Felício
(*)
O que sucedera com Felício – o pequeno pintassilgo que tinha nascido num ninho da magnólia do jardim – foi revelador de que algo admirável se instalara no coração de Rezinga.
É sabido que, quando os pintassilgos atingem uma determinada idade, os pais esvoaçam com grande alarido, obrigando-os a voar. Tal aconteceu com Felício e com os irmãos da ninhada. Primeiro, caíram do ninho, empurrados pelos pais. E depois, um a um, lá foram esvoaçando, titubeantes e desajeitados, até se elevarem e voarem para os ramos mais próximos. Era o início do caminho para a liberdade. Com alguns riscos, iriam aprender a vivê-la com responsabilidade.
Só Felício tinha ficado no chão do jardim, a ganhar coragem para voar.
Os pais pintassilgos continuavam, numa grande aflição, a incentivar o passarito para que levantasse voo e se fizesse à vida, mas parecia não conseguir. Tinha medo! Felício sentia-se derrotado e infeliz.
O gato, movido pelo seu instinto, ainda caminhou, lentamente, para o apanhar, mas quando enfrentou a pequena ave, desprotegida e frágil, Rezinga amoleceu e perguntou-lhe:
– Como te chamas?
– Chamo-me Felício! – respondeu, estremecendo.
– Por favor, não me faças mal! Sou ainda tão jovem… Ainda não sei voar!… Mas, peço-te que me poupes! – implorou ele, sobressaltado.
Então, Rezinga, amaciado, olhou para o Felício e disse-lhe:
– Desculpa se te assustei. Não tenhas medo. Vá! Tenta voar! Não desistas! Os teus pais vão ficar orgulhosos e tu vais poder conhecer o mundo para lá do teu ninho. Está na hora de tomares conta de ti e de viveres a aventura da vida.
E Felício ali esteve durante mais alguns minutos, até que, encorajado por Rezinga, finalmente voou, perante os olhos de todos os que observavam o esforço do pintassilguinho e a atitude surpreendente do gato, que tinha conseguido, uma vez mais, desmanchar o seu instinto felino.
Durante longos anos, Felício pousava todos os dias no galho de uma árvore, perto de Rezinga e cantava divinamente para ele. Era a forma que tinha de lhe demonstrar gratidão por este o ter apoiado e lhe ter dado a oportunidade de viver. A arte canora da ave era escutada por Rezinga, que fruía a encantadora melodia. De vez em quando, levantava a cabeça para ver Felício e sentia uma agradável sensação de bem-estar.
Na serenidade do seu descanso, sobre o muro da casa, enquanto contemplava o horizonte, como se sonhasse com outro mundo, lá longe… muito longe… Rezinga dizia para si mesmo: «Como o canto de um pintassilgo nos faz sentir tão felizes…»
E, em sintonia com a música entoada por Felício, irrompia em Rezinga o prazer da generosidade e da gentileza.
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(*) In “Rezinga – Um gato do outro mundo”
08/08/2022