Europa sem fronteiras

 Europa sem fronteiras

(Créditos fotográficos: Marco Dias Roque)

Para quem muda de país, conseguir acesso a um médico, abrir uma conta bancária ou ter um subsídio de desemprego deixa de ser um direito básico e fica dependente de vistos e da boa vontade de guardas fronteiriços ou de funcionários de repartições públicas. Cruzar fronteiras pode ser das coisas mais complicadas do mundo e, mesmo fora de situações extremas, é uma mudança que cria muita ansiedade. Felizmente, faço parte de uma geração onde a liberdade de movimentos dentro da União Europeia (UE) facilita este processo. Infelizmente, sou alguém que se mudou para o Reino Unido depois da saída do país da UE, o famoso Brexit.

Resultado de um referendo renhido, dominado por retóricas populistas e solicitado para o Partido Conservador tentar apaziguar o seu lado mais extremista, a saída do Reino Unido da UE sempre me pareceu uma decisão que vai contra a corrente da História. A UE é uma união política que acabou com séculos de conflitos na Europa Ocidental e que assegura a relevância do “Velho Mundo” na ordem mundial. Criando uma rede de laços económicos e humanos que, sem destruir o conceito de estado-nação de cada membro, a UE une os seus membros à volta de uma ideia que vai mais além. Num mundo sempre instável, a união faz a força e é por isso que nunca entendi o Brexit.

Britânicos descontentes com o Brexit. (pt.euronews.com)

Isto já nem é uma questão de opinião pessoal. Números oficiais indicam perdas de mais 40 mil milhões de libras em impostos devido à saída do mercado comum, dinheiro que ajudaria muito a tirar o serviço nacional de saúde de uma crise que parece cada vez mais insuperável. Situação irónica, já que um dos lemas do Brexit foi que, fora da UE, haveria mais dinheiro para investir na saúde. Ninguém quer admitir o problema, de tal maneira que até o mayor de Londres, Sadiq Khan, tentou forçar o (seu) Partido Trabalhista a tirar a cabeça da areia. O governo inglês – disse Sadik Khan – tem de deixar de “ignorar os imensos danos que o Brexit provocou” à economia do país. Estragos que, para mim, vão muito mais além das questões financeiras.

A UE começou como uma união económica – foi o nome de Comunidade Económica Europeia (CEE) que inspirou os GNR a cantar que queriam ver “Portugal na CEE” –, mas a sua força está no livre movimento de pessoas. Não consigo imaginar Portugal sem a entrada neste mercado comum. Claro que a UE não é perfeita. Uma instituição que tenta dar voz a tantos países diferentes nunca conseguirá conciliar todos e a verdade é que um mercado comum facilita mais a vida dos países que já são potências industriais. Em Portugal, casos como os das quotas do leite, que forçaram muita gente a abandonar a pequena produção ou as subidas de preços com a entrada no Euro, são bons exemplos disso.

(eurosemfronteiras.com)

Contudo, não consigo imaginar como uma Europa sem a UE. Seria cada país pelo seu lado, os ricos continuando ricos, os pobres com ainda mais limitações. Nada de solidariedade quando há fogos, acordos de comércio comuns ou negociar preço de vacinas como um bloco. Não haveria Erasmus nem bolsas científicas, nem ir um fim de semana a uma “capital europeia do nada”, nem a facilidade para encontrar oportunidades de trabalho noutro país.

Tenho poucas certezas, mas sei que gostava de viver num mundo onde cada um, conforme a sua necessidade ou vontade, pudesse sair do seu país sem ter de se preocupar pelos seus direitos, nem estar dependente de empresas para garantir coisas básicas. Se a Europa quer manter-se relevante no futuro, o caminho é o oposto ao do Brexit: mais união, mesmo com todas as dores que criará. É melhor que a alternativa.

Enquanto o populismo continuar a sua digressão nostálgica, esta não será uma ideia muito atraente, mas acho que seremos todos mais ricos quando existir uma federação europeia que começa nas costas de Portugal e nos leva até à Rússia, sem entraves, sem passaportes ou sem fronteiras.

06/02/2023

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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