Francisco e a árvore (1)

 Francisco e a árvore (1)

Ilustração: Cristina Malaquias

(*)

Francisco tinha-se transformado num expedito explorador da quinta. O verão convidava a calcorrear os caminhos e os seus sentidos arregalados não perdiam pitada. O menino estava encantado com tanta novidade. De vez em quando, deitava-se à sombra da grande oliveira que ficava diante da casa. Era uma árvore frondosa, com grossos troncos e folhagem densa. O azul do céu ficava recortado pelas suas folhas e ele enchia os pulmões de ar, respirando fundo.

Por vezes, fechava os olhos e experimentava não pensar em coisa nenhuma. Mas logo se cansava do jogo. «Impossível não pensar!» – dizia para si mesmo. E lembrava-se das palavras do professor José. O avô tinha pendurado um baloiço num dos ramos fortes da árvore, e noutras ocasiões, para arrelia da mãe, Francisco aproveitava para desafiar o vento. – Veloz como o vento! Veloz como o vento! E voava no baloiço até quase tocar o céu.

Outras vezes, deixava-se embalar num balouçar distraído, maquinando novas brincadeiras e aventuras. Para Francisco, aquela oliveira era uma espécie de refúgio. Gostava de a trepar e de se esconder entre os seus ramos. Ficava ali, longos minutos, deixando que as ideias tomassem conta de si. Encavalitado num dos seus vigorosos braços, observava até aonde a vista podia alcançar, qual vigilante na torre de vigia. Então, sentia-se no topo do mundo!

Certo dia, uma vizinha veio visitar o avô e trouxe a neta. Mariana era uma miúda da sua idade e, por isso, logo trataram de se conhecer. Francisco simpatizou com ela. Não era manienta e até alinhava nas suas conversas e brincadeiras. Às vezes, ficavam sentados junto da oliveira e falavam de coisas intrigantes e misteriosas. Era assim que gostava de lhes chamar: «coisas intrigantes e misteriosas». Fazer perguntas e procurar respostas era uma espécie de jogo de que ambos gostavam.

Ao princípio, Mariana ficava um pouco desconcertada com as perguntas de Francisco, mas, passado algum tempo, também ela contribuía com interrogações sobre as tais coisas intrigantes e misteriosas. A vida, a morte, o trabalho, a felicidade, os outros, a Natureza, o pensamento e muitos mais assuntos eram, para os dois meninos, motivo de inúmeras questões, para as quais procuravam respostas. «Porque é que vivemos? O que é ser feliz? Porque precisamos de trabalhar? Podemos viver uns sem os outros? Seríamos os mesmos sem a existência dos outros? É possível entender tudo? Se alguém entendesse tudo, continuaria a pensar? O que é pensar?»

Francisco e Mariana entregavam-se a estas e a outras infindáveis perguntas, descobrindo assim o prazer de questionar o mundo. Durante estes diálogos, o Cusco assistia serenamente ao entrelaçar de palavras, deitado com o focinho entre as patas e seguindo fixamente cada movimento.

A grande oliveira parecia compreender a conversa dos dois meninos, abanando suavemente os seus ramos a cada ideia e produzindo um sussurro de brisa com o respirar brando, naqueles dias quentes de verão. A sua sombra e frescura tornavam-na cada vez mais majestosa aos olhos de Francisco. Já estava habituado ao ramalhar da oliveira.

Nas noites cálidas, recostava-se nela, o mais alto que podia, e olhava para as estrelas por entre as folhas. A negra abóbada parecia uma cidade cheia de luzes cintilantes. De vez em quando, uma delas riscava o céu, brilhando acesa na escuridão. O pai explicara-lhe que são estrelas cadentes, fenómenos luminosos que acontecem devido ao atrito a que são sujeitos os meteoritos, provenientes do espaço, na atmosfera terrestre. A mãe tinha-lhe dito que fizesse um pedido sempre que visse uma estrela cadente. A certa altura, ele pensou: «Como é ridículo fazer um pedido a um pedregulho! Mesmo vindo do espaço!»

E ali ficava, sob o céu estrelado, abraçado pela árvore, contemplando os riscos luminosos na noite, ora das estrelas cadentes – que, afinal, são uma espécie de pedras espaciais – ora dos aviões que cruzavam, a toda a hora, o céu, vindos sabe-se lá de onde e indo sabe-se lá para onde.

Certo dia, estava tão entretido, de nariz espetado no cintilante firmamento, que nem reparou que o avô Daniel o observava debaixo da árvore. – Estás a olhar para as estrelas? Podes olhar, mas não apontes que te nascem cravos nos dedos! – advertiu o avô. O menino lembrou-se então que o professor José tinha, certo dia, explicado que essa ideia é uma espécie de crença, mas que, na verdade, os cravos ou verrugas resultam de um vírus fácil de tratar. – Ó avô, isso não é verdade! As pessoas acreditam em cada coisa! – exclamou o Francisco. – O avô Daniel sorriu envaidecido pela pronta resposta do neto e pensou com os seus botões que o garoto era bem esperto e arguto.

Francisco ficou largos minutos a matutar no facto de nem todas as crenças das pessoas serem verdadeiras. Sabia que, na escola, vamos aprendendo a distinguir as crenças e ilusões dos conhecimentos verdadeiros. Lembrou-se de que o professor José dizia que devemos aprender a desconfiar das nossas certezas e das opiniões já feitas. Basta que o nosso pensamento entre em ação, faça perguntas e aprenda a duvidar e a questionar o passado, o presente e o futuro. Isso mesmo tinha aprendido a fazer em algumas aulas bem animadas, em que o professor lembrava que um dos direitos da criança é poder dar a sua opinião e ser ouvida pelos adultos, para, logo a seguir, recomendar que as opiniões devem ser sempre baseadas em bons argumentos.

………………….

(*) In “A Oliveira Mágica”

22/08/2022

Siga-nos:
fb-share-icon

Celeste Almeida Gonçalves

É professora e escritora de obras para a infância e juventude, desenvolve vasta atividade de mediação de leitura em escolas e bibliotecas e dinamiza variados projetos, no âmbito da leitura e da escrita criativa.

Outros artigos

Share
Instagram