Há 25 (só?) pedreiras nacionais à margem da lei e a ameaçar perigo
Já lá vão quatro anos sobre o acidente de Borba que, em 2018, levantou forte clamor nacional pela morte de cinco pessoas. E o Governo identificou 25 pedreiras como sendo de risco, por razões ambientais ou de segurança, com trabalhos por fazer, pelo que estão fora da lei e num plano que deveria estar terminado. Ao todo, o país tem 2500 pedreiras, 1426 (57%) licenciadas pelo Estado (as outras, 43%, são licenciadas pelo poder local), das quais, após fiscalização, 191 foram classificadas de risco, em 2018. No entanto, 25 não passaram por intervenção significativa.
Sobre a matéria são relevantes as recentes peças jornalísticas do Expresso, do Público e da TSF.
A Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que não revela as pedreiras que ainda não tiveram qualquer intervenção, elucida o que falta fazer: das aludidas 25 pedreiras, oito estão por sinalizar, ou seja, ainda não foram intervencionadas para reduzir riscos de segurança; em sete, o perímetro da área não está vedado; e as outras dez precisam de estudos para implementar “soluções estruturais, reposição de defesas e estabilização de escombreiras”.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu uma “nota para enchimento de vazios de escavação com resíduos”, como confirma o seu diretor, Francisco Teixeira. A solução é encher as covas das pedreiras com “resíduos de demolições em solos contaminados, amianto, material elétrico e ferroso”, entre outros. De facto, é na estabilização e nas zonas de defesa que está o problema.
A Empresa de Desenvolvimento Mineiro, encarregue da tarefa e sob a tutela do Estado, garante que tem mais um ano para acabar o plano.
Sabe-se que a fiscalização também é escassa. Em abril último, o Público apontava que a DGEG só tem 25 funcionários para fiscalizar as mais de duas mil pedreiras do país, sendo que, destes, nove são colaboradores com contrato de avença. E a Inspeção do Ambiente considerava que a distribuição de técnicos superiores a nível regional pelas pedreiras em situação crítica não é uniforme e recomendava à tutela nova auditoria e reforço de recursos humanos e materiais.
Em 2018, o acidente de Borba expôs a necessidade de apurar a situação real das pedreiras existentes no território continental, a fim de se poder avaliar as necessidades de intervenção.
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“Enormes buracos, equipamento abandonado, contaminação de solos, aluimentos para linhas de água, caminhos tragados pela exploração e compra de pedreiras abandonadas para ganhar direitos de exploração e poder depositar resíduos perigosos” – é, segundo o Expresso, o retrato do país em pedreiras dos tipos 1 e 2 (sob a fiscalização da DGEG), com áreas de exploração que variam entre os cinco e os 25 hectares, e das classes 3 e 4 (pouco mais de mil, de licenciamento municipal), e muitas por registar, como refere Pedro Santos (dirigente da associação ambientalista Quercus), as quais têm menos de cinco hectares e não podem escavar além dos 10 metros.
Segundo as associações que o representam, o setor emprega 15 mil pessoas, movimenta mil milhões de euros – envolvendo €400 milhões em exportações. Olhando o país de lés a lés, as pedreiras vêm à tona. E o Expresso constitui o guia oportuno, de que se respigam os dados mais pertinentes.
Explora-se o mármore, do Alandroal a Sousel, em centenas de pedreiras trabalhadas a profundidades até 120 metros. A rocha é cortada com fio diamantado e os blocos são amontoados antes de serem içados por enormes gruas. Ao longo das estradas do Norte Alentejano, em área de riscos sísmicos, há muitas pedreiras a céu aberto, abandonadas, que apresentam fundas crateras e sem qualquer plano para recuperar o passivo ambiental. Erguem-se enormes e ferrugentos guindastes e sucedem-se os amontoados de pedra. As pedreiras, desativadas e ao abandono, mostram “que a lei não está a ser cumprida” e estão na berma das estradas, quando, por lei, teriam de estar a 30 metros das mesmas.
O valor da pedra, a economia e o emprego levam a exploração ao limite e facilmente se encontram pedreiras separadas por uma dezena de metros, quando a lei impõe distâncias três vezes superiores à profundidade da escavação. Impõe-se, pois, um novo reordenamento, eliminando estradas, juntando pedreiras contíguas e aumentando assim a área de exploração.
No Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, centenas de pedreiras e máquinas extraem calcário, acabando o pó dos trabalhos por tingir de branco a floresta. As pedreiras – quais buracos na paisagem serrana decorados por barracas cobertas de zinco para operar as serras que cortam pedra – ganharam área de exploração, deixando crateras por tapar, e aos problemas de segurança juntam a “poluição nos locais onde se muda o óleo das máquinas, lixiviados e gasóleos”.
Em 2007, a área foi alvo de um estudo que permitiu a legalização e, em 2011, o regulamento do Parque Natural foi alterado para permitir a ampliação de pedreiras, “se fossem requalificadas explorações abandonadas”. O referido dirigente da Quercus sustenta que “seria um bom princípio, se fosse cumprido”, e dá o exemplo de São Bento e Cabeça das Pombas, pedreiras tapadas e com coberto vegetal em recuperação, mas que são “exceções”. Hoje, compram-se antigas pedreiras para aumentar a exploração e permanece o passivo ambiental. Assim, o negócio impede o equilíbrio entre a subsistência das pessoas e a exploração.
Em Louriçal (Pombal), Gil Martins aponta Casal da Rola e Casais do Porto, onde houve prospeção geofísica para nova pedreira, em duas dezenas de sondagens, para exploração da sílica.
A Norte, dito “coração do granito”, a população travou a reativação da pedreira de Fiais da Telha, em Carregal do Sal. Um dos ativistas contra a retoma, vincou que, sem esperar licença, “a empresa estava a iniciar a exploração, quando a população interveio”, mas a autarquia não emitiu licença. No concelho de Moimenta da Beira, há exploração ilegal de granito amarelo, trazido da serra da Nave para alimentar o trabalho de pedreiros. Ali, o granito é abundante e é no concelho que está o líder ibérico na exploração e transformação, a empresa Polimagra, que explora e transforma a pedra “de acordo com as regras e alto valor acrescentado”, como frisa Paulo Figueiredo, presidente da autarquia. Este político local reconhece que, “depois de Borba, os industriais aprenderam a lição”, pois não tem havido acidentes “nem novos licenciamentos” e há “medidas coercivas para quem não cumpra critérios ambientais”. Por outro lado, o mesmo autarca observa que os “proveitos são fabulosos e os industriais podem aplicar algum dinheiro na recuperação da natureza”.
Em Vila Chã, no concelho de Esposende, a câmara municipal travou a exploração em Monte da Cerca. A pedreira esventrou a floresta e “foi embargada”, confirma o vereador Guilherme Emílio.
No Douro, as pedreiras não cumprem regulamentos. Embora funcionam desde 1940, foram licenciadas em 2007 e, em 2018, incluídas nas 191 identificadas em situação de risco.
No Parque Arqueológico do Vale do Côa, as explorações de xisto são, com a Câmara Municipal de Foz Côa, os maiores empregadores. Há medo de falar no assunto. Um deputado municipal denuncia que “ainda não houve qualquer intervenção ou fiscalização” e outro político local conta que “parte das pedreiras desabou e caiu ao rio”, pelo que, em Canada do Inferno, se veem as escombreiras a escassos metros da água e das gravuras rupestres. Além disso, como alerta outro deputado municipal, é visível a falta de vedações, a exploração a céu aberto, o desmonte feito com explosivos, pedra transformada no local; e foram unidas duas pedreiras, eliminando um caminho municipal. E Pedro Santos, da Quercus, salienta que, há 40 anos, para reduzir o passivo ambiental, foi criado um outro problema: fez-se o enchimento das pedreiras com detritos, um negócio “atrativo e perigoso”.
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Já passaram mais de dois anos e a nova legislação (com 95 artigos) para regulamentar a exploração das pedreiras não saiu dos bastidores. A Lei está na forja desde 2020 e passou por duas consultas públicas, mas o novo regime jurídico continua em tramitação, deixando inquieto o setor.
Em entrevista (na Vida do Dinheiro, da TSF e do Dinheiro Vivo), Miguel Goulão, presidente da Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais (Assimagra) – que representa cerca de 80% do setor da pedra portuguesa e reúne 235 empresas que atuam nas atividades de extração, transformação, máquinas, equipamentos e tecnologia, de norte a sul do país – declara que as pedreiras precisam “de apoio e de decisão”, bem como de alargamento dos limites das zonas de proteção, mas que devem ser “defendidos os direitos adquiridos”.
Por enquanto, o setor é regulado pelo Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, com a redação que lhe deu o Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, em conjugação com os Decretos-Leis n.º 31/2013, de 22 de fevereiro, n.º 165/2014, de 5 de novembro, n.º 54/2015, de 22 de junho, n.º 152-B/2017, de 11 de dezembro. Acresce a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2019, de 5 de março, que aprova o Plano de Intervenção nas Pedreiras em Situação Crítica. Ora, é preciso atualizar a legislação e torná-la menos dispersa, acautelando o cenário de guerra.
Entretanto, Miguel Goulão refere que as regras são as da tendência europeia de, cada vez mais, se restringir a exploração de recursos. Com efeito, há teses europeias que demonstram que o caminho trilhado até aqui não tem sido o necessário para que a Europa possa ser mais competitiva na sua indústria. O presidente da Assimagra diz ainda que, para se produzir, é preciso aceder aos recursos, criar e manter emprego, e também compreender que “os recursos minerais fazem parte da nossa vida”, o que, muitas vezes, pela dinâmica que as sociedades têm, não é percetível à maioria das pessoas.
Há recursos e são necessários. Importa explorá-los com racionalidade, sem a obsessão do lucro, mas com mais respeito pelo ambiente e pelos ecossistemas.
04/08/2022