“Fake news” (não engolir)

 “Fake news” (não engolir)

(*)

Um dos cartazes de agitação e de propaganda que marcaram as paredes de Paris, nas noites de Maio de 1968, ostentava um enorme frasco de vidro, com o formato que associamos ao dos frascos de veneno, em cujo rótulo líamos, em Francês, “Presse, ne pas avaler”, ou seja, em Português, “Imprensa, não engolir”.

Hoje, exemplares desse cartaz são leiloados na Internet atingindo valores jamais sonhados por quem o criou. Um produto de agitação e de propaganda, crítico em relação ao papel dos jornais no contexto político e social que marcou Paris e a França em Maio de 1968, tornou-se num objecto de culto.

Infelizmente, não temos, nestes tempos que vivemos, capacidade para forrar as paredes das cidades com cartazes que recriassem aquele frasco de veneno, identificando-o como o frasco das “Mentiras” e alertando para o perigo de engolir o respectivo conteúdo, “Fake news, não engolir”.

Há 54 anos (mais de meio século), enquanto livres-pensadores, os protagonistas da revolta estudantil parisiense que marcaria muitas mudanças em todo o Mundo desconfiavam de uma Imprensa que consideravam venenosa e, consequentemente, perigosa. Nesta perspectiva, combateram-na com companhas de desacreditação centradas na afixação de cartazes de rua.

Cartazes, quase sempre ou muitas vezes, impressos em papel barato e por técnicas artesanais e artísticas (como a da serigrafia monocromática), de forma a tornar a produção destes materiais de agitação e de propaganda mais rápida e mais acessível. 

O acesso simplificado a estes meios de produção facilitou o combate ideológico, o debate de ideias e até a agitação das mentalidades que sempre alimentam momentos como os que se viveram em Paris, nesse mês de Maio de 1968, e fizeram tremer a França.

(Direitos reservados)

Tudo indicaria que, num mundo onde a comunicação foi simplificada e alargada por força do acesso às ferramentas que a Internet nos trouxe, neste nosso admirável Mundo Novo, a verdade se sobrepusesse à mentira e fosse tão transparente quanto a água potável que sai pura das fontes.

Lamentavelmente, tal não aconteceu e a realidade da desinformação instalada não é susceptível de ser combatida com eficácia apenas com cartazes que denunciam as “fake news”, como sendo veneno que não podemos engolir. 

Esta frente de batalha não bastará, mas é um começo.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

03/05/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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