Estão a chegar os “badalhocos”

 Estão a chegar os “badalhocos”

(politize.com.br)

A direita portuguesa, em geral e infelizmente, não tem cultura democrática. Fazem muita falta homens como Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, João Bosco Mota Amaral e Francisco Vieira de Almeida. Ele até os há, mas não estão na vida política activa. Retiraram-se, primeiro, enojados e, hoje, têm o caminho barrado por uma comunicação social barulhenta, demagógica e fútil. O que prevalece, nos interstícios da base de apoio desta direita, é uma tendência trauliteira, vinda de baixo, dos ignorantes, dos invejosos, dos neocandidatos a tomar conta da gamela. É o lúmpen pequeno-burguês da direita com o grande capital com o rabo de fora. Que lhe deem a mão e vão ver como ela até os ossos rilha.

Na perspectiva do pintor e romancista Maxim Kantor, as acções da “democracia” caíram, enquanto a globalização levou à ascensão de uma nova elite lúmpen super-rica que nem sequer percebe que o Mundo está em chamas. (opendemocracy.net)

Nesta tragicomédia de pacotilha, em que afogamos as caravelas de sonho e epopeias, os aleijões no actual regime, reais, mas empolados por um descontrolo verborrágico de medíocres e um justicialismo, seu parente próximo ou instrumento dos mesmos, que nem redigir uma nota pública sabe, completam a direita que temos.  Ela “contracena” com uma esquerda que se divide entre ser demasiado permeável ao chiqueiro das corruptelas e corrupções e a encolher-se perante os piores desmandos do capitalismo; e uma outra, mais radical e anquilosada de ideias, que deitou fora o bebé e guarda a água da banheira; e uma terceira, que substituiu o campo central da luta laboral por temas ‘fracturantes’, que  o voto de franjas arrebanha, mas também a reacção primária dos males que quer combater, que só ganham com os exageros e as exageras.

7 de Novembro de 2023: dia em que António Costa pediu a demissão de primeiro-ministro. (cnnportugal.iol.pt)

A nossa direita, a que temos, percorre tudo agora, convicta de que, a 7 de Novembro, deu o último golpe que lhe faltava. Está infame, opinante e sente-se opípara: o humor fácil pago a elevados cachets, as acusações sem prova, nem critério, as falsas nostalgias de um passado que nada tinha de melhor e, como o caracol, alguns põem os corninhos ao sol, saindo das fossas sépticas em que se escondiam. Meio século depois, os ratos, os leirões, emergem na saga de serem alguém amanhã. E aos ratinhos que os seguem nem lhes passa pela cabeça de que ficarão engavetados numa situação ainda pior. A amostra, e ainda civilizada, da coligação PàF1, já foi esquecida. Os seus caudilhos e os mandaretes de serviço arvoram-se em defensores do trabalho e sonham com trabalhadores escravos; apontam o dedo (com razão) à falta de habitação, mas o alvo não é o principal provocador disso mesmo: a especulação imobiliária. Dizem-se preocupados com as falhas no Serviço Nacional de Saúde, mas babam-se a pensar na sua destruição.

(Créditos fotográficos: Katerina Hliznitsova – Unsplash)

Nas redes sociais e mesmo no acesso à comunicação social, triunfam os mais rasteiros candidatos a “chegar a sua vez”. Será um fascismo de esfarrapados, sequer sem doutrina, que nem o próprio António de Oliveira Salazar2 os quereria para chefes de repartição na Função Pública. Passarão depressa para dar lugar a uma extrema-direita que não teme matar aos milhares. Os porquinhos-da-índia que os acompanhem serão mordidos pelas serpentes que renascem do ovo: primeiro, populistas, empurrando-os para o abismo; depois, carniceiros, de braço estendido com navalhas e baionetas, a pensarem em sangrar o povo, que tomam por porco.

Será o período de assalto aos “tachos”, mas em silêncio. Virão mais saques, o esbulho do património para condomínios de luxo, o esvaziar de bolsos da pequenada que agora reclama, com razão, por melhores dias. Porém, faz as escolhas erradas, graças ao embotamento mental cozinhado no pimba que devora. Os que sobreviverem estarão moralmente tão devastados como os prédios de guerra, caos e miséria, que, agora, os broncos acompanham insensíveis nos ecrãs caseiros como se fosse umacoboiada” fatela. Mas não é, são corpos chacinados. Não são manequins de borracha como na série televisiva “CSI: NY – Crime Scene Investigation” (conhecida no Brasil como “CSI Nova York). Além disso, apesar de longe, eles são os nossos próximos, no sentido bíblico. E nós seremos os próximos, no sentido adjectivante de um futuro mais-que-imperfeito, que os jagunços lusos preparam de dente afiado e macabro.

São ciclos. Mas este pode ser o último porque, no Mundo, preparam-se formas de enriquecimento extraído de recursos já exauridos, infestam-se os mares e os ares com descargas poluentes da indústria da cambada e andam “doidinhos” por um conflito atómico. Todavia, isso já é de outra narrativa.

(Créditos de imagem: Daniel Arce Lopez / BBC)

Apesar de tudo, Deus deu-me a sorte de ter nascido a tempo para já não ter idade para assistir ao pico da vitória dos mais merdosos. Mas sinto-lhes o cheiro pútrido e o hálito de hienas enraivecidas, disfarçadas de cães famintos. E as “elites” permanecem cegas ao espelho vaidoso de se ouvirem a si mesmas. E passeiam-se com causas que abanam como cauda de vitela a afastar moscas. Vir-lhes-ão as varejas para ferroar minorias e maiorias. Desligo a televisão, não abro os jornais, não tenho Facebook e vou reler Eça de Queirós e ouvir Beethoven. É uma forma de boiar à espera de outra onda com outro rumo. Sem esquecer, porra, que à festa dos cravos, importa juntar outros cravos num caixão onde fique o que se atire para o caixote do lixo da História.

Se Lenine3 hoje escrevesse “O Que Fazer?”4, certamente ouviria nos ventos da História presente e do curto prazo, Samuel Beckett com a frase “Nada a fazer”5 da sua incontornável peça “À espera de Godot”.  Porque “o Senhor Godot diz que não vem hoje”.

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Notas da Redacção:

1 – PàF: Portugal à Frente, que juntou o Partido Social Democrata e o Centro Democrático Social – Partido Popular.

António de Oliveira Salazar
(pt.wikipedia.org)

2 – Segundo a Wikipédia, António de Oliveira Salazar foi um ditador nacionalista português. Além de chefiar diversos ministérios, foi presidente do Conselho de Ministros do governo ditatorial do Estado Novo e professor catedrático de Economia Política, Ciência das Finanças e Economia Social da Universidade de Coimbra.

Lénine (penguinlivros.pt)

3 – Lénine é o pseudónimo usado na clandestinidade pelo político russo Vladimir Ilitch Ulianov, nascido em 1870 e falecido em 1924. Como também nos diz a Infopédia, foi um dirigente comunista russo, orador, teórico com vasta obra de análise e polémica política, o qual conduziu o país à revolução bolchevique, em 1917, e dirigiu, em condições de grande adversidade, a implantação e a consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ou União Soviética.

(fnac.pt)

4 – Romance da autoria de Nikolai Tchernichévski que terá inspirado o ímpeto revolucionário de Lénine. Fascinado, Karl Marx aprendeu Russo para o ler a obra “O Que Fazer?”. O romance trata da história de Vera, de Lopukhov e de Krisanov, três jovens, amigos e amantes, que juntos se dedicam à revolução e à utopia. “Contra a tirania da moralidade e da sociedade da época, sulcam a punho o seu caminho: tornam-se livres”, conclui a nota de apresentação do livro.

5 – O bordão ou expressão “Nada a fazer” pontua toda a permanência de Estragon (Gogo), o personagem que contracena com Vladimir (Didi), na peça “À Espera de Godot”, que Beckett escreveu em 1949 e que só foi publicada no ano de 1952, em Francês.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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23/11/2023

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Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

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