Fernando Lanhas em Serralves: “O Homem é fenómeno magistral”
Com o título “O Homem é fenómeno magistral”, o Museu de Serralves inaugurou uma exposição da obra de Fernando Lanhas (1923-2012), para assinalar o centenário do artista, arquitecto e astrónomo, a qual poderá ser visitada até ao dia 3 de Março de 2024.
A Fundação de Serralves apresenta o artista “como uma das figuras mais destacadas da arte portuguesa do século XX”, observando que a “sua pintura foi pioneira na introdução do abstracionismo geométrico em Portugal, a partir de meados dos anos 1940”.
De acordo com a informação disponibilizada pela Fundação de Serralves, num “texto que publicou no ano 2000, Fernando Lanhas descreveu o Homem como ‘um fenómeno magistral’: é um texto elucidativo do seu pensamento, do seu entendimento do mundo e compreensão de algo mais vasto do que o mundo, o universo”. Ou seja, um “texto que refle[c]te uma apreensão da realidade a partir de uma unidade central, o ser humano, que acabará por constituir a escala de todo o seu processo artístico”.
É difícil, enquanto escrevo, fugir desta definição integral e integradora do Homem no nosso planeta. Lembro-me do Fernando Lanhas na sua mirada clara, olhar inquietante e curioso de tudo o que o rodeava. Devo a sua amizade ao amigo comum o escritor e poeta José Viale Moutinho, que mo apresentou num almoço, aí pelos anos de 1986 ou de 1987. Nesse tempo, Viale Moutinho era o presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e o arquitecto Fernando lanhas era o autor das obras de recuperação desse belo edifício situado na baixa da cidade. Com Fernando Lanhas, éramos vizinhos na zona de Belmonte (arruamento nas freguesias de Miragaia e de São Nicolau), onde estava sediada a nossa Escola Superior Artística do Porto (ESAP), e o Museu de Etnografia / Museu de Etnologia do Porto, quando ainda estava aberto. Realizei várias visitas ao Museu com os meus alunos.
O director do Museu de Etnografia, Fernando Lanhas, estava sempre à nossa espera e, como o mais carinhoso cicerone, conduzia-nos pelas salas do belo edifico de São João Novo.
O primeiro momento era dedicado a explicar uma das suas obras que estava afixada quase à entrada do edifício. Era um esquema gráfico/cosmogónico da evolução do Sistema Solar e do nosso planeta, desde o Big Bang (segundo a teoria cosmológica dominante acerca do desenvolvimento inicial do Universo) até os nossos dias. Julgo que essa obra estará guardada ou preservada. Aí, o artista explicava-nos como era ínfima a nossa presença nessa representação ilustrada, obra plástica que revelava o seu interesse pelo mundo natural e pelo Cosmos.
A visita seguia pelas outras dependências. Entre as muitas maravilhas guardadas no museu, destacava-se uma sala muito bem conservada e apetrechada de uma farmácia antiga. A caixa do primeiro elevador de cidade do Porto1, que funcionou no edifício do Largo de São Domingos, que seria também uma das sedes da ESAP, durante muitos anos. E, claro, aquilo que não posso deixar de mencionar: um conjunto de robertos ou de fantoches populares da cidade do Porto, como ilustra a fotografia acima publicada.
Mesmo depois de fechado o Museu de Etnografia / Museu de Etnologia do Porto, os nossos encontros sucederam-se nas proximidades de Belmonte e de São Domingos. Numa das minhas viagens, trouxe, a seu pedido, uma amostra de areia das praias do Chile. Mais tarde, Fernando Lenhas explicou-me que essa areia, sim, essa mesma areia, se encontrava na Lua, e levantou o olhar para o céu.
Guardo dele, entre outras coisas, além de belas recordações, um desenho de umas andas populares que realizou, para mim, com traço rápido, elegante e esguio, como os riscos que decoram as suas pedras.
Há uns anos, antes de abandonarmos o edifico de Belmonte, apareceu na nossa escola (ESAP) um dos seus filhos, ao qual perguntei se alguém da família conserva um breve poema que escrevi ao seu pai. Não guardei cópia, como é costume, nem rascunho. Mas lembro-me de um poema breve que o descrevia, numa manhã de Inverno, enquanto descia a Rua de Belmonte, sereno e calmo como o homem das estrelas, agasalhado num sobretudo azul-escuro.
Por cima do Túnel da Ribeira foi colocado um painel de azulejos inspirado numa obra de Fernando Lanhas. A obra entrava, assim, em diálogo com o outro painel de azulejos: “Ribeira Negra”, de Júlio Resende. Degradado o painel de Fernando Lanhas, há uns tempos, a Câmara Municipal do Porto prometeu, no dia 3 de Setembro de 2023, restaurar a obra situada no Largo dos Arcos da Ribeira. Seria uma boa forma de honrar o centenário do artista!
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Notas:
1 – Como informa o jornal Observador, na sua edição de 6 de Dezembro de 2023, o Museu de Etnografia e História do Douro Litoral foi criado a 15 de Dezembro de 1945, no edifício do Palácio de São João Novo, “um solar da primeira metade do século XVIII com uma fachada de decoração barroca, mas que teve de ser encerrado em 1987 devido a um incêndio, que provocou a perda da biblioteca e do arquivo e obrigou a que parte da coleção fosse transferida para a Casa da Reclusão Militar, hoje conhecida como Quartel de S. Brás”.
Em 1973, Fernando Lanhas foi nomeado director do Museu de Etnografia e História do Porto, tendo terminado as suas funções em 1993, data da sua aposentação, por limite de idade.
2 – Como escreve Carmen Navarro, no jornal ETC. e Tal, a cidade do Porto “teve o seu primeiro elevador doméstico, e talvez um dos primeiros em Portugal no século XIX em 1850”. “Esta máquina maravilhosa funcionou no número 80 do Largo de S. Domingos, esta casa era na época uma das mais altas da cidade, cinco andares”, nota Carmen Navarro.
A articulista diz-nos ainda que o seu proprietário, José Gaspar da Graça, “negociante e tido como capitalista, homem elegante, que se mexia bem na alta finança tinha Comércio de papelaria e confe[c]ções muito bem frequentado no rés-do-chão deste prédio”, que era também a sua habitação e da família. José Gaspar da Graça foi escrivão do Tribunal do Porto e “gostava de viver numa certa opulência e comodidade”. Por isso, ter de “subir e descer tantos andares não era coisa muito interessante”. Por conseguinte, “mandou construir um elevador que não era mais [do] que uma caixa de madeira que só dava para uma pessoa e se movimentava por roldanas e a força braçal”, tendo “um travão que podia ser acionado também no interior para poder parar nos andares”.
Como recorda Carmen Navarro, pouca utilidade teve, “porque as pessoas tinham medo de andar na maquineta”. De facto, “passado um século”, tornou-se “peça de museu”, pelo “querer de Manoel Francisco de Araújo Júnior da Papelaria Araújo & Sobrinho que o ofereceu ao Museu Etnográfico e História do Porto”.
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18/01/2024