Economia portuguesa cresce 2,4%, mas Bruxelas alerta para desafios
A Comissão Europeia prevê um crescimento de 2,4% na economia portuguesa, mas alerta para desafios conexos com a perda de poder de compra dos portugueses.
Efetivamente, o Boletim Macroeconómico, da primavera, da Comissão Europeia, publicado a 15 de maio, com previsões mais otimistas do que as do governo, refere que a economia portuguesa tem vindo a apresentar sinais de uma recuperação robusta, mas estima que o ritmo de crescimento registado no primeiro trimestre do ano enfraqueça no segundo terço, para voltar a recuperar nos meses do verão.
Bruxelas prevê, para este ano, em Portugal, uma inflação de 5,1% e de 2,7%, para 2024. E estima uma taxa de desemprego de 6,5%, para este ano. Já a expansão da economia portuguesa para 2023, é de 2,4% e, para 2024, de 1,8%.
No primeiro trimestre de 2023, a economia foi impulsionada pelo aumento do turismo, com o crescimento do produto interno bruto (PIB) estimado em 1,6%, no primeiro trimestre, acima das taxas registadas nos três trimestres anteriores. O setor externo foi determinante como impulsionador do crescimento, beneficiando da recuperação das cadeias de abastecimento, além do aumento das chegadas de turistas, em particular da América do Norte.
Porém, a Comissão Europeia salienta que a economia enfrenta desafios, nomeadamente devido à “fraca procura interna”, sobretudo por o consumo privado ter sido condicionado pela “diminuição do poder de compra das famílias, nos trimestres anteriores”, e por os investidores terem sido confrontados com “taxas de juro mais elevadas”.
Assim, prevê-se que o crescimento económico enfraqueça no segundo trimestre de 2023, vindo a recuperar “nos trimestres seguintes”, na medida da recuperação gradual do rendimento disponível real das famílias e do consumo privado.
Segundo o Boletim Macroeconómico, da primavera, a “inflação nominal deverá moderar”. Em 2022, Portugal passou o ano com uma inflação de 8,1%. Bruxelas estima é que este indicador seja fixado em 5,1%, no final de 2023, continuando a abrandar para 2,7% em 2024.
O documento considera que “a redução foi, em grande parte, impulsionada pelos preços mais baixos da energia, enquanto os preços dos alimentos permaneceram elevados”.
Relativamente às finanças públicas, Bruxelas faz uma previsão favorável. Depois de o défice ter diminuído para 0,4% do PIB, em 2022, espera que diminua “para 0,1% do PIB, em 2023”, mantendo tal previsão para 2024. Porém, salienta que “a receita fiscal é o principal motor deste crescimento, sobretudo a fiscalidade indireta, ainda a refletir a manutenção de preços elevados”.
Bruxelas projeta o custo orçamental líquido das medidas de apoio à energia para 0,8% do PIB em 2023, destacando-se a diminuição considerável, comparada com os 2,0% de 2022. E antecipa que as medidas de apoio à energia “deverão ser completamente eliminadas em 2024”, admitindo que o défice de 2023 será afetado pela suposta remoção total das medidas temporárias de emergência da covid-19, que corresponderam a 0,8% do PIB, em 2022”.
O rácio da dívida pública relativamente ao produto interno bruto (PIB) contraiu consideravelmente para 113,9%, em 2022, já abaixo dos níveis pré-pandemia. Prevê-se que continue em trajetória de redução, em 2023, para 106,2%, e 103,1%, em 2024, impulsionado pelo diferencial de crescimento, pela taxa de juros favorável e pelas melhorias no saldo primário geral.
O executivo comunitário prevê uma taxa de desemprego em Portugal de 6,5% este ano e de 6,3% em 2024. Estas projeções comparam com as do governo, que, no Programa de Estabilidade, entregue em abril, aponta para uma taxa de desemprego de 6,7%, em 2023, e de 6,4%, em 2024.
Bruxelas coloca a taxa de desemprego em Portugal abaixo da média da Zona Euro, para a qual prevê uma taxa de 6,8%, em 2023, e de 6,7%, em 2024, mas ligeiramente acima da média da União Europeia (UE), para a qual aponta para 6,2%, em 2023, e 6,1%, em 2024.
Em termos médios anuais, o desemprego, em Portugal, prevê-se que seja de 6,5%, em 2023, e de 6,3%, em 2024, num contexto de aumento moderado do emprego e dos salários reais, compensando amplamente os trabalhadores pela perda de poder de compra em 2022.
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Face a estes números, não se pode dizer que os portugueses não comem estatísticas (embora não tenham valor absoluto, espelham a dimensão dos fenómenos sociais), nem se pode embandeirar em arco a tecer loas à governação, como se as finanças públicas e a economia estivessem, em absoluto, no seu melhor. Talvez seja oportuno e equilibrado exigir maior produtividade, melhor distribuição da riqueza, melhor funcionamento dos serviços públicos, maior empenhamento social do setor privado e mais alargada solidariedade.
É difícil promover a produtividade e fortalecer a economia com base em salários baixos, insatisfação dos trabalhadores, elevados custos de produção (eletricidade, combustíveis, telecomunicações, etc.), carga fiscal excessiva, fuga ao fisco (declarações inexatas, economia subterrânea, criação excrescente de fundações), justiça lenta, falta de investimento (público e privado), ausência de investimento estrangeiro, cultura da indecisão, falta de qualificação, organização medíocre do trabalho e dos serviços, falta de planeamento, etc.
Além disso, as entidades produtoras de estatísticas raramente são concordantes nas previsões económicas que fazem, muitas vezes condicionadas pelos diversos posicionamentos políticos.
A título de exemplo, refira-se que o relatório da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Portugal ao abrigo do Artigo IV, divulgado a 9 de maio, previa que, após o crescimento de 6,7% da economia portuguesa, em 2022, “significativamente superior” aos 3,5% da Zona Euro, “o crescimento real do PIB desacelere, no resto do ano, para uma média de 2,6%, em 2023, e a inflação recue para 5,6%”. E, a 11 de abril, na atualização das previsões económicas mundiais, o FMI tinha apontado para um crescimento do PIB de 1% da economia portuguesa, para este ano, prevendo que a taxa de inflação fosse de 5,7%. Já o governo previa um crescimento de 1,8% em 2023.
O FMI sustentava que “a inflação elevada e as condições financeiras mais restritivas estão a enfraquecer a economia”, que “o custo de vida mais alto deverá penalizar o crescimento da procura interna e que o menor crescimento global e da Zona Euro deverá enfraquecer o aumento das exportações”, levando a que “o crescimento estabilize em torno dos 2%, no médio prazo”.
À medida que os preços da energia recuam, a instituição antecipa que a inflação deverá continuar a diminuir, mas ressalva que a inflação subjacente (a que exclui produtos alimentares e energia) será mais persistente, devido à rigidez do mercado de trabalho e às elevadas margens de lucro.
Por isso, o FMI recomendava que, neste ano, a política fiscal se mantenha “não expansionista, de forma a preservar a margem de manobra fiscal e a suportar a política monetária”, mas que seja, simultaneamente, “flexível, caso venham a acontecer choques”. E defendia que os “apoios fiscais adicionais devem ser reservados apenas para cenários adversos graves e projetados para serem temporários, sem distorcerem preços e bem direcionados”.
O FMI propunha o aumento da parcela de investimento público, nomeadamente na implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), nas despesas correntes, invertendo tendências recentes. E, como “principais prioridades”, destacava a sustentabilidade das pensões, a contenção do aumento da massa salarial no setor público, o fortalecimento da situação financeira e da eficiência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e melhorias adicionais no direcionamento dos apoios sociais. “As reformas fiscais estruturais para melhorar a eficiência do setor público, a governança e a sustentabilidade fiscal das empresas públicas devem prosseguir. A plena implementação da Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 fortalecerá o enquadramento orçamental de médio prazo”, acrescentava o FMI.
Entretanto, o relatório da missão a Portugal ao abrigo do Artigo IV sugere que, para reforço da resiliência do setor bancário, face aos riscos macrofinanceiros da exposição ao setor imobiliário, as autoridades portuguesas considerassem a introdução gradual de uma reserva de capital de risco sistémico setorial, desde que se evitassem efeitos pró-cíclicos. Com efeito, apesar de se registar a melhoria contínua dos balanços dos bancos nacionais, de as suas reservas de liquidez “continuarem altas” e de os rácios de crédito malparado terem diminuído, “essa tendência pode ser invertida em cenários adversos”, pelo que é “crucial a manutenção de práticas prudentes de gestão de risco e uma monitorização apertada das vulnerabilidades bancárias”.
Neste contexto, o FMI frisa que “um aumento gradual da restritividade da política macroprudencial ajudaria a conter riscos sistémicos decorrentes das vulnerabilidades do mercado imobiliário”, considerando que este “está sobrevalorizado, após anos de fortes subidas nos preços das casas”, e que “desequilíbrios persistentes neste mercado aumentariam ainda mais os riscos sistémicos”.
Por outro lado, políticas de apoio à oferta de casas “ajudariam a aliviar as atuais pressões no acesso à habitação”, sendo que o fim antecipado do programa de Vistos Gold “não deverá ter um impacto significativo nos preços das casas”. Assim, na ótica do FMI, “medidas para aumentar a oferta de habitação e de arrendamento – complementadas pelo investimento público em habitação social, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência – são fundamentais para reduzir o desequilíbrio do mercado imobiliário e melhorar a acessibilidade dos preços”.
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Por tudo isto, não se entende como o líder do grupo parlamentear do Partido Socialista (PS) vê nas previsões de Bruxelas um sintoma da boa governação. Talvez seja mais avisada a perspetiva prudencial preconizada pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e a insatisfação assinalada pelo primeiro-ministro, António Costa, ao dizer que é preciso “continuar a pedalar”, bem como a promoção da chegada dos resultados da economia às famílias e às empresas (não basta dizê-lo) e a promoção do emprego qualificado.
Não obstante, não é lícito que o governo, face às reais dificuldades dos cidadãos, se vincule, em absoluto, “às contas certas”, insista em manter a pesada carga fiscal, não consiga estancar a saída de quadros do setor público para o privado (e do país para o estrangeiro), não defina uma política robusta para a habitação, não promova o combate à economia subterrânea e à corrupção por todos os meios ao alcance. E, se calhar, é necessário dar uma grande volta à administração da Justiça, que nem sempre julga em consonância com a lei a que a generalidade dos cidadãos se submete.
Pelo menos, continua a existir a perceção de que há uma Justiça para os mais poderosos e outra para os mais pequenos. Tanto assim é que os megaprocessos, normalmente não passam disso mesmo, megaprocessos ao serviço da justiça-espetáculo. E, se todas as instituições (políticas, financeiras e económicas) precisam de inspirar confiança, certamente é crucial que esta seja inquestionável apanágio da instituição jurisdicional.
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29/05/2023