Francisco Lucas Pires: o professor controverso que a direita baniu
Luís Montenegro, na qualidade de presidente do Partido Social Democrata (PSD), disse, em Braga, que a nova Aliança Democrática (AD) quer “olhar para a frente”, sem nenhum problema em recordar o espírito original. Disse também que a nova AD representa “a vontade de colocar o interesse público, o interesse das pessoas, que nos transporta para a decisão material de irmos a eleições retomando uma Aliança Democrática que fez história”.
O desejo de Montenegro para que a nova AD possa repetir a história da velha AD esbarra de frente com a realidade que o país vive. Bem diferente daquela que levou à criação da primeira AD, em 1979. O Centro Democrático Social –
Partido Popular (CDS-PP) é um partido moribundo, sem presença parlamentar, que valerá escassos 1,5% de votos; e o Partido Popular Monárquico (PPM) uma bizarria que, nas últimas eleições, teve 260 votos.
Acresce que PSD de hoje não é o PSD de 1979. E o mesmo acontece com o CDS. Muitos dos votantes no PSD e no CDS-PP apoiam, agora, o clown criado por Pedro Passos Coelho. À nova AD faltam também figuras com o peso intelectual e institucional de Francisco Sá Carneiro, de Diogo Freitas do Amaral e de Gonçalo Ribeiro Telles. E de Francisco Lucas Pires, o professor banido da história da direita.
Tal revisão histórica omite o papel de Francisco Lucas Pires (1944-1998) como coordenador-geral da velha AD. Advogado e académico, que recordo, foi militante do CDS, partido que liderou em 1984-1985, e do PSD, a que aderiu em 1997, um ano antes da sua morte, devido a doença cardiovascular súbita.
Banir Lucas Pires da história da direita é uma indecência. Uma injustiça que choca de frente com a valia intelectual e política do professor de Coimbra, que foi ministro da Coordenação Científica no VII Governo Constitucional, entre 1982 e 1983, e responsável político pela realização da XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, subordinada ao tema “Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento”.
Deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, Francisco Lucas Pires foi pensador e tribuno de eleição. Distinguido entre nós e na Europa. O presidente Jorge Sampaio (1939-2021) concedeu-lhe, em 1998, a título póstumo, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo; e o Parlamento Europeu, onde foi o primeiro português a ocupar a vice-presidência, agraciou-o com a Medalha Robert Schumam1 e atribuiu o seu nome a uma sala de leitura da sua Biblioteca.
Francisco Lucas Pires foi um político respeitado pelos seus adversários. Quando morreu, em 1998, João Amaral (1943-2003), em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) na Assembleia da República, enalteceu “as suas qualidades como homem da política, mas também as suas qualidades como cientista do Direito e como Professor Universitário”. “Dos muitos amigos que fez ao longo da sua vida, ouvimos a evocação das suas qualidades pessoais, em todos os campos em que a vida de um homem se projecta”, observou o deputado comunista.
O professor de Coimbra, tal como então disse João Amaral, “escolheu o seu próprio percurso, um percurso certamente controverso, como deve ser toda a política”. “Fê-lo com a consciência de que a política, os órgãos de poder, os partidos, os grupos, são feitos e constituídos por homens, por homens livres, que assumem, devem assumir, o encargo de juntarem as suas próprias convicções e forças, a sua própria maneira de estar e pensar, a uma causa comum”, acentuou o ex-líder parlamentar do PCP.
Perante o esquecimento a que está votado, tenho para mim2 que esta gente da nova AD não gosta de homens livres como Francisco Lucas Pires. Falta-lhes ciência e leituras. Provam-no a pobreza franciscana das suas intervenções, a sua maneira de estar na vida política e uma completa ausência de pensamento sobre a causa comum.
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Notas:
1 – Robert Schuman nasceu no Luxemburgo, em 1886, mas fez toda a sua vida política em França, onde morreu em 1963. Democrata-cristão, Robert Schuman exerceu as funções de primeiro-ministro de França, entre Novembro de 1947 e Setembro de 1948. Em Julho de 1940, esteve entre os 568 parlamentares franceses que atribuíram “plenos poderes” ao marechal Philippe Pétain).
Schumam foi preso pela Gestapo e posto secretamente na prisão de Metz, sendo, mais tarde, transferido para Neustadt, no Rheinland-Pfalz, em 13 de Abril de 1941. Conseguiu fugir e alcançar a zona livre em Agosto de 1942, passando pela abadia de Ligugé. Presidiu ao Conselho do Mouvement Républicain Populaire (MRP) (em 1947) e foi ministro de Relações Exteriores (1948-1952). Schumam protagonizou os grandes tratados do final da Segunda Guerra Mundial (Conselho da Europa, Pacto do Atlântico Norte, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA, etc.).
A Declaração Schuman, de 9 de Maio de 1950, colocou a produção franco-alemã de carvão e de aço sob uma Alta Autoridade comum, aberta à participação de outros países da Europa. Essa proposta levou à criação da CECA, que foi origem da atual União Europeia. Um processo de beatificação de Robert Schuman foi aberto pela Igreja Católica em 9 de Junho de 1990, nele foram ouvidas 200 testemunhas, o processo conta 50 mil páginas e pesa cerca de meia tonelada. Actualmente, encontra-se na Congregação para as Causas dos Santos na Santa Sé para exame. Foi, entretanto, declarado Servo de Deus, o primeiro passo para a eventual beatificação. Em 19 de Junho de 2021, foi declarado Venerável.
2 – Como é certo e sabido, público e notório, nunca votei na AD e também não o farei no dia 10 de Março.
Fontes consultadas: Infopédia, Wikipédia, sítio do PCP na Internet.
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08/01/2024