Gina Lollobrigida e as outras divas do cinema italiano

 Gina Lollobrigida e as outras divas do cinema italiano

“Gina Lollobrigida – A Mona Lisa do século XX” (© Diário de Notícias)

Este foi o título da notícia sobre a morte da actriz italiana, na edição lisboeta do Diário de Notícias (DN) do dia 17 de Janeiro. E a notícia do DN continuava: “Na sua época áurea, chamaram-lhe ‘a mais bela mulher do mundo’, tendo protagonizado uma carreira de muitos sucessos em que a condição de estrela da produção cinematográfica de Itália a levaria a ser acolhida pela ‘fábrica de sonhos’ de Hollywood – Gina Lollobrigida faleceu em Roma aos 95 anos de idade.”

Robert Z. Leonard, como actor, representando
um primeiro-tenente do exército dos Estados
Unidos da América, durante a Guerra Civil, na
película muda Betty’s Dream Hero, de
1915. (Direitos reservados)

Afastada do cinema há já muito tempo, sabíamos que se tinha dedicado à fotografia, fazendo dessa arte nova uma nova vida. Como cinéfilo que fui antes, mais do que agora, lembro-me de grande parte dos seus filmes. A Mais Bela do Mundo, foi uma produção italiana, de 1955, do realizador americano Robert Z. Leonard, em que revive o romance atribulado da célebre cantora lírica Lina Cavalieri com um príncipe russo, interpretado nesse filme pelo célebre actor de teatro e de cinema Vittorio Gassman.

(Direitos reservados)

Robert Zigler Leonard (1889-1968) foi um profícuo realizador americano, tendo iniciado a sua longa carreira no ano de 1913, com uma curta-metragem, ainda no cinema mudo, chamada Sally Scraggs, Housemaid, sobre uma romancista que finge ser uma empregada doméstica e que consegue um emprego numa pensão.

Robert Z. Leonard continuou na realização até 1957, também como actor em várias aparições, destacando-se na película Abbott e Costello em Hollywood (de 1945), na qual contracena com estes dois famosos cómicos. E ainda numa cena especial com Lucille Ball e Preston Foster.

Gina Lollobrigida e Anthony Quinn, em O Corcunda de Notre
Dame. (Direitos reservados)

Das muitas fitas em que Gina Lollobrigida participa, gostava de destacar o clássico O Corcunda de Notre Dame (ou Nossa Senhora de Paris), no papel da cigana Esmeralda. E destaco a sua interpretação neste filme pelo facto de que não era fácil para uma actriz assumir o desafio de uma nova versão (esta a cores) que pudesse competir com a versão de 1939 do Quasímodo (O Corcunda de Notre Dame), de Charles Laughton, genial criação física e caracterização relativamente ao grotesco sineiro da catedral de Notre Dame. Assim como com a bela cigana de Maureen O’Hara, filme realizado por William Dieterle, com guião cinematográfico de Bruno Frank e de Sonya Levien, a partir da obra de Victor Hugo. Para mim, um filme perfeito. Poderão passar muitos anos sobre ele, mas continuará a ser uma referência para mim na História do Cinema.

Gina Lollobrigida se eternizaria no cinema mundial quando entrou para a calçada da fama, em Hollywood, no ano de 2018. Mas o cinema italiano – com Cinecittà1, um complexo de teatros e de estúdios situados na periferia oriental de Roma, responsável por grande parte da produção cinematográfica italiana –, dar-nos-ia muitas mulheres belas, ombreando taco a taco com Hollywood e lançando no estrelato uma constelação de belíssimas actrizes de mérito, na representação e na criação de personagens. Menciono-as, aqui, pois merecem serem lembradas.

Monica Vitti e Rossana Podestà. (Direitos reservados)

Monica Vitti, a musa dos filmes de Antonioni.

Rossana Podestà, belíssima como Nausícaa, contracenando com Kirk Douglas em Ulisses, filme de 1954, com realização de Mario Camerini. As famosas sequências na caverna de Polifemo foram realizadas por Mario Bava. Mais uma belíssima mulher entrava neste filme, Silvana Mangano, nos papéis de Penélope e de Circe, alternadamente. Magnífica e enigmática como Jocasta, no filme Rei Édipo (1967), de Pier Paolo Pasolini. A sua mirada inquietante no início do filme é perturbadora, ela nos anuncia, com o seu olhar, o destino trágico do seu filho. São também notórios os pés feridos, a morte de Laio, o diálogo com Tirésias (no filme desempenhado por Julien Beck, a figura emblemática do Living Theatre), bem como o encontro com a esfinge/oráculo, além da cegueira e do exílio final, notável! Mais tarde, ela seria a mãe de rosto impenetrável de Tadzo, na Morte em Veneza, de Visconti, quase uma moira contemplativa da morte e da peste na cidade dos canais.

Também Sofia Loren foi a estrela do meu tempo. É impossível esquecer e não mencionar Duas Mulheres (La ciociara, filme italiano-francês de 1960) realizado por Vittorio De Sica. O guião cinematográfico foi escrito por De Sica e Cesare Zavattini, como adaptação do romance homónimo de Alberto Moravia. Nos anos setenta, ela será a mulher solitária numa Roma deserta, contracenando com Marcello Mastroianni em Una giornata particolare (Um Dia Inesquecível, de 1977), realizado por Ettore Scola. O filme gira em torno de duas personagens, que se encontram no dia 6 de Maio de 1938, dia da visita de Hitler à Itália fascista, de Mussolini. Antonieta e Gabrielle são vizinhos de prédio. Antonieta é uma dona de casa, cujo marido é partidário do regime e se encontra na manifestação de apoio a Hitler; e Gabrielle é um homossexual e comentarista de rádio recém-demitido. Os dois se descobrem numa relação intensa, enquanto em redor se comemora o evento fascista.

Silvana Mangano em Édipo Rei. Ao lado, Sofia Loren e Marcello Mastroianni. (Direitos reservados)

Nesta pequena lista, não podia faltar Anna Magnani, uma das maiores do seu tempo. Magnani foi premiada com o Óscar de Melhor Actriz, pela Academia de Hollywood, e considerada pelos seus pares como o maior talento da interpretação dramática, desde a diva italiana Eleonora Duse2. Trabalhou com os mais importantes realizadores do cinema italiano e era reconhecida internacionalmente pelo seu rosto expressivo, assim como pelo seu talento dramático e pela sua forte personalidade. Começou a carreira ainda no cinema mudo, mas teve o seu primeiro papel importante em Teresa Venerdì, no ano de 1941, com realização de Vittorio De Sica. Ganhou o prémio de melhor atriz no Festival de Veneza em 1947; e, em 1955, ganhou o Oscar de melhor atriz pela sua interpretação em A Rosa Tatuada, filme baseado na peça de teatro de Tennessee Williams, no qual interpretava uma viúva siciliana nos Estados Unidos da América, num típico bairro italiano. Desafiando a memória do seu marido, ela vai tentar apaixonar-se novamente.

Ainda a vimos numa pequena intervenção no filme Roma, de Federico Fellini, encarnando a sua própria personagem numa cena nocturna durante uma viagem pela cidade eterna. Como regista a enciclopédia livre Wikipédia, assistimos a “cenas metacinematográficas da própria filmagem – não há ligação narrativa, e o estilo vai do lirismo à sátira, do nostálgico ao truculento, sem solução de continuidade”. Lemos igualmente que, como “é típico nos filmes de Fellini, a fotografia é exuberante (já o era na fase dos filmes preto e branco, e nos coloridos é ainda mais), com enquadramentos geniais, exibindo uma ‘fauna’ humana fascinante e revelando a alma palradora e anárquica do italiano”.

Anna Maria Magnani em Rosa Tatuada. (Direitos reservados)

Muitas outras actrizes poderiam completar esta lista: Alida Valli, Claudia Cardinale, Lea Massari, Giulietta Masina, Isabella Rossellini, Elsa Martinelli, Virna Lisi e tantas outras, não apenas belas, mas cheias de talento, de criatividade e de amor pelo cinema. Eram elas que nos chamavam, aos domingos, para assistirmos às matinés da nossa juventude!  

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Notas:

(Direitos reservados)

1 – Os estúdios de Cinecittà foram uma ideia e realização do regime fascista italiano. As obras começaram em 26 de Janeiro de 1936 e somente quinze meses depois, em 28 de Abril de 1937, ocorreu a inauguração. Entre 1937 e 1943, foram rodados cerca de trezentos filmes, mostrando a vitalidade da produção cinematográfica italiana da época. Entre as produtoras e distribuidoras cinematográficas italianas, recordo a Titanus, com mais 50 filmes, maioritariamente realizados a seguir à Segunda Guerra Mundial.

(Direitos reservados)

2 – Eleonora Duse famosa actriz italiana. Nascida numa família ligada ao teatro, interpretou a personagem de Julieta aos 14 anos, atingindo marcante sucesso aos 20 anos no papel de, de Émile Zola, e também no papel de Santuzza (uma pobre camponesa), na ópera Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni. O libreto é de Giovanni Targioni-Tozzetti e de Guido Menasci, extraído da novela homónima de Giovanni Verga.

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26/01/2023

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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