Ensinar a pensar

 Ensinar a pensar

Markus Winkler (Unsplash)

Frequentemente, sem sequer nos apercebermos disso, deixamo-nos maravilhar e seduzir pelo mundo fortemente tecnológico que nos rodeia e caímos no erro de confundir os meios com os fins. A nossa sociedade, a nossa forma de trabalhar, as nossas atividades culturais e de lazer e as nossas vidas dependem tão fortemente das tecnologias da informação e comunicação (TIC) que nos esquecemos de que o objetivo destas é que nos sirvam a nós e não o contrário. Ao utilizarmos todo o tipo de ferramentas tecnológicas, temos por objetivo fazer mais e melhor com menos meios, tendo assim mais tempo para nos cultivarmos física e mentalmente, e para melhorar a nossa qualidade de vida.

Para isso, os computadores e o respetivo software são ferramentas indispensáveis. A sua sofisticação é tal que quase cremos que pensam, que criam, que inventam, que têm consciência, que nos aconselham a fazer isto ou aquilo, que decidem os nossos destinos, deixando-nos a nós a mecânica e subserviente atitude de obedecer sem questionar. O engenho humano foi (e continua a ir) tão longe que, paradoxalmente, parece inverter os papéis e nos deixa, agora, o de escravos, cujos mestres são os sistemas computacionais.

Dir-se-á que tudo isto é um exagero, mas, de facto, alguma inversão existe. Por exemplo, hoje, quando se pretende descrever o funcionamento do cérebro, recorre-se, de imediato, à analogia de um computador, que recolhe e processa dados. Mais, visto que, aparentemente, os nossos cérebros têm uma capacidade de memorização, processamento e cálculo muito inferior à dos computadores (crença enraizada, mas totalmente falsa), o cérebro sai claramente a perder. Em simultâneo, admiramos pessoas que trabalham como máquinas e idolatramos máquinas que revelam um comportamento aparentemente inteligente. Quão errados estamos!

Thomas Park (Unsplash)

Vamos agora, ao que parece, incluir o “pensamento computacional” nos planos curriculares. Para mim, o pensamento computacional não existe, porque os computadores não pensam (que me perdoem os meus colegas da área de Inteligência Artificial). O que existe, sim, é o raciocínio lógico, o pensamento crítico e analítico, que é estudado e ensinado há milhares de anos. No entanto, a avaliar pela forma de pensar dos nossos decisores políticos, há grandes lacunas nessa matéria. É, pois, urgente ensinar as nossas crianças e jovens a pensar; e isso deve acontecer em todas as disciplinas, não apenas na Matemática ou em disciplinas de TIC. É que, se não soubermos pensar, não são os computadores que nos vão ensinar.

03/04/2022

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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