar de Matos (www.cenc.pt)

O maior número de processos foi aberto no ano passado: 228, mais do dobro face aos 111 de 2020, o que deu origem à aplicação de mais de 232 mil euros em coimas. Antes da pandemia, em 2019, registaram-se apenas 118 processos, que deram, mesmo assim, origem à cobrança de 224 mil euros em multas

A psicóloga clínica Margarida Gaspar de Matos – também professora da Faculdade de Motricidade da Universidade de Lisboa – antecipa uma subida dos consumos, que podem atingir níveis superiores aos da pré-pandemia, explicitando: “No regresso às rotinas os jovens falam de uma ânsia pela vida de antes, falam do aumento do tempo online durante a pandemia e de um aumento do consumo de psicotrópicos. E pedem ajuda para encontrar alternativas a este uso excessivo de ecrãs e de medicação.”

Manuel Cardoso (www.saudemais.tv)

O subdiretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), Manuel Cardoso, aponta como exemplo de tolerância a este fenómeno a reação de alguns pais quando as autoridades os notificam de que os filhos foram apanhados alcoolizados. Há mesmo pais que não ligam: “Alguns também estão embriagados, em festa, ou já estão deitados e não querem saber. Temos muitas respostas nesse sentido”, revela o subdiretor-geral, para quem mudar mentalidades com vista à alteração dos comportamentos de risco é o grande desafio de todos os tempos, não sendo exceção os tempos que correm.

Aliás, a novidade não é tão surpreendente como se poderia pensar, pois, segundo a Direcção-Geral da Saúde (DGS), Portugal é um dos países europeus onde se consome mais álcool. Assim, é expectável que, de cedência em cedência ou numa atitude de falsa tolerância, o hábito contamine os mais novos. A “idade do armário” assim o exige e a complacência comercial dos supermercados, bares e lojas de rua o facilita.  

(© RTP)

Como refere o Jornal de Notícias, a ASAE abriu 457 processos contra estabelecimentos por venda de álcool a menores entre 2019 e 2021. Quase metade, porém, ocorreu só em 2021, com 228 espaços multados. O número de processos desse ano, que resultou na aplicação de mais de 232 mil euros em coimas, é muito superior ao de 2020 (que foram 111) e ao de 2019 (que foram 118). Se os valores do primeiro se compreendem atendendo aos períodos de confinamento, os do segundo vêm de um contexto pré-pandémico. A ASAE fez também saber que identificou 41 jovens com menos de 18 anos por consumo de bebidas alcoólicas.

Comentando os números, o aludido responsável do SICAD refere que estes são “números muito baixos que não transmitem a realidade do consumo” entre os jovens, avisando que estes podem subir ainda mais. E sublinha que, se em 2019 a tendência de consumo de álcool era de descida entre os jovens, agora, no período de pós-pandemia, é previsível que o consumo dispare; pois, “a libertação é acompanhada de um aumento do risco que, depois, tende a estabilizar”.

Créditos fotográficos: bridgesward (Pixabay)

Por isso, o subdiretor-geral do SICAD pede uma fiscalização mais eficaz, mas diz que, para isso, a ASAE, a Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Polícia de Segurança Pública (PSP) teriam de ter “muitíssimos mais recursos”.

Por sua vez, a Estratégia Nacional na Luta Contra o Cancro observa que os impostos sobre as bebidas podem vir a subir e que podem vir a aumentar as restrições ao consumo e a restringir o marketing e publicidade relativamente a este tipo de bebidas.

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Não parece que os processos em causa resultem, à partida e principalmente, da violação do confinamento, mas sobretudo do levantamento das restrições impostas durante os estados de emergência e do alívio das restrições em tempo de calamidade. Se o fruto proibido é o mais apetecido, também é certo que o prenúncio de alívio de restrições abre as portas ao facilitismo.

Créditos fotográficos: Concord90 (Pixabay)

Seja como for, a legislação é clara, não havendo alçapões que legitimem a fuga, a menos que, tal como sucedeu em alguns casos, durante a pandemia, em que todas as dúvidas que a redação dos diplomas legais poderia suscitar sobre a sua constitucionalidade ou sobre a sua legalidade eram sancionadas pelos tribunais a favor dos cidadãos que a eles recorriam, quando a maior parte cumpria, mesmo a contragosto.

Esta matéria está regulada pelo Decreto-Lei n.º 50/2013, de 16 de abril, que “estabelece o regime de disponibilização, venda e consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos e em locais abertos ao público”.

Para o efeito, consideram-se “bebidas alcoólicas”: cerveja, vinhos, outras bebidas fermentadas, produtos intermédios, bebidas espirituosas ou equiparadas e bebidas não espirituosas (todas as bebidas que, por fermentação, destilação ou adição, contenham um título alcoométrico volúmico superior a 0,5%, mas inferior ao definido para as bebidas espirituosas); e “estabelecimentos de restauração ou de bebidas” são os que se destinam a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação, bebidas e ou cafetaria, nos próprios estabelecimentos ou fora deles.

Créditos fotográficos: danilo.alvesd (Unsplash)

É proibido facultar, independentemente de objetivos comerciais, vender ou, com objetivos comerciais, colocar à disposição, em locais públicos e em locais abertos ao público, a menores e a quem se apresente notoriamente embriagado ou aparente possuir anomalia psíquica, aos quais é vedado consumir bebidas alcoólicas em locais públicos e em locais abertos ao público.

É também proibida a disponibilização, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas: nas cantinas, nos bares e em outros estabelecimentos de restauração ou de bebidas, acessíveis ao público, localizados nos estabelecimentos de saúde; em máquinas automáticas; em postos de abastecimento de combustível localizados nas autoestradas ou fora das localidades; e em qualquer estabelecimento, entre as 0h00 e as 8h00, com exceção: dos estabelecimentos comerciais de restauração ou de bebidas; dos estabelecimentos situados em portos e nos aeroportos em local de acessibilidade reservada a passageiros; e dos estabelecimentos de diversão noturna e análogos.

Para tanto, devem ser afixados avisos em local bem visível nos respetivos estabelecimentos.

(© Jornal A Planície)

A violação deste normativo por menores tem por consequência a notificação da ocorrência: ao respetivo representante legal, nos casos em que os menores evidenciem intoxicação alcoólica; ao núcleo de apoio a crianças e jovens em risco localizado no centro de saúde ou no hospital da área de residência do menor, ou, em alternativa, às equipas de resposta aos problemas ligados ao álcool integradas nos cuidados de saúde primários da área de residência do menor, nos casos de reincidência da situação de intoxicação alcoólica, ou de impossibilidade de notificação do representante legal.

Estas notificações são da competência da entidade fiscalizadora, que levanta o auto.

Se a violação em referência implicar perigo para o menor, a entidade que levanta o auto deve diligenciar para lhe por termo, pelos meios estritamente adequados e necessários e sempre com preservação da vida privada do menor e da sua família, podendo solicitar a cooperação das autoridades públicas competentes, nomeadamente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ou do representante do Ministério Público territorialmente competentes.

Créditos fotográficos: Michal Jarmoluk (Pixabay)

A fiscalização do cumprimento é da competência da ASAE, da PSP e da GNR, sem prejuízo das competências de fiscalização atribuídas a outras entidades. Estas autoridades podem, no decurso da fiscalização, determinar o encerramento imediato e provisório do estabelecimento, por um período não superior a 12 horas, quando e enquanto tal se revele indispensável para: a recolha de elementos de prova; a apreensão dos objetos utilizados na prática da infração; e/ou para a identificação dos agentes da infração e dos consumidores. O encerramento provisório do estabelecimento pode também ocorrer, por um período não superior a 12 horas, se, ante a deteção de infração em flagrante delito, ocorrer perigo sério de continuação da atividade ilícita.

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A legislação é clara, as entidades fiscalizadoras e de acompanhamento estão definidas. Haverá sempre míngua de meios. E faz falta, sobretudo, a educação dos adolescentes nas famílias – sem facilitismo e sem pau na mão ou vociferação de ralhetes. Onde está o civismo de que falam, tantas vezes, os governantes em maré de crise pública, seja ela sanitária, seja política?

13/10/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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