Gato por lebre

 Gato por lebre

Primeiro-ministro Luís Montenegro (cnnportugal.iol.pt)

Cavaco Silva foi à Estufa Fria, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, garantir: “Luís Montenegro demonstrou que está bem preparado para ser primeiro-ministro, para dirigir o Governo, para orientar e coordenar os ministros, como manda a Constituição.” A afirmação foi feita no último dia de campanha eleitoral que, em Março, garantiu a vitória ténue da Aliança Democrática (AD).

E, há escassos dias, Luís Montenegro, na Curia, confessou: “É notável, mas estou mesmo a gostar muito de governar.” Tal notabilidade é um exagero. Claramente. Demonstra-nos a história dos seus primeiros 30 dias de governança, cumpridos na última quinta-feira.

(cnnportugal.iol.pt)

A mudança do símbolo do Governo, a escolha de um animador televisivo para cabeça-de-lista às “Europeias”, o pedido de demissão de Fernando Araújo da Direcção Executiva do Serviço Nacional da Saúde (SNS) e a exoneração grosseira de Ana Jorge da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) provam que Luís Montenegro não tem a “serenidade” e a “seriedade” proclamada por Cavaco Silva, no último dia da campanha eleitoral.

Também a sua capacidade para “orientar e coordenar os ministros, como manda a Constituição” e como sublinhou o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República, na Estufa Fria, foi posta em causa pelo seu titular da “Defesa”, que defendeu o recrutamento de jovens delinquentes para as Forças Armadas; logo, secundarizado pela ministra da Administração Interna, que não só concordou com a proposta como garantiu: “Obviamente que falou em nome de todo o Governo.”

(Créditos fotográficos: Rui Ochoa – Presidência da República)

A ideia, peregrina, de Nuno Melo levantou um coro de críticas entre os militares. Por não fazer “qualquer sentido”, pois arrisca transformar as Forças Armadas “numa colónia penal” e os quartéis “numa penitenciária”. “Quando não percebemos para que servem as instituições militares, surgem estas ideias estapafúrdias”, criticou o major-general Agostinho Costa. A Iniciativa Liberal (IL) também “disparou” sobre Nuno Melo e quer ouvi-lo no parlamento.

Como sempre acontece quando fala mais do que deve, como o fez quando defendeu, em entrevista à CNN, uma aliança com o partido da extrema-direita parlamentar, o ministro da Defesa negou, posteriormente, ter defendido a medida para recrutar delinquentes, mas admitiu que tal “hipótese foi abordada meramente em contexto apenas académico.”

Perante tantas historinhas numa história de escassos 30 dias, pergunto se Aníbal Cavaco Silva, que se deu ao trabalho de sair do seu gabinete presidencial do Convento do Sacramento, em Alcântara, ainda considera que Luís Montenegro é “tão ou mais bem preparado” do que ele próprio, quando foi chefe de Governo.  Ou se tal elogio mais não foi do que uma forma de vender gato por lebre…

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06/05/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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