Geologia antes da escrita

 Geologia antes da escrita

(grupoevolucao.com.br)

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Ao alimentarem-se de frutos, raízes e animais que, de início, colectavam e, mais tarde, cultivavam ou apascentavam, os nossos antepassados pré-históricos interagiram de muito perto com a biodiversidade dos ambientes que foram ocupando.

Interagiram igualmente com a geodiversidade, entendida como o conjunto de todas as ocorrências de natureza geológica, com destaque para as rochas, os minerais e os fósseis, as cavernas e as grutas, as montanhas e os vulcões, bem como dos ambientes naturais (mares, lagos e pântanos, rios, geleiras e dunas) e processos que lhe dão origem. Alastrando a todas as latitudes, longitudes e altitudes, a superfície do planeta foi-se abrindo à sua observação e, neste domínio, ainda que de forma muito embrionária, podemos aceitar que se iniciaram na geologia.

Caverna de Altamira com pintura rupestre. (flickr.com)

Estabeleceram relações de causa-efeito entre os objectos e os mecanismos que lhes foram dados a observar, no mundo físico que foi o seu. Experimentaram o que puderam experimentar, deduziram, inferiram e transmitiram aos descendentes os conhecimentos que foram acumulando, servindo-se para tal das linguagens de que dispunham, nomeadamente o gesto e, mais tarde e progressivamente, a fala.

Presenciaram a chuva e os seus efeitos como poderoso agente de erosão, desde a simples e inofensiva escorrência às grandes enxurradas e aluimentos de terras. Assistiram a catastróficas cheias próprias das planícies aluviais dos grandes rios e suportaram secas intermináveis. Andaram sobre as dunas e relacionaram-nas com o vento. Enfrentaram frios imensos e subiram e desceram montanhas, num acumular de experiências que lhes permitiram sobreviver. Procuraram grutas e abrigos para se protegerem das intempéries e das feras e conheceram os pigmentos minerais com que pintaram algumas delas, numa demonstração de criatividade artística da sua condição humana.

(Direitos reservados)

Viram a lava incandescente a fluir e a transformar-se em rocha; e deixaram as suas pegadas sobre as cinzas vulcânicas. Sentiram a terra tremer debaixo dos pés e ouviram o som cavo e assustador dos sismos. Conheceram o sílex e a sua característica fractura concoidal, aprenderam a encontrá-lo nas suas jazidas e tiraram partido desses conhecimentos para produzir utensílios e armas. Verificaram idênticas características no quartzo macrocristalino (em especial, o hialino e o defumado) e nos vidros vulcânicos (obsidiana, taquilito e outros) e deram-lhes a mesma utilização.

Conheceram a argila e a sua plasticidade, quando misturada com a água, e o seu endurecimento pelo fogo. Usaram o betume (asfalto) como combustível e, talvez, como fonte de iluminação, e prospectaram o ouro, a prata, os minerais de cobre e os de estanho, milhares de anos antes de a ciência lhes ter prestado atenção e de lhes ter dado nomes. Aprenderam a explorá-los e ensaiaram as metalurgias. Primeiro, a do bronze, há mais de cinco mil anos; e, cerca de mil anos depois, a do ferro.

Fizeram tudo isto e muito mais, antes de os Sumérios, de os Chineses e de os Egípcios terem iniciado a arte de escrever.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

14/07/2022

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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