FITEI 2024 (I)

 FITEI 2024 (I)

(fitei.com)

Começamos por ler, na página electrónica do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), um interessante depoimento do director do FITEI, Gonçalo Amorim: “No contexto das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, gostaria de relembrar que a primeira edição do FITEI foi em 1978, a sua fundação em 1977, e que as mulheres e homens que fundaram a cooperativa, o seu festival e que idealizaram a sua missão, foram visionários, na identificação das suas prioridades e da sua latência. 50 anos depois do 25 de Abril, anos vividos em democracia, com profundas mudanças, entre elas a criação do Serviço Nacional de Saúde, a liberdade de expressão, a democratização da escola pública, o cimentar das liberdades e garantias, sobretudo no que diz respeito aos direitos das mulheres e das crianças, a criação de um estado social alicerçado na nova constituição, o FITEI, nos seus 47 anos de existência, continuou fiel à sua missão.”

(fitei.com)

Com estas palavras Gonçalo Amorim introduz a programação e os objectivos de uma nova edição do FITEI, a programação da 47.ª edição rege-se pelo tema “Trauma, Bravura e Fantasmagorias”, desenvolvendo e densificando, assim, aspectos temáticos já abordados na edição de 2023. Por conseguinte, o programa é movido pelo binómio “Trauma e Bravura”, que na edição 46.ª buscava investigar como o teatro é capaz de evocar conceitos como os de “violência”, de “memória” e de “política”, tão intrínsecos às comunidades afro-ibero-americanas.

Nos primeiros dias do Festival, houve uma reposição, desta vez no Teatro Nacional São João (TNSJ), da peça “Manuela Rey Is In Da House”, com encenação e dramaturgia de Fran Núñez, director do Centro Dramático Galego.

Peça “Manuela Rey Is In Da House”. (tnsj.pt)

Uma espécie de evocação ou de regresso post-mortem da actriz galega que triunfou nos palcos de Lisboa. Manuela Rey, que, em circunstâncias ainda não inteiramente esclarecidas, emigrou muito jovem para Portugal, tendo-se tornado uma das actrizes mais célebres do seu tempo. Estreou-se aos 13 anos no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, naquele que foi o primeiro acto de uma “carreira fulgurante”, interrompida pela morte precoce, em 1866, aos 23 anos.

O regresso de Ionesco aos palcos do Porto, com “Amédée ou como desembaçar-se”, é uma das primeiras peças do autor romeno. Breve, mas encontramos nela todos os elementos que farão de Ionesco, no futuro, o grande escritor do Teatro do Absurdo.

Considerando uma nota informativa da Companhia DOIS, lemos também: “Amédée e Madeleine têm um problema: há 15 anos que vivem com um cadáver no quarto ao lado. O corpo contraiu a ‘doença incurável dos mortos’ e começou a crescer cada vez mais depressa, ameaçando ocupar todo o apartamento. Chegou o momento de o casal se livrar de vez daquele monstruoso transtorno.‘Amédée ou Como Desembaraçar-se’(1954) é a primeira peça em três a[c]tos de Eugène Ionesco, o dramaturgo franco-romeno que, a par de Beckett e Genet, não deixou pedra sobre pedra na tradição teatral europeia durante o século XX. Depois de já ter dirigido ‘Delírio a Dois’ (2020) e ‘A Cantora Careca’ (2021), o a[c]tor e encenador Ivo Alexandre, dire[c]tor artístico da Companhia DOIS, regressa ao universo burlesco e desesperadamente cómico de Ionesco. Um autor cujo poder de atra[c]ção continua a expandir-se, ‘em progressão geométrica’, transbordando, incontrolável, do palco para a plateia e da plateia para todo o lado.”

Monólogo “One Night at the Golden Bar”. (Créditos fotográficos: Alejandra Amere – achtungmag.com)

Por sua vez, “One night at the golden bar” é um belo monólogo, acompanhado musicalmente e de grande beleza e impacto cénico. Um actor e um músico falam-nos dos seus sonhos, traumas, esperanças, fracassos e êxitos. É um espectáculo carregado de sensualidade aportada pela intensa interpretação do executante. Este é, talvez, um dos mais belos monólogos que já vi.

O actor Alberto Cortés explica o seu espectáculo: “Chamei One night at the golden bar à experiência de me tornar vulnerável para encontrar a beleza que aparece na declaração de amor pirosa, sentida, antiquada e queer. O orador e a investigação da voz cantada e musicada apareceram quando escrevia sobre o êxtase e o romântico. Em suma, queria encontrar uma canção que destacasse a fragilidade dos afetos a partir do olhar queer. Quero invocar a figura do anjo a partir de uma espécie de céu inventado, questionar-me sobre quais as identidades que se encontram ao mesmo tempo nesse lugar vulnerável e monstruoso, e como vamos proteger esses corpos quando estão expostos na sua fragilidade. Para me compreender, digo a mim próprio que isto é sobre o que os fogos do desejo e do amor fizeram ao meu corpo e à minha linguagem quando penso noutros homens. Pelo caminho, aparecem-me todas as fissuras não resolvidas que fazem parte do intangível associado ao romântico. As tensões entre as teorias que formulamos para inventar novas formas de nos relacionarmos com a toxicidade masculina e a heteronorma e, ao mesmo tempo, a capacidade de adoecer de desejo perante o homem que lavra a terra. Essa fenda é esta performance. Apesar de também poder ser o ataque que Ana Torroja canta em La Fuerza del Destino quando diz ‘uma noite no Bar do Ouro, decidi atacar’. E também pode ser o que Rilke disse: ‘todos os anjos são terríveis’. Ou todas essas outras coisas que vejo quando canto o amor, mas que não entendo.”

O mesmo espectáculo tem conceito, dramaturgia, textos e interpretação de Alberto Cortés. Já a música e o espaço sonoro são da responsabilidade de César Barco Manrique.

(teatromunicipaldoporto.pt)

No monólogo “No Hay Banda”, de Martin Flores Cárdenas, assistimos ao caminhar na corda bamba. Ou seja, a um caminhar em que não há fio sustentável para o equilíbrio do actor/protagonista/autor. Intérprete que, no final do espectáculo, à maneira de agradecimento, expressou a solidariedade com os grupos independentes de teatro em Portugal, a exemplo da associação cultural Mala Voadora – Companhia de Teatro, na Rua do Almada, no Porto, local no qual se representou o seu espectáculo, nunca olvidando o difícil momento em que vive o seu país, a Argentina.

“No Hay Banda”, de Martín Flores Cárdenas. (agendaculturalporto.org)

Atendamos à descrição do próprio espectáculo:Um dramaturgo e dire[c]tor argentino é convidado a apresentar seu próximo trabalho num festival no Brasil. No entanto, essa peça sequer existe. ‘No Hay Banda’ propõe-se a revisitar o processo de escrita e encenação de uma peça, questionando os limites da existência e da representação. Nesta obra, Flores Cárdenas investiga o ponto zero do fenómeno teatral: o próprio corpo. O mesmo corpo que teclava e respirava nas sombras agora sobe ao palco pela primeira vez. Mas estar em palco é representar? Onde começa a ficção e onde termina? ‘No Hay Banda’ desconstrói uma peça enquanto constrói outra, na qual um dramaturgo testa a materialidade do seu corpo, a[c]tor principal de toda a utopia.”

Há muitos anos que o FITEI abre um espaço para os actores em formação. Assim, nesta vez, já foi apresentado o exercício dos estudantes da licenciatura em Teatro da Escola Superior Artística do Porto (ESAP), a partir do texto “Rei Édipo”, de Sófocles. Como informa a própria ESAP: “Os estudantes do 1.º ano de Teatro da ESAP + estudantes ERASMUS, apresentam Édipo 2024 2.0, adaptação revista e melhorada do exercício final do primeiro semestre. Édipo é a tragédia grega que o filósofo Aristóteles elege como exemplar. Na ESAP, regressamos sempre a Édipo para iniciar o Curso de Teatro. Pensámos inicialmente o Édipo com a ideia daquilo que se vê e também do mais essencial no a[c]tor, na a[c]triz. A célula mínima do teatro é haver alguém que faz enquanto alguém vê. Édipo 2024 foi feito num espaço vazio para trabalharmos o essencial e o mínimo: monólogos. O essencial seriam as personagens que falam de um enigma e se descobrem desgraçados.”

No dia 25 de Maio, os alunos do Ballet Teatro apresentaram o seu exercício também baseado na peça de Sófocles.

Igor Sampaio (Argante), Carlos Paulo (Scapin) e Hugo Franco (Silvestre), em “As Artimanhas de Scapin”, pela Comuna Teatro de Pesquisa, em Lisboa. (Créditos fotográficos: Bruno Simão – dgartes.gov.pt)

Finalmente, uma nota sobre Argentinos e Turcos. O presidente da Argentina, Javier Gerardo Milei, viajou a Espanha com recursos públicos para participar num encontro privado de uma organização de ultradireita espanhola, ainda “teve a lata” de insultar o primeiro-ministro espanhol e a esposa de Pedro Sánchez. Por cá, o partido Chega insulta o povo turco na Assembleia de República. Molière, que nos faz rir há quase três séculos, serve-se de uma mentira, atribuindo a um falso turco um rapto numa galera, a cena está em “As Artimanhas de Scapin” e é extremamente hilariante. Porém, essa personagem não existia, era tudo inventado. Enquanto Molière nos faz rir, o Chega dá pena!

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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30/05/2024

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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