Falar para o boneco
A iliteracia tecnológica e a exclusão digital são fontes de preocupação de muitos governantes. Na nossa sociedade, já pouco ou nada se faz sem recurso às tecnologias da informação e à Internet, pois, estas são ferramentas essenciais para o acesso ao conhecimento, para a maximização da produtividade e para a interação com sistemas e pessoas. Nesta matéria, como em tantas outras, devemos estar constantemente a aprender, o que contribuirá para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional.
Também nas escolas se investe em formação nas tecnologias da informação e comunicação (TIC), já que, para além de serem um instrumento de futuro, são, hoje, uma ferramenta essencial. É certo que os jovens quase “nascem ensinados” nesta matéria, mas uma formação bem estruturada e bem pensada é fundamental para evitar muitos problemas. Por isso, na minha modesta opinião, para além de uma sólida formação tecnológica, as escolas deveriam também ensinar os alunos a perceberem quando é que as TIC são vantajosas e quando é que não são. Depois, é claro, caberia aos alunos ensinarem os pais, porque muitos ainda desconhecem este tema.
Afinal, quando é que as TIC não são vantajosas? Poderíamos falar deste tema durante muito tempo ou escrever grandes tratados, mas a resposta, curta e simples, é a seguinte: quando são um obstáculo a que pensemos pela nossa própria cabeça, a que exerçamos um raciocínio crítico ou a que interajamos com os que nos rodeiam.
Limitarmo-nos a procurar a resposta para todo e qualquer problema na Internet e a aplicar cegamente o que lá se encontra é, já, um sintoma grave da nossa incapacidade para pensarmos por nós próprios. Não questionar o que se nos depara, abdicando de toda e qualquer análise e ponderação, é o mesmo que assinarmos uma declaração de total incompetência. Deixar que um qualquer processo automático interprete o que dizemos, tome decisões e nos aconselhe ou reaja é colocar nas máquinas o nosso destino.
Há, no entanto, quem fique deliciado quando pode falar para a televisão, pedindo-lhe que aumente o volume ou mude de canal, ou quando, ao ligar para uma qualquer linha de suporte ao cliente, uma máquina lhe pede para explicar o problema para, por reconhecimento de voz e inteligência artificial, interpretar o pedido e decidir o que fazer. No entanto, essas mesmas pessoas são capazes de passar uma refeição inteira sem falar para quem está sentado à mesma mesa, imersos, todos eles, na alienação coletiva dos respetivos ecrãs de telemóvel. Quando é que começámos a achar fantástico falar para máquinas e a detestar falar para as pessoas que nos rodeiam?
Decididamente, detesto qualquer sistema que aceite comandos por voz ou que interprete o que digo, pois fico sempre com a sensação de que sou eu quem suplica e de que são esses sistemas que me concedem, ou não, a graça de me entender ou de concordar comigo, reservando-se o direito de nada fazerem, se eu não conseguir ser suficientemente claro. Devo ser muito esquisito, pois não gosto nada de “falar para o boneco”.
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11/12/2023