Felício

 Felício

Ilustração: Sandra Serra

(*)

O que sucedera com Felício – o pequeno pintassilgo que tinha nascido num ninho da magnólia do jardim – foi revelador de que algo admirável se instalara no coração de Rezinga.

É sabido que, quando os pintassilgos atingem uma determinada idade, os pais esvoaçam com grande alarido, obrigando-os a voar. Tal aconteceu com Felício e com os irmãos da ninhada. Primeiro, caíram do ninho, empurrados pelos pais. E depois, um a um, lá foram esvoaçando, titubeantes e desajeitados, até se elevarem e voarem para os ramos mais próximos. Era o início do caminho para a liberdade. Com alguns riscos, iriam aprender a vivê-la com responsabilidade.

Só Felício tinha ficado no chão do jardim, a ganhar coragem para voar.

Os pais pintassilgos continuavam, numa grande aflição, a incentivar o passarito para que levantasse voo e se fizesse à vida, mas parecia não conseguir. Tinha medo! Felício sentia-se derrotado e infeliz.

O gato, movido pelo seu instinto, ainda caminhou, lentamente, para o apanhar, mas quando enfrentou a pequena ave, desprotegida e frágil, Rezinga amoleceu e perguntou-lhe:

– Como te chamas?

– Chamo-me Felício! – respondeu, estremecendo.

– Por favor, não me faças mal! Sou ainda tão jovem… Ainda não sei voar!… Mas, peço-te que me poupes! – implorou ele, sobressaltado.

Então, Rezinga, amaciado, olhou para o Felício e disse-lhe:

– Desculpa se te assustei. Não tenhas medo. Vá! Tenta voar! Não desistas! Os teus pais vão ficar orgulhosos e tu vais poder conhecer o mundo para lá do teu ninho. Está na hora de tomares conta de ti e de viveres a aventura da vida.

E Felício ali esteve durante mais alguns minutos, até que, encorajado por Rezinga, finalmente voou, perante os olhos de todos os que observavam o esforço do pintassilguinho e a atitude surpreendente do gato, que tinha conseguido, uma vez mais, desmanchar o seu instinto felino.

Durante longos anos, Felício pousava todos os dias no galho de uma árvore, perto de Rezinga e cantava divinamente para ele. Era a forma que tinha de lhe demonstrar gratidão por este o ter apoiado e lhe ter dado a oportunidade de viver. A arte canora da ave era escutada por Rezinga, que fruía a encantadora melodia. De vez em quando, levantava a cabeça para ver Felício e sentia uma agradável sensação de bem-estar.

Na serenidade do seu descanso, sobre o muro da casa, enquanto contemplava o horizonte, como se sonhasse com outro mundo, lá longe… muito longe… Rezinga dizia para si mesmo: «Como o canto de um pintassilgo nos faz sentir tão felizes…»

E, em sintonia com a música entoada por Felício, irrompia em Rezinga o prazer da generosidade e da gentileza.

………………….

(*) In “Rezinga – Um gato do outro mundo”

08/08/2022

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Celeste Almeida Gonçalves

É professora e escritora de obras para a infância e juventude, desenvolve vasta atividade de mediação de leitura em escolas e bibliotecas e dinamiza variados projetos, no âmbito da leitura e da escrita criativa.

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