“Escravizados. Com e sem bola.”
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com o apoio da Polícia Judiciária (PJ), desmantelou duas redes esclavagistas. Uma em Riba d’Ave, no concelho de Vila Nova de Famalicão, e outra em Fornelos, no município de Barcelos. Em Riba D’Ave, a rede, que se apresentava como “academia de futebol”, era liderada por um “stor”, sendo a de Barcelos chefiada por “empresários”.
O “stor”, em contabilidade, presidia à Mesa da Assembleia Geral da Liga Portugal, entidade que congrega os patrões da indústria da bola. O sujeito acumulava ainda os penachos de vice-presidente da Confederação da Comunidade Empresarial dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP) e o de presidente da União de Exportadores da CPLP (CE-CPLP).
Era, pois, um tipo bem relacionado. Tanto que, dizem as autoridades, logrou abrir as portas do “espaço lusófono, especialmente o africano, à seguradora Sabseg” – patrocinadora da sua “escola de futebol” e da 2.ª Liga profissional. Mas os talentos empresariais do contabilista de Felgueiras não se ficavam por aqui. Segundo o Jornal de Notícias (JN), “é suspeito de fazer retenção dos descontos para a Segurança Social [SS], nos recibos dos funcionários, e não entregar os valores ao Estado”. Conta, ainda, o JN que o processo tem vários meses e que foi iniciado após uma averiguação da unidade criminal da SS. Mário Costa deverá 250 mil euros àquela entidade.
Sobre os esclavagistas de Barcelos, os jornais não deram a conhecer qualquer notoriedade social aos “empresários”. Dedicavam-se, sem rodeios, “à prática dos crimes de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra estrangeira, falsificação de documentos, falsidade informática e branqueamento”. A acção do SEF culminou com “a detenção de cinco cidadãos nacionais”. Tais “cidadãos” pouco ou nada conviviam com as gentes da aldeia barcelense, as quais apenas os viam passar em carros de “topo de gama”, sempre que eram abertos os portões do “bunker”. No “bunker”, conforme abonam fontes da investigação, dois cofres agassalhavam mais de meio milhão de euros.
Dizem as autoridades que o grupo recrutava os escravos, directamente, “nos países de origem, em bolsas de imigração em território nacional e entre outros países do espaço Schengen”. Nomeadamente, em Espanha e na França. Os trabalhadores sul-americanos eram os preferidos, sendo depois encaminhados para “obras públicas, obras de construção civil e fábricas de componentes de construção dispersas pelo Espaço Comunitário Europeu”. Para esconder a actividade ilegal, o grupo montou uma “rede de sociedades de fachada com relevância fiscal e jurídica em Portugal e em França”, que lhes permitia operar com inúmeras contas bancárias “tituladas por testas-de-ferro”.
Quanto à alegada actividade esclavagista da “academia da bola”, liderada pelo doutor Mário Costa, ela tinha como alvos preferenciais jovens de África e da América do Sul. O SEF resgatou 114 alunos, cujos pais pagavam entre 600 euros e dois mil euros mensais. As autoridades garantem que os miúdos viviam encarcerados, eram mal alimentados e dormiam em camaratas insalubres. Os dirigentes da “academia”, que apreendiam os documentos dos jovens, não lhes permitiam sair do espaço. Após a operação policial, os mais velhos dos jovens foram entregues às familias e os menores a famílias de acolhimento.
A mãe de um dos jovens resgatados, colombiano de origem, afirmou, em entrevista à RTP, que a sua vinda para Portugal aconteceu por indicação expressa do dono da academia que o jovem frequentava no seu país natal. Disse Maria Garavito: “O dono do Aston Huila só me ofereceu a Bsports, porque tinha um acordo com a Bsports. Tive de lhe pagar algum dinheiro por ter feito a ponte com a Bsports.”
A acção das autoridades obrigou Mário Costa a demitir-se. E Pedro Proença, presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, assegurou desconhecer as actividades ilícitas imputadas. Mais, o ex-árbitro, que há dias foi reconduzido como o patrão dos patrões da bola, depois de declarar que se “trata de um caso de polícia”, anunciou: “Irei consultar e mandatar os juristas e outras entidades que julgue adequadas para interpor, requerer e promover quaisquer acções, actos e diligências ordenadas ao apuramento e eventual responsabilização das pessoas e entidades por condutas lesivas do bom nome, honra e imagem da Liga Portugal.”
Também quem já se demarcou da Bsports foi Miguel Frasquilho. O antigo deputado do Partido Social Democrata e ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças, do governo de Durão Barroso (2002-2004), embaixador da “academia”, enviou um comunicado às redacções onde afirma não se rever em “quaisquer atividades potencialmente ilícitas”.
Frasquilho, que confirmou ter funções “não executivas”, asseverou ainda que a sua condição de embaixador se resumia “a abordar entidades nacionais e internacionais, institucionais e empresariais, para apresentar o projeto da academia”. Fica-se, pois, sem se saber quantos dos 114 jovens da “academia” foram seduzidos pela apresentação que o senhor embaixador fez do “projecto”…
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03/07/2023