Espaços teatrais da cidade do Porto (II)
Um espaço pouco ou nada conhecido no antigo edifício do jornal O Comércio do Porto, espaço de planta circular, quase um pequeno auditório naquele que é um dos dois mais belos edifícios da Avenida dos Aliados.
O Teatro Experimental do Porto (TEP), depois da saída do Teatro de Bolso, deambula por espaços como a Casa das Artes (na Rua Ruben A) e um espaço teatral na Associação de Moradores da antiga Escola Académica do Porto (na Rua Pinheiro, n.o 4), que sofreu um incêndio em 1994. Foi aqui que voltei para a Direção Artística do TEP, encenando a peça, de Federico García Lorca, “Amor de D. Perlimplim com Belisa em seu Jardim”, numa belíssima tradução pelo poeta Eugénio de Andrade, com música original do maestro José Luís Borges Coelho e interpretação de José Pinto, Emília Silvestre e Fernanda Gonçalves. Nessa época, e aproveitando a minha presença no TEP, demos acolhimento à minha versão de “O Principezinho” (Le Petit Prince), de Antoine de Saint-Exupéry, pelo Teatro Art´Imagem, e também uma reposição desta companhia de “A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança”, peça de António José da Silva, bem como de “O Judeu” (texto dramático de Bernardo Santareno, publicado em 1966, que se refere a António José da Silva), numa versão (adaptação) do dramaturgo Norberto Ávila.
Como já aludi, no dia 19 de Abril de 1994, um incêndio destruiu completamente a sala deixando a companhia do TEP novamente na rua, passando, mais tarde, a estar sediada em Vila Nova de Gaia, por convite do então presidente da Câmara Municipal, Luís Filipe Menezes.
A propósito, recordo a minha participação “Camus, o nosso contemporâneo”, num colóquio sobre Albert Camus, que decorreu na Faculdade de Letras do Porto, em 2010: “A aproximação a esta mesa sobre Camus partiu motivada pelo espectáculo/encenação de O equívoco (Le Malentendu), realizado no ano de 1989, quando assumia as funções de director artístico do Teatro Experimental do Porto, pela terceira vez, nas instalações da ex-Escola Académica, na Rua do Pinheiro. Espaço teatral que acabaria por desaparecer por causa de um incêndio, destino que me parece, agora visto ao longe, também muito camusiano”.
A 4 de Julho de 2004, o Jornal de Notícias publica o artigo “Uma escola que marcou a vida intelectual do Porto”, que vos aconselho a ler, atendendo a que se trata de “uma das mais prestigiadas instituições de ensino particular que houve no Porto – a Escola Académica” (sic), fundada por Manuel Francisco da Silva, em 1880.
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Pé de Vento: um longo e desalmado calvário
No ano de 1982, quando regressei à cidade do Porto, a companhia do Teatro Pé de Vento (dirigida pelo encenador João Luiz e pela dramaturgista Maria João Reynaud), cuja vocação era o teatro para a infância e juventude, na época a única do género em Portugal, estava sediada (de 1979 a 1987) no edifício da Ordem de Malta, na Rua das Virtudes, e aí foram realizados 15 espectáculos.
O Pé de Vento iniciou a sua actividade em 1977, na Cooperativa Árvore (também no Porto), integrando a estrutura desta instituição artística como Secção de Animação Teatral.
No dia 22 de Julho de 1978 – como se pode ler no “site” www.pedevento.pt –, a companhia estreou o espectáculo “Ventolão, o maior intelectual do mundo”, com um original de Manuel António Pina, “o primeiro da espantosa série de textos que ele escreveu para o Pé de Vento”, e cuja encenação esteve a cargo de João Luiz. A partir dessa estreia, os espectáculos foram realizados regularmente aos fins-de-semana, tendo como centro de trabalho a Cooperativa Árvore: de manhã, para população local; à tarde, para o público, em geral. Paralelamente, foram apresentados espectáculos em regime de itinerância, tanto no Porto como na sua área distrital.
Entretanto, em resultado da candidatura apresentada à Direcção-Geral de Espectáculos, o Teatro Pé de Vento recebeu o primeiro financiamento anual, que passou a ser regular nos anos seguintes. A necessidade de se constituir como figura jurídica autónoma e de encontrar instalações adequadas às novas exigências de trabalho fizeram com que, no início de 1979, este grupo se tenha mudado para o edifício ocupado pela Comissão de Moradores da Vitória, situado na Rua das Virtudes, um pouco mais adiante da Cooperativa Árvore – o antigo “Clube dos Ingleses”, ocupado no pós-25 de Abril –, onde a Comissão de Moradores tinha organizado vários serviços sociais.
Como também regista a página electrónica do Teatro Pé de Vento (ver Nota 1), apesar “de as instalações da Rua das Virtudes terem permitido ao Grupo desenvolver e projetar o trabalho de modo a transformar-se em Companhia profissional, conquistando o seu espaço próprio no panorama cultural da cidade, não era possível ignorar que o enquadramento legal das comissões de moradores e dos serviços sociais prestados por essas instituições (infantário e ATL) evoluía em sintonia com a transformação sociocultural do país”. (sic)
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O Pé de Vento na Rua do Heroísmo
“Nestas instalações ainda mais precárias, procurámos recuperar a dinâmica de criação que tínhamos conseguido na Rua das Virtudes e dinamizar um novo espaço de representação. Dada a proximidade do novo local de trabalho com a sala de espetáculos TEARTO, edificada pelo TEAR, que entretanto se tinha mudado para Viana do Castelo, estabelecemos um protocolo de colaboração, passando a realizar nessa sala as nossas estreias e a apresentar regularmente as nossa criações” (sic), contam os responsáveis do Teatro Pé de Vento, salientando a sua intrínseca ligação à cidade do Porto.
Na mesma página electrónica, acrescenta-se: “Aí tiveram lugar a estreia e a carreira dos espectáculos ‘Andando, andando…’, com texto de Teresa Rita Lopes (1988); ‘O Aniversário da Infanta’, uma adaptação do conto de Oscar Wilde (1991); e a segunda versão de ‘O Segredo’, de Richard Demarcy (1995).”
Como adianta a Nota 3 (no mesmo sítio electrónico), a “partir dos primeiros anos da década de 90, vão ter lugar um conjunto de alterações políticas e administrativas no Porto que darão origem a uma significativa mudança no panorama cultural da cidade” (sic). “Desde logo[,] as aquisições do Rivoli pela Câmara Municipal do Porto, do Teatro São João (1992) e da Cadeia da Relação pelo Governo Central, entre outros”, esclarece-se, observando: “Também nesta altura torna-se imperioso e urgente encontrar instalações condignas para as Companhias de Teatro da cidade com trabalho regular há mais tempo – TEP, Seiva Trupe e Pé de Vento – cujas condições de trabalho se tinham vindo a degradar com a perca dos seus locais de trabalho.”
Prosseguindo no historial do Teatro Pé de Vento, ficamos ainda a saber que é, aqui, que “entra a política de descentralização do Secretário de Estado da Cultura Pedro Santana Lopes, com a criação do IAC (Instituto de Artes Cénicas)”, em Janeiro de 1994. Por conseguinte, o financiamento anual e regular à actividade do Pé de Vento “é retomado nesse ano, ao mesmo tempo que são encetados os processos com vista à instalação das referidas companhias em local próprio”. Com efeito, entre o final de 1994 e o primeiro trimestre de 1995, “são encontradas três soluções diversas”.
Finalmente, o Teatro da Vilarinha
Com o retomar das conversações com a Secretaria de Estado da Cultura, no final do primeiro trimestre de 1995, de entre as duas propostas então apresentadas pelo Pé de Vento ao Instituto de Artes Cénicas, a escolha acaba por recair, por razões financeiras, no antigo edifício da Junta de Freguesia de Aldoar. A escolha também se fica a dever ao empenho e à sensibilidade cultural do seu presidente, Acácio Gomes, que se predispôs a celebrar, de imediato, um protocolo de cedência de instalações com o Teatro Pé de Vento, o que permitiu iniciar a edificação do Teatro da Vilarinha, ainda nesse ano (1995).
A 26 de Outubro de 2018, o Diário de Notícias (com base na agência Lusa) destaca, em título, que “Pé de Vento deixa ser a companhia residente no Teatro da Vilarinha em novembro”. O parágrafo inicial introduz, de forma concisa e objectiva, o assunto da peça jornalística: “A Companhia de Teatro Pé de Vento deixa de ser, a partir de novembro, a companhia residente no Teatro da Vilarinha, no Porto, pondo fim a uma parceria com mais de duas décadas, anunciou hoje [naquela sexta-feira] aquela companhia. [sic]” E a mesma peça jornalística esclarece, fundamentada num comunicado: “Chega, assim, ao fim, uma parceria com mais de duas décadas e que conseguiu fazer a diferença no universo cultural da cidade do Porto.”
Em força das circunstâncias, a “não renovação do protocolo de cedência de instalações, estabelecido com a União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, ditou a saída da companhia[,] que deixa de ter casa fixa para desenvolver as suas produções.”
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Chamava-se Tzero.com.palco e estava na Rua da Picaria
Era um novo esforço teatral da companhia Art’Imagem, depois de peregrinar pela desaparecida sala do Sindicato do Calçado (?), na Rua Formosa. Foi ali que estreámos as “Histórias para serem contadas”, de Osvaldo Dragun (peça escrita em 1956).
Mais tarde, o Art´Imagem, com encenação minha, representa, no Auditório da Cooperativa Árvore, “O Palhaço Verde”, com textos de Matilde Rosa Araújo, extraídos do romance infantil homónimo e um pequeno excerto da peça do autor chileno Luís Alberto Heiremans, “El Tony Chico” (O Pequeno Palhaço). E também, na desaparecida sala do Realejo1, a peça “Dom Quixote”.
Foi nesta sala do (espaço Art’Imagem) Tzero.com.palco que estreámos o nosso “Rei Ubu – Ubu faz 100 anos” (em 1 de Novembro de 2001). Foi um feliz espectáculo com um belo elenco, em que se destacavam Pedro Carvalho (Ubu) e António Júlio Ribeiro (Madame Ubu), a par de Afonso Guerreiro, de Susana Barbosa, de Susana Lamarão, de Elísio Donas ou de Pedro Cunha, com música original de Jorge Constante Pereira, recentemente falecido, a quem deixo aqui a minha modesta homenagem pela criatividade dedicada a esta criação que fica na minha memória, pela alegria e satisfação que – para todos nós, criadores – significou.
Relativamente à sala na Rua da Picaria (ou seja, o Tzero.com.palco), o processo foi bastante irregular e pouco claro, relembro, aqui, o artigo jornalístico da RTP (seguindo a agência noticiosa Lusa) que fala do assunto: “Câmara do Porto impede Teatro Art`Imagem de estrear peça na sua sala”
Finalmente, o Teatro Art´Imagem Teatro (Companhia de Teatro Profissional) acabaria por sediar-se definitivamente na Maia, apoiado pela autarquia e fazendo do Auditório da Quinta da Caverneira um espaço dinâmico de criação, de exposição e de documentação teatral.
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Nota:
1 – Consultando a Wikipédia, ficamos a saber que o Realejo é uma cooperativa de produção de espectáculos portuguesa. A mesma nota informativa desta enciclopédia livre adianta: “Foi um grupo de teatro profissional criado na cidade do Porto em 1979 a partir de ex-elementos do Teatro Universitário do Porto, do grupo de acção cultural A Feira e outros elementos ligados ao teatro e às artes plásticas. Teve a sua sede e sala de espectáculos na Rua dos Mercadores, 136 (à Ribeira), Porto. O principal impulsionador e director artístico foi Victor Valente. O grupo terminou definitivamente a sua actividade em finais da década de 1980 com a derrocada do edifício onde estava instalada a sua sede.” (sic)
16/02/2023