É o Parlamento, senhor primeiro-ministro!

 É o Parlamento, senhor primeiro-ministro!

(canal.parlamento.pt)

Que dizer deste governo? Que é de direita. E dito isto, estaria tudo dito, o artigo terminava aqui. Mas, como em tudo na vida, há sempre mais alguma para dizer. E talvez o mais importante que haja para dizer é que, nos seis meses que medeiam para a apresentação do Orçamento do Estado para 2025, o governo tudo fará para dar tudo a todos: saúde, forças policiais, educação, forças armadas, pensões… Enfim, vão ser conselhos de ministros para passar cheques. Depois, logo se verá. E se a oposição, lá para Dezembro, reprovar o OE, o argumentário, é certo e sabido, será: “Vêm, não nos querem deixar trabalhar!”

(sicnoticias.pt)

O problema é que os governos são eleitos para governar, esse acto que foi inventado para facilitar a vida das pessoas, desde que acordam até que se deitam, e também durante o descanso. E governar é, antes de começar a fazer, saber o que falta fazer, que, no caso português, envolve dois problemas: a desigualdade e a sua principal consequência, a pobreza. Bastam dois números para termos a noção de como, socialmente, ainda estamos: um rico para 10 pobres. É esta a distância que um pobre teria de percorrer para chegar a rico, se fosse essa a sua ambição. E há um milhão e 700 mil pobres, já depois de distribuídos todos os apoios sociais. Poderá dizer-se que não será em seis meses que se vai encontrar a solução para esta situação. De acordo, mas basta um mês para ficarmos a saber quais vão ser as medidas que serão postas em prática para atacar estes problemas, e para começar a aplicá-las.  

Se o governo se diz reformista, venham daí essas reformas, a começar pela diminuição das desigualdades, que não são só salarias. São também na saúde, no emprego, na justiça, na habitação e no ensino. Nestes seis meses, se bem aproveitados, após a “assinatura dos cheques”, sobra tempo para começar a trabalhar nas áreas onde há tanto para fazer, de maneira a fazer da justiça social o lema da governação. E não nos venham dizer que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. Pode. Para isso é que há ministros, secretários de Estado, directores-gerais e um exército de funcionários para fazer o trabalho. Portanto, senhor primeiro-ministro, a partir de 2 de Abril começou a contar o tempo.  

(parlamento.pt)

Contudo, o que se tem visto são saídas de altos funcionários por razões ainda por explicar. Por que terá o director executivo (DE) do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pedido a demissão, ele que tinha abraçado a função com tanta veemência e vontade de mostrar obra feita, a começar pela criação de 22 Unidades Locais de Saúde (ULS), que designou como a maior reforma do SNS? Por que terá a provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa sido exonerada quando, tudo leva a crer, estava a implementar o saneamento financeiro da instituição, que tanto se impunha? No primeiro caso, um diferendo entre a actual ministra da Saúde e o DE-SNS não pode explicar, pelo menos não deve, a criação de condições para o pedido de demissão. Sabe-se como estas coisas se fazem quando não se quer ficar com o ónus de se demitir alguém. No segundo, o caso é pior, porque não se vislumbram motivos para a demissão, embora se saiba que o lugar é, particularmente, apetitoso para a clientela do governo. Imagino, mesmo, que já se tenham formado listas de espera no antigo Largo de São Roque ou do Cauteleiro (actual, Largo Trindade Coelho, onde se localiza a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).

Largo Trindade Coelho, em Lisboa. (Créditos fotográficos: Sérgio Dias | NT do DPC – toponimialisboa.wordpress.com)

O terceiro acontecimento, de mau agoiro para o governo, foi a humilhação sofrida, no dia 2 de Maio (recente quinta-feira), com a votação do diploma sobre a dispensa (ou plano gradual de isenção) do pagamento das portagens em auto-estradas ex-SCUT (abreviatura de Portagens Sem Cobrança aos Utilizadores ou Portagens Sem Custos para o Utilizador)1. Ao ouvir o líder do partido CHEGA na entrevista que deu a um canal televisivo, pensei que estava a assistir à oração fúnebre deste governo. Os seus 50 deputados são suficientes para derrubar este governo, basta que aquele acontecimento se repita duas ou três vezes, colocando o seguinte dilema à Aliança Democrática, se quiser continuar a ocupar o palácio de São Bento: ou se entende com o Partido Socialista ou com o CHEGA. Já se viu que a terceira via, mal a viatura começou a rodar, bateu logo contra o Parlamento.

(canal.parlamento.pt)

Ainda há uma terceira solução: é a de o primeiro-ministro solicitar uma audiência ao Presidente da República para lhe anunciar a resignação, por não ter condições políticas para continuar a governar. A acontecer, nos tempos mais próximos, teríamos uma Assembleia da República constituída por dois blocos: um bloco de pendor socializante e uma direita de pendor fascizante. Podem, por isso, estarem a aproximar-se tempos interessantes. 

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Nota da Redacção:

1 – Projecto de Lei (avançado pelo Partido Socialista) sobre a eliminação das taxas de portagem nos lanços e sub-lanços das auto-estradas do Interior (ex-SCUT) ou onde não existem vias alternativas que permitam um uso em qualidade e segurança. Ou seja, as SCUD voltam a ser SCUD.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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06/05/2024

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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